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No quintal de casa, uma microusina de álcool

Nem biodiesel, nem gás liquefeito de petróleo (GLP) ou tampouco sistema a hidrogênio, este ainda em fase de teste no Brasil. Para o mineiro e geólogo Marcello Guimarães Mello, o combustível do futuro é mesmo o velho e conhecido álcool, produto que nas últimas semanas tem sido alvo de novas discussões entre usineiros, distribuidores e o governo federal, motivadas pela disparada dos preços nos postos brasileiros. “Qualquer um pode produzir álcool no Brasil”, diz o geólogo, que defende a “democratização da produção”, hoje controlada pelas grandes usinas, num mercado regulado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).”É preciso liberar a venda de álcool fabricado pelo pequeno produtor e apoiar a construção no campo de microdestilarias, que serviriam para atender à demanda local, da região”. Para quem acha a idéia de Mello utópica – transformar um mero produtor de cana-de-açúcar em um empresário do ramo de combustível -, ele desafia: “Convido a todos a visitar minha propriedade, onde tenho uma microusina, que produz 200 litros de álcool por dia”, afirma.

C-4(Gazeta Mercantil/1ª Página – Pág. 1)(Denis Cardoso)

No quintal de casa, uma microusina…

Geólogo que ajudou a criar o Proálcool defende a instalação de microdestilarias em pequenas áreas. Pela lei atual, porém, o álcool combustível que é produzido nas 320 usinas brasileiras só pode ser vendido diretamente para as cerca de 100 distribuidoras autorizadas pela ANP, que revendem aos 30 mil postos existentes no País. “O problema é que hoje há uma série de exigências para se vender álcool no País, que não são compatíveis com o bolso do pequeno produtor, o que acaba inviabilizando o negócio na propriedade rural”, afirma.

Mello culpa as “forças contrárias” para explicar a falta de atenção do governo ao projeto das microdestilarias. “Alguns dizem que é perigoso mexer com álcool, que o produto queima, ocasiona desastre. Mas quer coisa mais perigosa que eletricidade”?, indaga.

Antes de decidir ir viver definitivamente em sua fazenda, em Mateus Leme, município mineiro situado a 70 quilômetros de Belo Horizonte, Mello ocupou cargos importantes em grandes empresas, como o de diretor-presidente da Acesita Energética e o de superintendente de floresta da Companhia Vale do Rio do Doce, ambos exercidos na década de 80. Foi ainda diretor do Departamento Nacional de Combustíveis (DNC) – hoje ANP -, no início dos anos 90, e participou da criação do Programa Nacional de Álcool (Pro-álcool), lançado na década de 70, no governo do general Ernesto Geisel.

Há três anos confinado na fazenda de Mateus Leme, Mello se diz satisfeito com o seu trabalho, que consiste em mostrar na prática que é possível “produzir álcool em qualquer parte do Brasil, com mão-de-obra não especializada. “A montagem de uma microdestilaria é simples e barata, podendo ser integrada à pequena propriedade rural”, afirma.

Para produzir 200 litros de álcool por dia, continua o engenheiro, bastam quatro a cinco hectares de cana (um hectare corresponde a um campo de futebol) e alguns equipamentos – como a moenda, a caldeira e o alambique -, facilmente fabricados em oficinas de serralheria. “A conta é simples: são quatro a cinco hectares de cana para movimentar quatro ou cinco carros”, compara Mello, completando que investiu não mais que R$ 60 mil em todo o projeto, incluindo a verba aplicada para o cultivo da cana e a produção de eucalipto (em sua fazenda, a madeira é utilizada na caldeira, em substituição do carvão vegetal). “É um investimento baixo, que pode ser aplicado com recursos já disponíveis em outras linhas de crédito existentes, como as dedicadas ao programa de Agricultura Familiar, que muitas vezes não são totalmente utilizadas pelos produtores”, sugere.

A microusina de Mello, de acordo com ele, produz álcool a R$ 0,50 até 0,60 o litro. “Não tem uma grande usina que produza nesse preço. E tudo com mão de obra braçal, tração animal”, diz. “É possível produzir álcool a custo baixo e de forma descentralizada no Acre, em Roraima, no Rio Grande do Sul, em qualquer estado do Nordeste”, completa.

De acordo com o geólogo, o projeto das microdestilarias, apesar de envolver pequenos produtores, não pode ser visto como “um programa de subsistência, insuficiente para resolver o problema dos grandes consumidores, das grandes cidades”. Segundo ele, as mini usinas de álcool poderiam facilmente abastecer um município ou uma região caso houvesse a liberação de mercado aos pequenos produtores e incentivos à produção.

Para reforçar a sua tese, Mello propõe a substituição do atividade leiteira pela produção de álcool. “Onde se produz um litro de leite é possível produzir, de maneira bem mais fácil e barata, dois litros de álcool”, compara Mello, acrescentando que, apenas em Minas Gerais, existem 400 mil propriedades rurais, grande parte delas operando em situação pré-falimentar.

“Minas Gerais produz cerca de 7 bilhões de litros de leite por ano, e consome 1,4 bilhão de litros de álcool/ano, importando um pouco menos que a metade de São Paulo. O estado, sozinho, poderia então ter 400 mil microdestilarias, que produziriam 14 bilhões de litros de álcool/ano, volume bem próximo da produção brasileira atual, de 15,5 bilhões de litros”, compara. Além de irrigar a economia local, a produção do combustível, diz Mello, evitaria o transporte do produto por longas distâncias (feitas por caminhões movidos a diesel) e ajudaria a amenizar o impacto da alta dos preços nas bombas, pois o pequeno usineiro poderia estocar o álcool na propriedade, para depois vendê-lo no período de entressafra.

A opção pela microdestilaria também não inviabiliza a produção de leite ou de outros produtos agrícolas na propriedade. “Pelo contrário: com usina em produção, é possível utilizar os subprodutos da cana e da destilaria, como o bagaço e o vinhoto, para alimentação do gado”, ressalta. Aliás, a principal receita de Mello hoje está na pecuária de corte. “No período de entressafra, todo o meu rebanho (de 80 cabeças de gado) é alimentado com ração à base de bagaço da cana, e com o vinhoto (resíduo da destilação)”, diz. Outra fonte de receita do produtor vem das visitas de campo realizadas em sua fazenda. “Cobro de R$ 350 a R$ 450 por grupo de cinco pessoas para abrir a porteira de minha fazenda e mostrar todo o projeto”, afirma Mello, que inclui na programação uma palestra sobre a sua atividade.

(Gazeta Mercantil/Caderno C – Pág. 4)(Denis Cardoso)

Auto-suficiência seria permanente

19 de Janeiro de 2006 – Em vez de ter como meta a auto-suficiência de petróleo, a Petrobras deveria investir mais pesadamente em outras energias alternativas, sobretudo o álcool, avalia Marcello Guimarães Mello. “Nós temos um combustível alternativo de alta qualidade (álcool), capaz de dar auto-suficiência permanente ao Brasil”, afirma. “O álcool nada mais é que um petróleo limpo, que também serve para produzir plástico, borracha, adubo nitrogenado, entre outros produtos”, completa o geólogo e produtor rural.

Mello diz que não é contra a refinaria e os grandes projetos petroquímicos. “Mas é preciso enxergar que, alternativamente, existem outros caminhos. Para ele, o petróleo brasileiro duraria mais 100 anos caso a estatal optasse por não utilizar suas reservas imediatamente e adotasse a álcool como combustível prioritário. “Com essa estratégia, seriamos o país do petróleo, da petroquímica e da alcoolquímica”.

Além de ser uma energia limpa, renovável, o álcool, na avaliação de Mello, é um grande gerador de empregos na área rural. De acordo com ele, a construção de refinaria de petróleo com capacidade para produzir 100 mil barris por dia consome investimentos da ordem de US$ 2 bilhões, resultando na criação de cerca de sete mil empregos diretos. “Com esse mesmo recurso é possível construir 100 mil microdestilarias no meio rural, o que significa a geração imediata de um milhão de empregos diretos, 500 mil na área agrícola e outros 500 mil em pequenas oficinas de serralheria”, compara.

Ainda segundo Mello, o álcool também está largamente à frente dos outros combustíveis alternativos existentes hoje, que aos poucos começam a surgir no mercado. Sobre o biodiesel, feito a partir da mistura de óleos vegetais extraídos da soja, dendê, mamona, entre outras culturas, o geólogo considerou “um pouco exagerado” o investimento de R$ 1 bilhão, anunciado pelo governo Lula, direcionado para projetos ligados ao novo combustível. “Parte desse recurso poderia ser aplicado na construção de microdestilarias, que é um programa pronto, acabado, diferentemente dos projetos relacionados ao biodiesel, em que ainda existem dúvidas fundamentais, como qual é a matéria-prima ideal para a sua produção”, diz e indaga: “O que fazer com os subprodutos da fábrica?”

Mello considera desnecessário para o País o investimento em carros elétricos, movidos a hidrogênio, que é produzido a partir da célula combustível. “Fui pesquisar a tecnologia e descobri que o melhor combustível para essa célula é o álcool. Então, por que eu vou pegar o álcool e retirar dele o hidrogênio através de um processo que requer alto investimento, se eu já tenho o álcool que coloco diretamente no carro e ele funciona maravilhosamente?”

(D.C.)

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