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Mudanças climáticas e etanol

Nos dias 20 e 21 de fevereiro, o Parlamento Brasileiro foi anfitrião da mais recente reunião sobre mudanças climáticas do Globe International, um fórum de parlamentares dos países do G-8+5 – os oito países mais desenvolvidos mais as cinco economias em desenvolvimento mais dinâmicas (Brasil, China, Índia, México e Rússia). Além da consolidação de temas importantes no debate internacional (questões como desmatamento, por exemplo), ocorreu uma primeira discussão sobre as vantagens e desvantagens dos biocombustíveis como energia alternativa e limpa.

Até dois anos atrás, os biocombustíveis, incluindo o etanol, eram tratados pelo G-8 com grande entusiasmo e mesmo admiração. Esta abordagem foi se modificando rapidamente, na medida em que algumas experiências específicas chamaram a atenção para aspectos de segurança ambiental e alimentar. No primeiro caso, a experiência sempre lembrada é a do desmatamento de florestas tropicais causado pelas plantações de palma na Indonésia. No segundo caso, a ampliação da utilização do milho para a produção de etanol nos Estados Unidos, o aumento dos preços de alimentos em diversos países derivado em parte da competição entre milho para etanol e a produção de alimentos levou à falaciosa argumentação de que a produção de etanol estaria gerando mais fome, e menos desenvolvimento.

A reunião em Brasília proporcionou mais uma oportunidade de desmistificar posições e ressaltar as diferenças da nossa experiência. Foi consenso que a experiência brasileira neste setor é exemplar, e alguns parlamentares estrangeiros puderam constatar in loco que a produção de etanol de cana-de-açúcar, longe de representar riscos para nosso meio ambiente ou para nossa geração de alimentos, constitui uma resposta a necessidades de geração de energia, com a vantagem de trazer benefícios de redução de emissões e de geração de renda e emprego. Essa impressão positiva ficou reforçada durante o evento graças às palestras sobre a sustentabilidade da produção de biocombustíveis realizadas durante a reunião por pesquisadores de órgãos como a Embrapa, mas também do setor privado.

Tudo indica que biocombustíveis terão seu papel reconhecido na nova arquitetura, mas sempre existe o risco de que se procure desqualificar o etanol brasileiro

O discurso do presidente Lula sobre mudanças climáticas deu o tom político apropriado para o debate. O mundo subdesenvolvido é o grande perdedor diante do fenômeno do aquecimento global: nas últimas duas décadas o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos tem se calcado em uma matriz energética emissora dos gases de efeito estufa, e agora as conseqüências da elevação da temperatura afetam especialmente os mais pobres, que dependem mais da agricultura e têm poucos recursos para defender-se das conseqüências imediatas da mudança do clima (elevação do nível do mar, maior intensidade e ocorrência de furacões e tornados, da ampliação da desertificação e assim por diante). Nesse contexto, a utilização de biocombustíveis como o etanol pode ser uma oportunidade de crescimento para os países em desenvolvimento, seja pelas exportações (e a criação de empregos) que pode gerar, seja porque a tecnologia é de fácil acesso e compreensão e não requer investimentos vultosos.

A intensificação da crítica ao etanol brasileiro se dá em um momento fundamental das rodadas comerciais, quando está em jogo o desmantelamento dos pesados subsídios agrícolas aplicados pelos países desenvolvidos. As críticas surgem também no momento em que, mesmo de estarem concluídas as negociações sobre o futuro regime internacional de mudança do clima, está em gestação uma nova arquitetura internacional que definirá as regras e os critérios para financiamento de ações relacionadas com a mudança do clima. Essa nova arquitetura, impulsionada pelos países do G-8, influenciará em grande medida as opções tecnológicas e os investimentos produtivos que serão considerados limpos para fins de concessão de créditos ou de benefícios associados a liberalização comercial. Tudo indica que os biocombustíveis terão seu papel reconhecido nessa nova arquitetura, mas sempre existe o risco de que se procure desqualificar o etanol brasileiro, seja através do protecionismo na forma de subsídios ou tarifas proibitivas (para justificar talvez a sobrevida das políticas de subsídios agrícolas, transferindo-as para produção de biocombustíveis nos países ricos) ou de regulamentos técnicos ou ambientais inadequados.

Daqui de Washington, tenho lutado para que os biocombustíveis continuem sendo apoiados pelo Banco Mundial como energias limpas. Caso não sejam incluídos no rol das energias renováveis e limpas, o mundo em desenvolvimento, em geral, e o Brasil, em particular, estariam perdendo mais uma vez uma espetacular oportunidade de dar um salto de desenvolvimento através de inovações tecnológicas e do comércio. Para os países desenvolvidos, esta exclusão representaria um tiro no pé dos seus consumidores e poderia agravar ainda mais o atual quadro de desaceleração econômica nesses países. Por essas e outras razões, tenho defendido no Banco Mundial, instituição que adotou recentemente o lema de “promover uma globalização inclusiva e sustentável”, a seguinte tese: apostar em biocombustíveis é hoje a melhor maneira de estender os benefícios da globalização à grande maioria da população pobre do mundo e ao mesmo tempo assegurar uma resposta adequada ao desafio do aquecimento global. Rogerio Studart, doutor em economia pela Universidade de Londres e professor licenciado da UFRJ. Foi economista das Nacoes Unidas (UNCTAD e CEPAL) e do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID) e, posteriormente, Diretor Executivo no BID entre 2004 e 2007. E´ atualmente Diretor Executivo em Banco Mundial, representando o Brasil, Colombia, Equador, Filipinas, Haiti, Panama, Republica Dominicana, Suriname e Trinidad Tobago.

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