Os eleitores da Califórnia vão votar dentro de alguns dias algo fundamental para as exportações brasileiras de etanol para os EUA. Algumas empresas do setor petrolífero estão investindo milhões para aprovar a chamada proposição 23, cujo efeito prático seria suspender por tempo indeterminado a lei estadual de mudanças climáticas que, entre outras coisas, incentiva o uso de fontes de energia limpas como o etanol.
“A Califórnia é o indicador para aonde vão os EUA nesse tema”, afirma o representante da Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar) nos EUA, Joel Velasco. “Se a lei da Califórnia for suspensa, é a morte das iniciativas de mudanças climáticas nos Estados Unidos.”
Em 2006, o governador republicano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, fechou um grande acordo para aprovar no legislativo local uma lei que reduzirá em 30% a emissão de gases-estufa até 2020. Uma das mais importantes medidas desse pacote legislativo é a que determina que a gasolina vendida nos postos contenha no mínimo 10% de combustíveis com baixa emissão de carbono.
O etanol brasileiro, produzido com cana de açúcar, foi certificado pelo órgão de regulação ambiental da Califórnia como de baixa emissão de carbono – e por isso sai na frente na disputa por esse mercado. O etanol dos EUA, feito com milho, não passou no teste.
Em tese, a nova lei abre um mercado potencial de 6 bilhões de litros anuais ao etanol brasileiro na próxima década, já que a Califórnia consome 60 bilhões de litros de gasolina por ano. Para se ter uma ideia da importância desse mercado, em anos muito bons o Brasil embarca cerca de 4 bilhões de litros de etanol para o exterior, incluindo todos os seus mercados.
Hoje, existe nos Estados Unidos uma sobretaxa na importação de etanol que, na prática, funciona como uma barreira à importação do produto brasileiro. A certificação do etanol de cana de açúcar pelo órgão ambiental da Califórnia, porém, deixa os produtores brasileiros numa situação bastante favorável. Sem outras alternativas para fazer a mistura do etanol com a gasolina exigida pela lei, a Califórnia não teria grandes alternativas senão importar o produto do Brasil, pagando as tarifas.
A proposição 23 será votada na terça-feira, junto com as eleições para governador e para o legislativo. Essa é uma das nove consultas que serão submetidas aos eleitores, num sistema de democracia direta. Outro tema polêmico que fará parte da cédula de votação será a liberação da maconha.
Uma pesquisa de opinião divulgada nesta semana pelo jornal “Los Angeles Times” e pela Universidade do Sul da Califórnia diz que 48% dos eleitores rejeitam a proposição 23, ou seja, vão votar pela manutenção da lei de mudanças climáticas que favorece o etanol brasileiro. Apenas 32% vão votar sim pela proposição 23.
Se ela for aprovada, a vigência da lei estadual de m udanças climáticas ficará suspensa até que a taxa de desemprego na Califórnia, hoje em 12,5% da força de trabalho, três pontos percentuais acima da média nacional, caia para apenas 5,5% durante quatro trimestres seguidos.
“É o mesmo que matar a lei de mudanças climáticas”, diz Tom Browman, que integra o comitê contra a proposição 23. Não faz muito tempo, em 2007, a taxa de desemprego da Califórnia caiu abaixo de 5,5%, mas é muito pouco provável que volte logo a esse patamar em meio a uma estagnação econômica que, para alguns analistas, pode durar até uma década.
A campanha oficial de apoio à proposição 23 nega que tenha o propósito de extinguir a lei de mudanças climáticas. A ideia, argumentam, seria apenas adiar sua implementação para um período mais oportuno. “Esse não é o melhor momento”, afirma a diretora de comunicação da campanha pelo sim ao 23, Anita Mangels.
Segundo ela, a lei de mudanças climáticas irá aumentar em 60% os custos de energia elétrica dos consumidores, e em 57% a conta de gás, num momento em que as famílias da Califórnia já enfrentam uma grave crise. Os cálculos divulgados pelo comitê pelo sim à proposição 23 apontam uma perda potencial de 3,5 milhões de empregos no Estado. “Empresas de transporte vão se mudar para outros Estados na fronteira com a Califórnia para evitar os custos mais altos”, afirma Anita Mangels.
Já o comitê pelo não à proposição 23 alega que grandes companhias de petróleo, supostamente poluidoras, estariam tentando enterrar a lei de mudanças climáticas da Califórnia e, assim, evitar que a experiência seja reproduzida em outros partes dos EUA. O governo Obama apresentou um projeto de lei de mudanças climáticas ao Congresso que tem enfrentado forte resistência.
“Basta ver de onde vem o dinheiro dessa campanha”, afirma Browman. Até agora, o comitê pelo sim à proposição 23 arrecadou US$ 10,6 milhões em contribuições, 97% dos quais provenientes de empresas petrolíferas e 80% de com panhias de fora da Califórnia. O maior contribuinte individual é a Valero, uma petrolífera do Texas, com US$ 5 milhões, seguida da Tesouro, uma outra petrolífera, com US$ 2 milhões.
Um dos contribuintes que mais chamam a atenção é a Koch Industries, uma empresa de petróleo do dos irmãos Charles e David Koch, no Kansas, que colocou US$ 1 milhão na causa. Os dois são grandes financiadores do movimento conservador Tea Party, que defende bandeiras como corte de impostos e redução do tamanho do estado.
Em vez das petroleiras, porém, a propaganda oficial pelo sim à proposição 23 veicula em seus vídeos de campanha o apoio dos corpos de bombeiros. Eles temem a perda do apoio financeiros das prefeituras, que teriam que desviar recursos públicos para bancar os custos associados com a lei de mudanças climáticas.
O comitê pelo sim à proposição 23 argumenta que a lei de mudanças climáticas da Califórnia cria empregos sobretudo fora do estado e muitas vezes fora dos Estados Un idos, em países como China e Índia. No caso do etanol, o argumento tem alguma validade, já que a Califórnia não tem terra e água disponíveis para produzir o combustível de baixa emissão de carbono. “A maior parte do petróleo também já vem de fora da Califórnia”, pondera Velasco, da Unica.
O comitê que defende o não para a proposição 23 diz, por outro lado, que a Califórnia tem muito a ganhar em termos econômicos se liderar o movimento de combate ao aquecimento global. Os cálculos são de que já foram criados cerca de 500 mil empregos “verdes”, e há cerca de US$ 10 bilhões investidos em companhias que desenvolvem tecnologias não poluidoras.