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Não vai dar para esquecer tanta energia!

Está sendo discutido um novo modelo para o setor elétrico. Uma leitura inicial da proposta do Governo mostra um documento muito voltado para garantir os caminhos tradicionais do setor elétrico, num movimento nostálgico para os seus chamados “anos de ouro”, quando puderam ser construídas, com dinheiro próprio, as duas maiores obras civis “do mundo” – Itaipú e Tucuruí. E ainda sobrou fôlego para encarar um programa nuclear completo com direito à construção de várias usinas grandes. Isto porque, se previa que o potencial hidrelétrico do Brasil esgotaria na década de 90.

Posso estar enganado. Afinal, o documento ainda está em discussão e minhas esperanças são de que prevaleça o bom senso. Até mesmo porque acredito que a realidade que acontece fora dos gabinetes dos especialistas do setor elétrico vai acabar falando mais forte.

Que realidade? Vou citar apenas dois dos aspectos que hoje estão tão noticiados que não podem se esconder sob o manto do desconhecimento. Primeiro, a Petrobrás tem anunciado aos quatro cantos que as reservas de gás natural triplicaram e que o combustível nobre está sendo encontrado perto do maior polo industrial do país (São Paulo).

Como não acredito que a nossa cinqüentona petroleira seja obrigada a repetir a bobagem a que foi imposta na crise de energia em 2001 de destinar quase todo o gás que tinha para umas quantas termelétricas (centrais de grande porte, a maior parte parada), a Petrobrás terá que ultrapassar os city-gates para levar o gás até os consumidores.

Neste caso, o uso mais nobre para o gás natural, sem sombra de dúvida, é a co-geração, um sistema em que a eletricidade é gerada junto ao consumidor e que aproveita o calor produzido nesta hora para uso no processo (vapor ou frio). É o mínimo de eficiência energética que se pode esperar deste combustível. Aliás, é assim que ocorre no resto do mundo havendo países, como a Holanda e Finlândia, onde a co-geração responde por mais de 30% da potência instalada.

Já o segundo fato, para o qual os técnicos do setor elétrico não podem mais fazer vistas grossas, é a geração de energia com a biomassa da cana-de-açúcar. Em recente reunião no BNDES sobre o tema, se lembrava que, do ponto de vista energético, a safra em curso eqüivale a uma produção diária de mais de um milhão de barris de petróleo/dia.

A maior parte desta energia – cerca de 2/3 – está na biomassa combustível que ainda é usada com baixa eficiência, pois as usinas não tinham como vender a eletricidade até muito recentemente. Com a otimização de seu uso, bastaria uma fração da biomassa para atender as necessidades das usinas e usar o resto para gerar e exportar para o sistema elétrico. Enquanto isso não acontece, estamos assassinando esta energia todo ano! É o maior energicídio deste país!

É mais triste porque, como boa parte da queima da biomassa da cana (bagaço, palha e pontas) acontece em pleno período de estiagem, dar as costas a este potencial seria como ignorar, no planejamento do setor elétrico, um rio com belas quedas e que corre justo na época em que os demais estão secos. Sem contar a grande vantagem de que, por ser uma das formas de Geração Distribuída (produzida perto dos consumidores), esse sistema reduz as perdas de transmissão.

Não é possível ignorar tanta energia, mesmo que as resistências de natureza simplesmente culturais sejam o maior problema. Assim, a questão a ser resolvida é: como casar a oferta potencial acontecendo no varejo com um setor que sempre pensou a questão das novas fontes como ocorrendo no grande atacado?

Penso que a necessidade se encarregará de resolver isso tudo. De alguma forma, com plano ou sem plano, determinativo ou não, alguma coisa me diz que a Geração Distribuída vai vingar, para o bem de todos. Espero estar escrevendo novamente sobre o assunto, no máximo em cinco anos, contando a todos que eu estava certo!

* Jayme Buarque de Hollanda é diretor geral do INEE – Instituto Nacional de Eficiência Energética e diretor do Fórum de Co-geração e Geração Distribuída.

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