Mercado

Monocondução de trens da ALL causa polêmica

O Sindicato dos Maquinistas e Ferroviários do Paraná e de Santa Catarina (Sindimafer) pretende entrar na Justiça para tentar impedir que trens sejam conduzidos apenas por uma pessoa no Paraná. A prática conhecida como monocondução foi implantada pela empresa América Latina Logística (ALL), concessionária que administra a malha ferroviária Sul desde 1997. Antes disso, a extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA) mantinha o maquinista e um auxiliar nos trens. Na avaliação do sindicato e de engenheiros especializados em transporte ferroviário, a monocondução gera riscos e eleva a probabilidade de acidentes, pois apenas o maquinista não teria condições de cuidar de toda a composição. A ALL argumenta que o investimento em tecnologia feito ao longo de dez anos dispensa a presença do auxiliar.

O assunto é polêmico e já gerou ações em outros estados. Em Minas Gerais, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região já emitiu parecer contrário à moncondução, mas a principal motivação do Sindimafer é uma liminar concedida pela Justiça do Trabalho de Bauru (SP), que proibiu a prática na área de abrangência da Novoeste – outro trecho concedido à ALL e que inclui regiões dos estados de São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, depois de ação civil pública protocolada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Bauru, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. A Novoeste/ALL ainda não havia implantado a monocondução e agora aguarda o julgamento do mérito da ação. Em agosto, o Tribunal Superior do Trabalho rejeitou um mandado de segurança impetrado pela empresa com o objetivo de derrubar a liminar.

ultima = 0;

Sindicatos em pé de guerra

A América Latina Logística (ALL) argumenta que o Sindicato dos Maquinistas e Ferroviários do Paraná e de Santa Catarina (Sindimafer) não tem legitimidade para ajuizar uma ação contra a monocondução. A Justiça do Trabalho já reconheceu que o representante da categoria no Paraná é o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias nos Estados do Paraná e Santa Catarina (Sindifer), fundado em 1943.

Leia a matéria completa

Empresa aposta em tecnologia e treinamento

A ALL diz investir em tecnologia para minimizar os riscos. Entre os equipamentos estariam sensores que identificaram quedas de barreiras e 1.870 detectores de descarrilamento. O próximo passo é instalar pluviômetros, para medir a quantidade de chuva. Renê Silva, gerente do Centro de Controle de Operações (CCO), destaca que cada locomotiva possui um computador de bordo, onde o maquinista recebe ordens e informações e pode se comunicar com o Centro. Outro sistema adotado é o chamado “homem morto” – o maquinista deve acionar um botão em um período de tempo pré-estipulado, para mostrar que está presente e consciente.

Leia a matéria completa

Principais acidentes envolvendo a ALL

23 de julho de 2000 – Seis vagões carregados com óleo diesel descarrilam e pegam foto na localidade de Fernandez Pinheiro, região de Ponta Grossa. Segundo o Instituto Ambiental do Paraná, 60 mil litros vazaram e atingiram a nascente de um rio. Dias depois, um descarrilamento resultou em 20 mil litros de óleo diesel e gasolina na mesma região.

23 de setembro de 2000 – Trinta vagões carregados com açúcar descarrilam na região de Morretes, na Serra do Mar. Segundo os órgãos ambientais, quatro mil litros de combustível foram parar no córrego Caninana.

30 de maio de 2003 – 60 mil litros de óleo diesel vazam entre Ibiporã e Jataizinho, no Norte do estado, depois de um descarrilamento de vagões.

28 de março de 2004 – Um vagão descarrila e derrama 350 toneladas de soja, farelo de soja e milho a granel no córrego Caninana, afluente do Rio Nhundiaquara, na Serra do Mar paranaense.

19 de julho de 2004 – 35 vagões carregados de soja, farelo de milho e açúcar descarrilam sobre a ponte do Rio São João, em Morretes, na Serra do Mar. Foi o maior acidente ferroviário na história do Paraná.

15 de setembro de 2004 – Cerca 500 litros de óleo diesel vazam em um acidente em Rio Negro, divisa com Santa Catarina. Doze vagões descarrilam.

17 de julho de 2006 – Dois vagões descarrilam e a locomotiva da composição que leva 700 toneladas de cimento tomba, a cerca de quatro quilômetros do centro de Almirante Tamandaré.

3 de fevereiro de 2008 – Dois vagões carregados com etanol descarrilam na região de Ortigueira, na região dos Campos Gerais, junto ao Rio Formiga.

20 de março de 2008 – Um maquinista e o auxiliar da Novoeste/ALL morrem após o descarrilamento de uma locomotiva no município de Água Clara (MS). A causa teria sido o excesso de água da chuva na ferrovia.

No Paraná, a movimentação contra a monocondução começou oficialmente em 2001, quando o Sindimafer denunciou a prática ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Um inquérito apura se o uso de apenas um maquinista oferece risco nas ferrovias que cortam o estado. O procurador do MPT da 9ª Região, Gláucio Araújo de Oliveira, solicitou dois laudos, encaminhados pelo Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR) e pela própria ALL, antes de decidir se entra ou não com uma ação. “Já fiz um levantamento de campo e conheço a situação real, fiz visitas à ALL e sei da condição dos equipamentos. Estou para analisar dois laudos técnicos, feitos por ambos os lados”, afirma o procurador, que chegou a percorrer trechos em trens da ALL para observar as condições de trabalho.

O laudo do Senge-PR, assinado por um perito judicial, é categórico ao reprovar a monocondução e enumera as principais dúvidas em relação à prática. O documento sugere que há “áreas de sombra” no sistema de comunicação (em serras ou viadutos), que o maquinista só enxerga um dos lados da composição e que para apenas um profissional “fica impossível a realização dos trabalhos externos, e existem alguns aspectos externos na condução de uma composição que devem ser resolvidos, tendo a necessidade de intervenção humana direta”. São também enumerados acidentes, como o choque entre trens ocorrido em Ponta Grossa no ano passado e o caso de uma “locomotiva fantasma” que teria percorrido cerca 150 quilômetros sem intervenção no interior da Argentina.

Os acidentes seriam a prova de que há falhas na “cerca eletrônica” da ALL – um sistema que permitiria parar qualquer trem, em 21 mil quilômetros de malha no Brasil e na Argentina, diretamente do Centro de Controle Operacional da empresa, localizado no bairro Vila Oficinas, em Curitiba. “Esses trechos (sem contato) são muito curtos”, diz o gerente do Centro, René Silva, em meio a computadores e painéis nos três ambientes que compõem o cérebro da ALL (veja ao lado). Ele também contesta a afirmação de que seria necessário um auxiliar para identificar e solucionar problemas na composição. Imprevistos como descarrilamentos, segundo a ALL, são identificados por 1.870 detectores espalhados ao longo da malha. “Ao longo da via há equipes para socorrer os trens. Em uma situação emergencial, não vejo como outra pessoa poderia ajudar o maquinista”, comenta Silva.

Com a experiência de 26 anos na RFFSA, o engenheiro e consultor Saulo de Tarso Pereira é um crítico da monocondução. “Há um excesso de confiança nos equipamentos eletrônicos. Às vezes os maquinistas se excedem confiando no que foi dito. Eles se tornam escravos do instrumento”, afirma. “O auxiliar é quem vê qualquer anormalidade. É essencial à segurança do trem, é um custo muito pequeno em termos de operação ferroviária.” Pereira também questiona a eficácia da cerca eletrônica – para ele, o sistema adotado pela ALL para que trens sigam em direções opostas em uma única via é errado. “Parar um trem exige de 400 a 800 metros, dependendo do comprimento e da velocidade. O centro de controle pode até identificar um trem em sentido contrário, mas não dá tempo de parar.” Para Pereira, o acidente na Ponte São João, em julho de 2004 (maior acidente ferroviário na história do Paraná) seria uma prova de que o sistema de cobertura não funciona a contento.

Também com experiência na extinta Rede Ferroviária, o hoje gerente de Engenharia de Operações de Trens da ALL, Luiz Carlos Hohmann, acha que o auxiliar pode até ser prejudicial na nova realidade do transporte ferroviário, em que luzes e computadores substituíram agitadores de bandeiras nos pontos de intersecção. Para ele, a culpa não está no sistema – e as falhas humanas devem ser levadas em conta.

Banner Revistas Mobile