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No rastro do biodiesel

O plano do governo de incentivo à produção e consumo de biodiesel ganha uma dimensão ainda maior, quando transportado para o campo. O potencial do programa já se reflete nas lavouras de mamona e pinhão manso (foto), que começam a avançar no Norte de Minas, trazendo nova perspectiva de renda para os agricultores do semi-árido, já que são matérias-primas resistentes a regiões de poucas chuvas. Pesquisadores alertam, no entanto, que o investimento só compensa se houver garantia de venda, prevista em contratos com a indústria beneficiadora.

Novo potencial do semi-árido

Lavouras de mamona e pinhão manso, matérias-primas para produção do biodiesel, avançam no Norte de Minas e se transformam em opção de renda no campo

O plano de incentivo à produção e consumo do biodiesel lançado pelo governo federal criou uma nova perspectiva para os agricultores do semi-árido: as culturas da mamona e do pinhão manso – matérias-primas do biodiesel – se adaptam muito bem às regiões de poucas chuvas. Segundo a proposta, em 2008, o diesel deverá ter 2% de mistura do combustível natural e, em 2013, o percentual de mistura aumenta para 5%.

O novo produto é a esperança de vida melhor para os agricultores do Norte de Minas, onde a Empresa de Pesquisa Agropecuária (Epamig) faz estudos com o objetivo de introduzir as culturas de mamona e pinhão manso. Além de plantios experimentais em sua fazenda em Janaúba, verificando a resistência à seca e outros fatores, a empresa incentiva o cultivo dos pequenos produtores, que poderão receber financiamentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e tocar as lavouras com a garantia da venda, prevista em contratos com uma indústria beneficiadora.

O gerente-regional da fazenda experimental da Epamig em Janaúba, Marco Antônio Viana Leite, acredita que o biodiesel pode gerar cerca de 10 mil empregos na região, englobando as atividades de plantio, colheita, transporte e beneficiamento. Ele assinala, porém, que, apesar das boas perspectivas, o agricultor deve ter cautela ao pensar em investir no negócio. “A mamona, por exemplo, deve ser vista como um complemento para a agricultura familiar, não como a salvação da lavoura”.

A melhoria da atividade rural com o estímulo ao biodiesel é apontada por Sérgio Cavalieri, presidente da Ale Combustíveis, a primeira distribuidora de derivados de petróleo a investir na comercialização do novo produto. “O biodiesel é um combustível renovável, que polui menos. Mas é também um produto agrícola, que vai possibilitar uma grande melhoria da renda dos agricultores”, afirma Cavalieri. “Essa nova fonte energética vai mudar a perspectiva do campo, pela geração de empregos e pela fixação do homem à terra”, completa o empresário.

O pesquisador Níveo Poubel Gonçalves, da fazenda experimental da Epamig em Janaúba, não tem dúvidas de que os plantios para atender a indústria do biodiesel representam uma alternativa para a região. “Porém, as coisas têm que ser feitas com planejamento. É preciso que haja garantia de compra dos produtos. Os agricultores não podem repetir riscos do passado”, alerta o pesquisador.

Poubel faz referência ao que ocorreu com a mamona há cerca de cinco anos. Incentivados por uma empresa de óleos industriais, centenas de pequenos agricultores norte-mineiros plantaram mamona. No entanto, a indústria não garantiu a compra da safra e os produtores tiveram prejuízo.

CENÁRIO POSITIVO Com o biodiesel, o cenário parece ser outro, com a resposta imediata de grandes empresas, que estão acreditando no negócio. Uma das investidoras é a Ecodiesel, de capital alemão e brasileiro, sediada em Fortaleza e que tem uma fábrica em Floriano, no interior do Piauí (a 300 quilômetros de Teresina). A Ecodiesel também incentiva o plantio de mamona para a produção de biodiesel no Norte de Minas.

Segundo Júlio Armando Martinez, gerente de projeto de agricultura familiar da Ecodiesel, a empresa pretende fechar contratos com cerca de 10 mil pequenos agricultores do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha para a compra de mamona, com o preço pré-fixado, variando entre R$ 0,55 e R$ 0,70 o quilo. A articulação conta com o apoio da Epamig, governo do estado e sindicatos de trabalhadores rurais. A meta é assinar os contratos para recebimento da produção no primeiro semestre de 2006. “Não podemos fechar acordos em relação ao pinhão manso por falta de produção em grande escala”, explica Martinez. Ele disse que Ecodiesel pretende instalar uma unidade esmagadora em Minas, dependendo do volume da produção do estado.

A Ale, dona da quarta maior rede de postos do país, também garante mercado para quem acreditar no negócio. Segundo Sérgio Cavalieri, a meta da distribuidora é vender o novo produto em todos os 450 postos que têm a sua bandeira. O primeiro posto da Ale a contar com uma bomba de biodiesel fica em Montes Claros.

Um outro fator que despertou a atenção para os investimentos na área foi que a Petrobras assinou protocolo com o governo do estado, Banco do Nordeste e outros órgãos, se dispondo a participar dos trabalhos para desenvolver a cadeia do biodiesel em Minas. Segundo o gerente-executivo de Desenvolvimento Energético de Gás e Energia da estatal, Paulo Kazuo, a empresa inlcuiu no plano de negócios 2006/20010 a previsão de investir US$ 145 na produção de 481 milhões de litros de biodiesel. Ele confirmou a intenção de instalar uma unidade esmagadora de matéria-prima no Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha.

“É preciso que haja garantia de compra dos produtos. Os agricultores não podem repetir riscos do passado” – Níveo Poubel Gonçalves, pesquisador da Epamig

Consumo anual será de 2 bilhões de litros

Em 2008, quando for feita a mistura de 2% do óleo vegetal em todo o diesel vendido no país, terão que ser produzidos, por ano, cerca de 800 milhões de litros do combustível extraído das plantas. Para atingir essa produção, serão necessários plantios de mamona e pinhão manso numa área total de 1,5 milhão de hectares.

Os cálculos são do empresário Sérgio Cavalieri, baseados em estudos realizados pela Ale Combustíveis para investir no comércio do biodiesel. De acordo com as suas estatísticas, em 2013, quando a mistura será de 5%, o consumo do biodiesel deverá alcançar 2 bilhões de litros por ano. Para atender a demanda, o país terá que contar com uma área plantada de 4 milhões de hectares com os produtos que servem como matéria-prima para o combustível renovável.

“O futuro do biodiesel é algo parecido com o álcool. O país terá que fazer plantios equivalentes aos de cana que existem hoje”, compara Cavalieri. “Acreditamos que, a partir do biodiesel, vai se criar um grande mercado no campo, não somente com a geração de emprego, mas também com a venda de equipamentos e outros insumos”, acrescenta o empresário.

FINANCIAMENTO As lavouras voltadas para o mercado do biodiesel também são vistas como promissoras pelo Banco do Nordeste, um dos principais agentes financiadores das atividades no semi-árido. O gerente das áreas de negócios da Superintendência do BNB em Montes Claros, Demetrius Monteiro, afirma que o banco poderá liberar empréstimos para as culturas de mamona e pinhão, dentro do Pronaf. Segundo ele, o BNB está disposto a liberar os empréstimos desde que haja uma garantia de compra da produção por uma indústria esmagadora.

“O futuro do biodiesel é algo parecido com o álcool. O país terá que fazer plantios equivalentes aos de cana que existem hoje” – Sérgio Cavalieri, presidente da Ale Combustíveis

Primeira colheita anima economista

A boa adaptação do pinhão manso no Norte de Minas é constatada pelo produtor e economista Nagashi Tominaga. Ele plantou a espécie em setembro de 2004, em uma área de 10 hectares, em Janaúba, e teve a primeira colheita em julho deste ano. Animado com os primeiros resultados e com as perspectivas do biodiesel, ele anuncia que está preparando um grande plantio, de 110 hectares.

Tominaga trabalhava com comércio internacional no Rio de Janeiro. Lá, teve informações do cultivo do pinhão manso para a produção de biodiesel na Índia e na África do Sul. Pouco depois, ao ser informado de que a planta era muito conhecida no Norte de Minas, deciciu mudar-se para a região. Segundo ele, o óleo já foi usado em lamparinas, para iluminação, e para fazer sabão artesanal. “Mas, com a chegada da luz elétrica e do sabão industrial, os agricultores acabaram com a cultura. Quando cheguei aqui, demorei dois meses para achar alguns pés de pinhão”, relata.

O economista conta que fez o plantio de 10 hectares da espécie numa área irrigada pelo sistema de gotejamento, obtendo uma produtividade de 400 gramas por planta (332 quilos por hectare). A expectativa é de que a produçao venha a ser multiplicada nos próximos anos.

“Acho que o cultivo do pinhão manso vai garantir a sustentabilidade da agricultura na região. A cultura deve servir como ganho complementar. Ou seja, aquele produtor que tiver cinco ou dez vacas para a produção de leite deve plantar o pinhão manso, mas manter a atividade inicial”, recomenda Tominaga, valendo-se da experiência de economista.

Ele lembra que, além da Índia e da África do Sul, o pinhão já é cultivado até no deserto de Luxor, no Egito. “No Brasil, faltam mais estudos técnicos para que os órgãos públicos venham, de forma incondicional, apoiar a cultura como um fator de mudança no semi-árido”, ressalta.

“O cultivo do pinhão manso vai garantir a sustentabilidade da agricultura na região” – Nagashi Tominaga, economista que investiu no cultivo do pinhão manso

Culturas resistentes à seca

Luiz Ribeiro Uma das grandes vantagens das culturas voltadas para a produção do biodiesel é a resistência à seca. De acordo com o pesquisador Níveo Poubel Gonçalves, da Epamig, o pinhão manso, para produzir, exige uma média de 500 milímetros de chuvas por ano. Mas a planta sobrevive até com 200 milímetros de água por ano. A mamona pode produzir com uma média anual de chuvas entre 650 e 800 milímetros.

“A mamona se adaptou muito bem ao semi-árido. É uma boa opção para se explorar as áreas de sequeiros”, afirma Poubel. “Trata-se de uma cultura aparentemente fácil, mas que precisa de alguns cuidados. Por exemplo, ela deve ser plantada em terrenos de altitude entre 300 e 1,5 mil metros”, esclarece o pesquisador. Segundo ele, a produtividade está relacionada com a quantidade de horas/luz, o que é mais uma vantagem para o semi-árido: oscila entre 1,2 e 1,5 quilos por hectare. Mas, dependendo das condições favoráveis, pode chegar a 3,5 mil quilos por hectare. O intervalo entre o plantio e a colheita da mamona varia de 150 a 240 dias. O cultivo pode ser consorciado com feijão, amendoim e algodão.

Níveo Poubel ressalta que o pinhão manso (cujo nome científico é Jatropha curcas L), leva vantagem sobre a mamona por ser uma cultura perene. A planta, que teve origem na América Central, é um arbusto que pode chegar a até quatro metros de altura. Com um ano, já começa a produzir. De acordo com o pesquisador da Epamig, no terceiro ano, a produtividade média atinge 2,8 mil quilos por hectare. Porém, pode alcançar até 6 mil quilos por hectare, quando o plantio tiver com quatro ou cinco anos, em sequeiro – em áreas irrigadas, a produtividade é maior ainda. Os tratos culturais ainda estão sendo avaliados. “Mas, acreditamos que os custos de manutenção do pinhão manso serão inferiores aos da mamona, o que faz com que a cultura seja rentável e competitiva com a abertura do mercado do biodiesel”, observa Poubel.

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