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Migração aumenta os gastos sociais

Todos os dias Aldálio Ferreira da Silva se levanta às 4h. Morador temporário de uma vila de trabalhadores na cidade de Dois Córregos, esse pernambucano de 47 anos prepara diariamente a marmita de carne com arroz para o filho, Samuel, de 18 anos, levar para a lavoura de cana. Quando melhorar da pneumonia que trouxe de sua terra natal, Bom Conselho (PE), também pretende seguir para a lavoura. Basta chegar o mês de março para Aldálio perfazer anualmente o trajeto entre Bom Conselho e Dois Córregos. Embora esteja impedido de pegar no facão por recomendação médica, ele sabe que não vai demorar muito para voltar à lavoura.

No canavial, Samuel diz ganhar até R$ 800 por mês, “que já vêm descontados”. Para isso, precisa cumprir um expediente que começa às 7h da manhã e termina por volta das 16h. Segundo a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp, vinculada à CUT-SP), no ano passado cinco trabalhadores morreram por problemas decorrentes do esforço excessivo.

O procurador do Ministério Público do Trabalho da 15 Região (Bauru), José Fernando Maturana, resume a trajetória desses lavradores. Em geral são aliciados ainda em suas terras de origem por um profissional conhecido como “gato”. A serviço de empreiteiras, são escalados para recrutar o contingente de bóias-frias que vão colher a cana em fazendas arrendadas para as usinas de álcool. Ponta mais frágil da cadeia, esses trabalhadores são submetidos a condições precárias de convívio social e de trabalho.

Além de sujeitos ao esforço repetitivo das lavouras, em jornadas que podem durar 12 horas por dia, são acomodados, em grupos de até 20 pessoas, em cubículos com condições de abrigo para apenas dois. O resultado são casos recorrentes de violência.

Segundo o promotor, não são raras as situações em que os bóias-frias já chegam às lavouras com dívidas a honrar com os “gatos”. Endividados, não têm como escapar da escravidão. “O pior é que muitos desses bóias-frias já chegam à cidade com problemas de saúde”, afirma a superintendente da Santa Casa da Misericórdia de Dois Córregos, Mara Haddad Scapim.

“O problema é que a expansão prevista para os próximos anos, pela indústria do açúcar e do álcool, demandará uma quantidade cada vez maior de trabalhadores para os canaviais. Para os próximos anos, está prevista a contratação de um contingente que a região é incapaz de suprir sozinha”, afirma Eduardo Porfírio, o Polaco, presidente do Sindicato dos Empregados Rurais Assalariados do município de Mineiros do Tietê, que é afiliado à Feraesp.

Mara recorre aos números do serviço médico para demonstrar o impacto da migração sobre as contas públicas locais: entre abril e novembro, o período da safra, o total de atendimentos na instituição aumenta em 25%, a mesma proporção do impacto sobre o orçamento da Santa Casa. O chefe de gabinete da prefeitura de Dois Córregos, Fausi Mattar, estima que, de dezembro a março, a Diretoria de Assistência Social trabalhe com um orçamento mensal de R$ 25 mil a R$ 30 mil. No período da safra, vai a R$ 40 mil mensais. No último censo (2000), o IBGE contabilizou 22 mil habitantes em Dois Córregos, hoje estima-se 25 mil. Com a migração, pula para 30 mil habitantes.

Uma verdadeira blitz contra a terceirização dos canaviais foi iniciada a partir de um dossiê produzido por um grupo formado por técnicos dos Ministérios Público e do Trabalho, da Santa Casa e da Promotoria de Justiça de Dois Córregos.

Maturana revela que, atualmente, há quatro ações em tramitação na Justiça contra usinas que recorrem a essa prática.

Por meio de uma dessas ações, de 2003, o Ministério do Trabalho obrigou o Grupo Cosan, proprietário de 17 usinas na região, a eliminar gradativamente as terceirizações. Com isso, desde 2004 os terceirizados em suas usinas foram limitados a 20% do total de trabalhadores. Há casos como o da Zillo-Lorenzetti que terceirizam 100% de sua produção. Todo ano eles recrutam de 8 mil a 9 mil terceirizados para o período da safra”, diz Porfírio. Procurada por este jornal, a empresa preferiu não se pronunciar sobre o assunto. Por meio da assessoria de imprensa, atribuiu à União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) a responsabilidade por falar em nome da empresa.

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