Hoje é dia de rever posições. Primeiro, um mea-culpa pela injustiça contra a habilidade política de Franselmo, o jornalista-ambientalista que deu a vida em favor do Pantanal. Depois, um grão de sal na conclusão de que duas façanhas biotecnológicas haviam encurralado objeções religiosas contra a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas (CTEHs).
Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Franselmo presidente da Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul, ateou fogo às roupas em Campo Grande, no dia 12 de novembro, em protesto contra instalação de usinas de açúcar e álcool nas imediações do Pantanal. Morreu no dia seguinte, em razão das graves queimaduras.
Depois de morto, Franselmo teve todos os votos que desejava. O que não quer dizer que não tenha morrido em vão
Foi dito aqui, dia 20 passado, que a imolação sugeria uma aposta sua mais na “fortuna” (ou “sorte”) do que na “virtù” (“habilidade”), segundo as célebres categorias maquiavelianas. Ele mesmo escrevera, numa carta de despedida: “Já que não temos voto para salvar o Pantanal, vamos dar a vida para salvá-lo”. Isso foi tomado como uma admissão antecipada de impotência, de fracasso.
Não foi o que se viu. Na quarta-feira, a Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul deu-lhe razão. Rejeitou e arquivou, por 17 votos a 4, o projeto de lei do governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, permitindo a instalação das usinas que poderiam poluir e assorear os cursos dágua da maior planície alagável do planeta.
Depois de morto, Franselmo teve todos os votos que desejava. O que não quer dizer que não tenha morrido em vão, pois a idéia sempre poderá ser reapresentada, quando a emoção se dissipar.
Aqui também foi dito, em 23 de outubro, que duas novas tecnologias tornariam obsoletas objeções conservadoras contra destruição de embriões para obter CTEHs. Na primeira, a linhagem de células-tronco seria obtida de uma única célula retirada do embrião quando tivesse apenas oito delas; as sete restantes, então, se desenvolveriam como embrião normal. Na outra, mais complicada, o embrião primeiro seria geneticamente modificado para perder a capacidade de implantação num útero, para então ser destruído e dar origem às CTEHs.
Nos dois casos, formalmente, nenhuma vida humana futura seria “assassinada”. Xeque-mate? Não para Davor Solter, do Instituto Max Planck de Freiburg (Alemanha). Nos dois casos, diz, nada garante que os experimentos com camundongos dêem os mesmos resultados com humanos.
No periódico “New England of Journal Medicine” de quinta-feira, ele argumenta que uma única célula retirada de embriões (chamada blastômero) de coelhos e ovelhas ainda pode originar um feto, se implantada num útero. O mesmo poderia ocorrer, hipoteticamente, com um blastômero de gente. Para tirar a teima, só fazendo mais experiências com… embriões humanos.
Eis a conclusão de Solter: “Fazer o jogo da política em favor da ciência é provavelmente necessário e às vezes nobre; manipular a ciência em favor da política é em geral um desperdício de tempo”. Ele tem razão.
Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor dos livros paradidáticos “Amazônia, Terra com Futuro” e “Meio Ambiente e Sociedade” (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia (cienciaemdia.zip.net).