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Viciados em petróleo

Como bem ensina a Associação dos Alcoólatras Anônimos, o primeiro grande passo do viciado em direção à cura é reconhecer-se viciado. Na semana passada, o presidente Bush deu esse passo. No seu discurso sobre o Estado da União, admitiu: “Temos um sério problema: os americanos são viciados em petróleo.” Mas, como acontece com tantos viciados, ao escolher o caminho da recuperação Bush não disse coisa com coisa. Ficaram dúvidas sobre a sinceridade de propósitos de largar o vício.

A esse tema, dedicou 4 dos 72 parágrafos do discurso. Disse que a cura se obtém com “mais tecnologia”. Anunciou o projeto Iniciativa de Energia Avançada, que aumentará em 22% as pesquisas para obtenção de energia limpa para uso industrial e residencial. E falou em mais pesquisas (não disse quanto) para redução da dependência de gasolina.

A proposta é obter um plano de etanol (álcool) em seis anos, aparentemente ainda em estudos.

Bush anunciou como “great goal” o projeto de reduzir “em mais de 75%” as importações de petróleo provenientes do Oriente Médio por volta de 2025.

Um problema do plano se vê aí. De nada adiantaria aos Estados Unidos reduzirem a dependência do Oriente Médio se as importações provierem de outros quadrantes. Se México, Venezuela e Rússia substituírem os países árabes no fornecimento aos americanos e o resto do mundo tiver de aumentar os suprimentos do Oriente Médio, a dependência será a mesma.

Ontem, o New York Times criticou a falta de foco: Bush anunciou a redução das importações do Oriente Médio como se fosse “o Plano Marshall ou a missão a Marte”. Mas o simples emprego de motores que rodassem 16,9 quilômetros por litro de gasolina, sem uso de tecnologia especial, seria capaz de economizar 2,5 milhões de barris diários de petróleo, mais ou menos o que os Estados Unidos importam hoje do Oriente Médio.

Também não ficou claro o que seria esse proálcool. Bush fala em produção de etanol a partir de cavacos de madeira e de uma gramínea nativa chamada switch grass. O risco é o de que, por força dos lobbies, bilhões de dólares em recursos públicos sejam despejados em produção de etanol de milho, a um custo real tão alto que logo se mostre inviável.

Nesse caso, serão, outra vez, criados subsídios e fatos consumados que perpetuarão o protecionismo e derrubarão a produção de cereais no resto do mundo.

Bush reconhece a importância estratégica do álcool. Mas não move um dedo para derrubar a alíquota de cerca de 50% sobre as importações de álcool do Brasil, enquanto mantém em zero as de importação de petróleo asiático. É uma entre tantas incoerências que põem o plano sob suspeita.

Muitos economistas têm criticado o projeto porque não vai direto ao ponto. Se o presidente Bush anunciasse aumento do imposto sobre a gasolina ou sobre veículos beberrões, o americano teria entendido o recado e estaria em marcha um plano confiável de redução da dependência.

Ontem, o Washington Post pôs em dúvida a honestidade de propósitos: “Se há cinco anos os americanos estivessem pagando mais pelo petróleo e pelo gás, algumas das tecnologias agora em discussão já estariam no mercado graças aos empreendedores e não a fundos públicos. Mas este presidente nunca mostrou interesse em mudar o comportamento do consumidor.” A inconseqüência parece maior. Faltou reconhecer que o vício agora denunciado por questões geopolíticas é também responsável pelo excessivo aquecimento do Planeta. Tão importante quanto desenvolver tecnologias que derrubem a dependência de óleo importado seria garantir redução da emissão de gases poluentes.

Sobre isso a Casa Branca mantém profundo silêncio.