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Na corrida do álcool, acordo entre Brasil e Japão põe Petrobrás na frente

No mês passado, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, veio a esta gigantesca cidade brasileira para assinar um acordo essencialmente simbólico com o Brasil para promover a produção e o uso do álcool combustível.

Naquela mesma noite, um grupo de executivos japoneses retornou daqui com o esboço de um grande negócio alcooleiro em mãos.

Os eventos daquele dia ressaltam as abordagens diferentes que os países industrializados como os Estados Unidos e o Japão estão adotando em relação a esse combustível renovável numa época de crescente preocupação quanto ao futuro do suprimento do petróleo. Como os EUA produzem seu próprio etanol combustível a partir do milho, eles cobram uma cara tarifa sobre a importação do álcool brasileiro barato, feito a partir da cana-de-açúcar. Esse é um dos principais motivos pelos quais o discurso americano de uma parceria com o Brasil sobre álcool ainda não produziu resultados concretos

Mas o Japão não tem mercado doméstico de etanol para proteger, e está vendo o Brasil como uma importante fonte do combustível. A conseqüência: o Japão pode assegurar uma considerável fatia da oferta futura de álcool combustível do Brasil, de longe o produtor mais barato.

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Para conseguir isso, as empresas japonesas estão criando uma aliança com um sócio inusitado: a estatal Petróleo Brasileiro SA. A Petrobrás e a trading japonesa Mitsui & Co. Ltd. estão em negociações avançadas sobre como fornecer para o Japão até 3 bilhões de litros de álcool combustível por ano dentro de quatro anos, de acordo com a Petrobrás.

Isso é quase todo o etanol que o Brasil exportou em 2006. O Japão vê o combustível como uma opção para ajudá-lo a cumprir suas obrigações no Protocolo de Kyoto sobre o aquecimento global, e como uma proteção contra suprimentos de petróleo de um Oriente Médio politicamente volátil, diz o diretor-presidente da Mitsui, Shoei Utsuda.

Um negócio com o Japão transformaria a Petrobrás no maior exportador brasileiro de etanol, e a tornaria a primeira grande petrolífera a dar um grande passo em biocombustíveis.

Embora não seja possível produzir biocombustíveis o bastante para substituir todo o petróleo consumido no mundo, eles podem ser usados para estender a duração do suprimento de combustíveis derivados do petróleo. E, ao contrário do petróleo, eles não se esgotam porque são feitos a partir de produtos agrícolas que podem ser colhidos todos os anos. Nas últimas semanas, executivos da Petrobrás anunciaram que vão começar a construir o primeiro “alcoolduto” por US$ 700 milhões, e fizeram planos de investir em inúmeras usinas de açúcar.

Mas Japão e Brasil enfrentam um dilema do tipo “o ovo e a galinha”: a Petrobrás diz que só vale a pena investir pesado na infra-estrutura e produção do etanol se o Japão de fato acabar por comprar o combustível, enquanto o Japão tenta obter garantias antes de se comprometer com um negócio que o pode deixar vulnerável a interrupções do suprimento.

Um contrato de fornecimento de longo prazo depende do governo japonês, que está debatendo quanto álcool deve misturar na gasolina, diz Utsuda. Atualmente, o Japão tem uma mistura opcional de 3%, mas pode exigir um porcentual mais alto. O Japão também está considerando usar o álcool no lugar de gás natural para alimentar usinas termelétricas.

O grande medo do Japão é o fornecimento. O Brasil e os EUA produzem e consomem a maior parte do etanol do mundo, o que significa que ele ainda não é uma commodity facilmente negociável. O Japão se preocupa com a capacidade da fragmentada indústria sucroalcooleira do Brasil de garantir o fornecimento. O Brasil tem mais de 300 usinas de açúcar, a maioria das quais produz tanto açúcar quanto álcool. No passado, quando o preço do açúcar subiu, a produção de álcool afundou, provocando escassez do combustível.

Resolver a preocupação japonesa é o motivo da entrada agressiva da Petrobrás na área de produção de etanol, diz Paulo Roberto Costa, o executivo da Petrobrás que supervisiona refino e distribuição. “Os japoneses deixaram muito claro que quando começarmos a fornecer etanol, é preciso haver um suprimento constante”, diz.

O negócio é uma meia-volta para uma petrolífera que até recentemente dizia que não tinha interesse na produção de etanol. Embora a Petrobrás já distribua o álcool em postos de gasolina, a empresa não produziu nada de álcool no ano passado, e exportou somente 120 milhões de litros. Aliás, alguns questionam sua capacidade de ser uma fornecedora confiável num setor novo para ela, como a agricultura. Se a empresa acabar fornecendo para o Japão, o negócio responderia por até 55% da capacidade de exportação do Brasil projetada até 2012.

No ano passado, os EUA foram o maior mercado de exportação do etanol. Mas com a produção de álcool à base do milho nos EUA crescendo, alguns especialistas acham que as importações americanas podem cair acentuadamente em 2007.

O Brasil ainda tem esperança de que os EUA eliminem uma tarifa sobre o etanol importado de mais de US$ 0,14 por litro. Embora uma oferta de Bush ao Brasil de uma “parceria estratégica” em etanol não tenha sido seguida por propostas concretas, Costa diz que a Petrobrás manteve contato com autoridades na Califórnia e com o exgovernador da Flórida Jeb Bush, que chegou ontem ao Brasil.

Jeb Bush, irmão do presidente e atual co-presidente da Comissão Interamericana do Etanol, defendeu este mês o fim da tarifa, dizendo que ela está obstruindo o mercado de biocombustíveis.

A idéia de que metade do álcool brasileiro exportado acabe no Japão não é de surpreender, diz Marcos Jank, presidente do Instituto Brasileiro de Negociações Comerciais Internacionais. “É o único país que está lançando um programa de consumo sem ter nenhuma produção doméstica”, diz Jank.

O que não falta é interessado em comprar o combustível do Brasil. Costa diz que a Petrobrás também está em discussões com compradores da China e Coréia do Sul. E outras tradings japonesas vêm tentando fechar contratos de etanol. Em março, a Mitsubishi Corp. assinou um contrato de 30 anos com a São Martinho S.A., uma das duas usinas brasileiras de álcool que têm capital aberto, para o fornecimento de álcool industrial usado em bebidas, perfumes e outros produtos.

O Brasil está expandindo rapidamente o cultivo de cana-de-açúcar para atender ao crescimento da demanda interna e externa, e espera dobrar a produção de etanol até 2012. Mas as novas plantações levam três anos para atingir níveis produtivos, e o Brasil usa 80% de seu etanol internamente.

Isso significa que a oferta do combustível pode ficar apertada se os planos de novas usinas e fazendas forem engavetados — o que pode acontecer se países como o Japão e os EUA não derem sinais claros de que a demanda vai subir, dizem especialistas. “Não podemos construir o alcoolduto e assinar contratos com 40 usinas se não soubermos se vamos conseguir vender o produto”, diz Costa. “Seria enterrar dinheiro.”

— Mari Iwata em Tóquio colaborou neste artigo.

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