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Viabilidade de etanol de milho no país é restrita

Viabilidade de etanol de milho no país é restrita

Diante de mais um momento de inflexão das cotações do milho, o mercado aprofunda estudos que visam encontrar alternativas para agregar valor ao grão – cuja produção no Brasil deve se aproximar das 80 milhões de toneladas neste ciclo 2014/15, boa parte concentrada no Centro-Oeste. Ressurgem, portanto, as discussões sobre uso do milho para fabricar etanol. Alguns projetos já foram anunciados, mas até o momento, somente uma usina no país está usando o grão em escala comercial para produzir o biocombustível.

Conforme dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, o volume produzido de etanol de milho entre abril e agosto deste ano (acumulado da safra 2014/15) foi de 20,7 milhões de litros de hidratado, que é usado diretamente no tanque dos veículos. Trata-se de menos de 0,01% do total de etanol produzido na região no mesmo período.

Até o momento, a única fábrica a operar é uma usina de cana em Campos de Júlio que foi adaptada para usar também o milho – Usimat. A trading mato-grossense Fiagril mantém seu projeto para implantar uma unidade exclusivamente a partir de milho em Lucas do Rio Verde (MT), mas até o momento, ainda está na fase de captação de recursos. As americanas Pôet e Biurja também anunciaram projetos semelhantes em Mato Grosso do Sul.

Implantar uma fábrica de etanol usando apenas o milho é viável só no Estado de Mato Grosso, considerando uma taxa mínima de retorno de 15%, conforme estudo feito pela consultoria americana FCStone obtido com exclusividade pelo Valor. Isso porque o crescimento exponencial da produção do grão nos últimos anos, combinado a uma logística deficitária de escoamento, fez com que o milho mato-grossense tivesse os preços mais baixos do país. A distância das refinarias e dos portos torna Mato Grosso, por outro lado, o Estado com um dos preços de combustíveis mais elevados do Brasil.

Fora de Mato Grosso, só há viabilidade em usar milho para fabricar etanol em consórcio com a cana-de-açúcar – na entressafra da gramínea (de dezembro a março) ou durante todo o ano, segundo a FCStone.

Se o projeto for para uso do grão na entressafra canavieira, só há viabilidade em Mato Grosso do Sul e em Mato Grosso. Em outros Estados, além de processar cana na safra, as usinas teriam que ser adaptadas para processar milho durante o ano todo para trazer uma taxa de retorno anual de, pelo menos, 15%.

Para Mato Grosso do Sul, a FCStone selecionou as condições de competitividade do município de Dourados, onde há alguns anos se instalaram grandes grupos sucroalcooleiros, como Odebrecht e Raízen. Nesse município, produzir etanol com milho consorciado com a cana na entressafra gera um retorno anual de 26%, nos cálculos da consultoria.

Mas a especialista da FCStone, Ligia Heise, explica que a viabilidade só é válida para esse Estado quando a usina flex (de cana e milho) usa a tecnologia “integrada”, na qual os caldos do milho e da cana compartilham o mesmo tanque de fermentação na indústria. Essa tecnologia demanda menos investimento, mas resulta em um menor rendimento industrial do que aquelas usinas flex que têm esses processos separados, acrescenta ela.

Já em Mato Grosso, onde os cálculos consideraram a região de Lucas de Rio Verde, no norte do Estado, usar milho na entressafra da cana é, em tese, atrativo “com” ou “sem” essa integração na planta industrial. No primeiro caso, a taxa de retorno calculada pela FCStone é de expressivos 93% ao ano, e no segundo, de 42%.

Ligia Heise observa que não há usinas de cana-de-açúcar em Lucas do Rio Verde, o que torna, na prática, inviável esse tipo de projeto na região mato-grossense. “As projeções não consideram investimento na usina de cana. Somente em sua adaptação para processar o milho”.

A consultora lembra que a viabilidade do etanol de milho em Lucas do Rio Verde não depende da “parceria” com a cana. Um projeto “solo” com o grão traz, nos cálculos da FCStone, retorno anual de 33%.

O estudo será apresentado hoje em um evento em São Paulo para potenciais investidores. Mesmo com uma menor oferta de milho – 5 milhões de toneladas por ano, ante as 18 milhões de toneladas de Mato Grosso – São Paulo pode trazer o grão de outros Estados a preços que não comprometem a viabilidade de seu uso para fabricar etanol nas tradicionais usinas de cana, diz Ligia. A condição para isso, no entanto, é que o uso do grão na indústria tem que ocorrer durante todo o ano, e não só na entressafra da cana.

Os cálculos da FCStone para São Paulo, feitos para o município de Cândido Mota, na região de Assis, indicam uma taxa de retorno de 28%. “Há cerca de 20 usinas de cana nessa região”, lembra a especialista. É também um importante polo de produção de milho de São Paulo. Citando números do IBGE, a consultora explica que a microrregião de Assis, à qual pertence Cândido Mota, produz em torno de 14% da produção do grão no Estado de São Paulo.

“Em São Paulo, também há oferta de milho nas regiões canavieiras de Ourinhos e São Joaquim da Barra”. É importante destacar, segundo ela, que mesmo em regiões com baixa disponibilidade de milho, o uso do grão pode ser viável para a usina. “Em função da menor oferta de milho em São Paulo e das perspectivas para a evolução da safra do grão no Centro-Oeste, acredito que a tendência para as usinas flex paulistas seja mesmo a de trazer o grão de outros Estados”, afirma.

(Fonte: Valor Econômico)