Acostumado a viver em uma zona de conforto como líder na produção de açúcar e etanol no Brasil, o grupo Cosan passou de vitrine a vidraça a partir do momento em que decidiu fazer sua oferta pública inicial de ações, em novembro de 2005. A entrada na bolsa foi bem recebida, mas a lua de mel com o mercado durou pouco. Já estabelecida em seu segmento, a companhia começou a fazer inúmeras aquisições e incorporações mal compreendidas pelo mercado. Os analistas viam com reserva essa movimentação toda e ressentiam-se com a maçaroca de números de áreas distintas. Sete anos depois, porém, a gigante volta a cair nas graças do mercado. O que mudou?
A partir deste ano, a estratégia da Cosan começou a ficar mais clara, assim como os resultados do grupo, organizados em novas divisões. A empresa diversificou seu leque de negócios para disputar os concorridos mercados de distribuição de combustíveis, infraestrutura, logística e gás canalizado. Tudo sob o olhar atento do mercado.
As mudanças tiveram início em 2008, quando a Cosan comprou a Esso, que pertencia à ExxonMobil, e levou junto a divisão de lubrificantes. No mesmo ano, criou seu braço logístico, a Rumo. Dois anos depois, deu um salto maior no segmento de combustíveis, com o anúncio de uma joint venture com a Shell, para a criação da Raízen. Não satisfeita, decidiu investir em infraestrutura. Negocia, desde fevereiro deste ano, um belo naco da América Latina Logística (ALL): uma participação de 49% do bloco de controle (ou 5,6% do capital total), por quase R$ 900 milhões. Quando o mercado começava a digerir essa entrada em ferrovias, anunciou a compra de 60% da Comgás, por R$ 3,4 bilhões. Quase ao mesmo tempo, em maio, sua divisão de alimentos associou-se à Camil, líder no beneficiamento de arroz e feijão no país. A Cosan terá 11,72% da nova empresa de alimentos.
Todas estas operações, juntas, são consideradas estratégicas pelo fundador da companhia, Rubens Ometto Silveira Mello, hoje na presidência do conselho do grupo. Ele quer construir uma nova Cosan. É este processo de reestruturação, que contempla a separação das divisões de negócios, que mudou o humor do mercado. A Cosan voltou a ficar “atraente” e suas ações passaram a ser recomendadas pela maioria dos analistas.
“Percebemos que o ‘disclosure’ [abertura das informações] da companhia ficou mais eficiente. Vemos a Cosan com resultados mais claros. Antes, a Raízen Energia divulgava seus números, que incluíam a área de açúcar e álcool e a de varejo, dois negócios distintos. A divisão de combustíveis consolidava também os resultados de lubrificantes”, lembra Bruno Varella, analista da Bradesco Corretora.
Para ele, a “limpeza” nos resultados traz mais conforto ao mercado. Isso porque as margens dos vários negócios são diferentes: as de lubrificantes são maiores que as de combustíveis, e as do varejo de alimentos são menores que as de açúcar e álcool – misturados, como acontecia antes, os negócios de margem menor “sujavam” os resultados dos demais.
O mercado também passou a ter uma melhor percepção dos novos segmentos da Cosan. “A companhia está em busca de receitas mais previsíveis”, diz Erick Scott, da SLW Corretora. “As operações da ALL e da Comgás estão focadas no mercado interno. É claro que, com essas aquisições recentes, o endividamento no curto prazo aumenta. Mas, no longo prazo, o perfil da companhia fica mais estável.” No fim do quarto trimestre do ano fiscal de 2012, a dívida bruta da companhia totalizava R$ 4,7 bilhões.
Para Rodrigo Fernandes, analista da Fator Corretora, as movimentações recentes têm impacto positivo: “A menor exposição do seu fluxo de caixa aos negócios de açúcar e álcool deve proporcionar resultados menos voláteis”.
De fato, os segmentos de açúcar e álcool representaram apenas 15% do total da receita no ano fiscal de 2012 – até o início de 2008, eles respondiam por 100% do negócio. A divisão de combustíveis ficou com 73%. O setor de alimentos e outros negócios, como logística e a Radar, que negocia terras agrícolas, respondem pelo restante. No próximo ano, esta configuração mudará novamente, com a saída da Cosan Alimentos e a entrada da Comgás.
A Cosan saiu de um faturamento líquido de R$ 1,9 bilhão em 2005, quando atuava predominantemente em açúcar e álcool, para R$ 24,1 bilhões no ano fiscal encerrado em 31 de março de 2012. Apesar do crescimento, o mercado não conseguia enxergar com clareza os números da holding e das diversas empresas do grupo.
Marcelo Martins, diretor vice-presidente de finanças e relações com os investidores da Cosan, afirma que a companhia tem trabalhado pela transparência de seus resultados e confirma a busca de receitas mais previsíveis. Para o ano fiscal de 2013, a Cosan projeta uma receita líquida de R$ 26 bilhões a R$ 29 bilhões, sem incluir a Comgás. Com um portfólio mais equilibrado, sem depender das oscilações dos preços internacionais de commodities, como o açúcar, a companhia pretende explorar o potencial de expansão dos mercados de distribuição de combustíveis e gás canalizado. Isso não quer dizer que vá abandonar o segmento que deu origem à companhia, diz o executivo. “Estamos trabalhando para melhorar a previsão de caixa, com um portfólio mais equilibrado.”
Para alguns interlocutores, a melhora da percepção dos negócios da Cosan pelos analistas deve-se também ao time montado pelo empresário Rubens Ometto. O CEO Marcos Lutz, ex-CSN, é um executivo com visão estratégica de logística. “A Rumo é cria dele”, diz uma fonte. Marcelo Martins, egresso do mercado financeiro, é respeitado pelos investidores. Vasco Dias, que estava no comando da Shell no Brasil, preside a Raízen. Júlio Fontana Neto, presidente da Rumo, vem da MRS e conhece bem o negócio de ferrovias. E Ricardo Mussa, que comanda a Radar, tornou o negócio de terras lucrativo para a Cosan.
Com as mudanças na gestão, a melhora no “disclosure” e a consolidação dos negócios adquiridos nos últimos anos, as ações passaram do viés de desconfiança para o status de queridinhas. “Houve uma melhora da percepção. A companhia entregou o que prometeu e percebemos que ela não dá ponto sem nó”, afirma Varella, do Bradesco. “Os negócios de combustíveis já são comparáveis com a Ipiranga, considerada ‘benchmark’ (referencial). E a Comgás é ‘investment grade’” (grau de investimento), observa.
As recomendações de compra de ações da companhia cresceram e a percepção de risco diminuiu. No fim de junho, a SLW estimava o preço-alvo dos papéis em R$ 36,70, até dezembro. No mesmo horizonte, a Fator calculava o valor em R$ 34. Já o Credit Suisse tinha projeção de R$ 40 para os ativos e o Bradesco, de R$ 35,80.
A nota dissonante é do Deutsche Bank. Em relatório divulgado no fim de junho, a instituição elevou o preço-alvo de R$ 30 para R$ 37,20, mas reduziu a recomendação de “comprar” para “manter”, com o argumento de que o mercado ainda não assimilou inteiramente as últimas movimentações da empresa. A instituição afirma que o papel não deve ter performance superior à média do mercado até que as negociações sejam finalizadas com o aval dos acionistas e dos órgãos reguladores.
Atualmente, o principal risco é o cenário de cotações do açúcar no mercado internacional, em função do aumento da produção da Índia, Tailândia e Rússia, importantes players desse mercado.
Até o início de 2008, ano marcado pela crise financeira global, 100% das operações da Cosan estavam em negócios cíclicos – açúcar e álcool. A mudança de foco, inicialmente para distribuição, foi recebida com ceticismo. Mas a criação da Rumo e da Radar começou a reforçar a tendência de mudança em busca de receitas mais previsíveis. O negócio com a ALL foi bem avaliado pelo mercado, por reforçar a intenção da empresa de explorar a demanda interna. E, atrelado à Comgás, o grupo entra em um novo negócio que não depende de fatores externos. Com isso, os únicos riscos que persistem são o do ciclo dos negócios do açúcar – que depende da oferta e da demanda internacional – e um eventual agravamento da crise com reflexos no Brasil.
O “senão” do mercado em relação à Cosan ainda tem raízes no passado e está na condução do processo de governança. O desenho de uma estrutura simplificada, que está em andamento, tem sido elogiado. Mas os analistas ainda estão na expectativa de como será feita a deslistagem da Cosan Limited, em Nova York – uma história que teve origem em 2007. Naquele ano, o controlador Rubens Ometto abriu o capital da holding na bolsa americana e ofereceu a possibilidade de migração aos minoritários. Mas criou para si uma ação ordinária diferenciada, com “superpoderes” nas decisões: passou a deter uma classe de papéis que lhe dá dez votos por ação. O passo dado por Ometto pegou mal no mercado, a polêmica foi instaurada com reclamações de acionistas minoritários e os papéis caíram na bolsa.
Passados cinco anos dessa operação, a companhia começa a formatar um modelo para simplificar sua estrutura. Mas, curiosamente, alguns investidores temem agora que Ometto perca seus poderes e influência na companhia, que está nas mãos de sua família desde o início do século XX.
Na década de 80, o empresário largou sua promissora carreira no mundo corporativo para gerir os negócios da família Ometto. Mas, antes de transformar a Cosan na potência de hoje, teve desentendimentos familiares. O negócio começou a crescer quando resolveu os problemas societários – e com os parentes. Por parte de mãe, o ramo Ometto controlava as usinas Costa Pinto, Santa Bárbara, Da Barra e a fazenda Bodoquena, todas no interior de São Paulo. Para sanar os atritos, Rubens firmou um acordo com seu tio Orlando Ometto, pelo qual o empresário e seus três irmãos ficaram com a Costa Pinto e a Santa Bárbara. Orlando e seus herdeiros passaram a deter o controle da usina Da Barra e da fazenda.
Com a herança do pai, Rubens passou a comprar outros negócios – e também as participações de irmãos, tios e outros parentes. Com esse arranjo, as brigas familiares parecem ter ficado para trás. Mas, com o mercado, a Cosan ainda tem que matar um leão por dia para mostrar a que veio.