Mais da metade da frota de aviação agrícola brasileira está voando com motores movidos à álcool. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da frota de cerca de 1.200 aeronaves agrícolas, 800 são movidas a álcool, embora menos de 100 estejam regularizadas para operar com este combustível.
Como a recente descapitalização dos agricultores se refletiu na aviação agrícola, a maior parte das operadoras tem procurado frear custos realizando a conversão de motores, originalmente de gasolina de aviação, na clandestinidade. “A gasolina pode sair até seis vezes mais cara, dependendo da região”, justifica o coordenador de aviação agricola da Anac, Ajax Mendes Corrêa. O órgão é responsável pela fiscalização das dacondições das aeronaves no país.
Um mecânico que atua na região sudeste, que prefere não se identificar, diz ter trabalhado na conversão de motores de gasolina para etanol de mais de 80 aviões nos últimos cinco anos – sobretudo de empresas de regiões canavieiras como o interior de São Paulo e o Triângulo Mineiro, onde a demanda por pulverização aérea é grande. “Com o kit homologado da Embraer, a conversão pode custar até R$ 70 mil reais. No nosso caso, o valor sai pela metade”, diz ele. De acordo com o mecânico, a procura pela adaptação ilegal aumentou 40% nos últimos dois anos.
Conversão
A conversão é feita muitas vezes de maneira caseira e, sem adotar padrões rígidos de segurança, pode colocar em risco a vida de quem pilota a aeronave irregular. “Sei que há risco porque o álcool é altamente corrosivo. Mas o funcionamento do motor fica muito mais regular”, revela um piloto agrícola, que também preferiu não se identificar. Ele diz que hoje ele não trabalha mais com o motor alterado por causa da fiscalização. “Se confirmada a conversão ilegal, o avião pode ficar interditado até seja regularizado”, explica.
A Embraer é a única empresa fabricante brasileira autorizada a vender o kit de conversão para álcool do avião agrícola Ipanema, líder em vendas e que responde por aproximadamente 70% da frota nacional neste segmento.
O preço do pacote da fabricante é de US$ 27 mil dólares, sem incluir os gastos com oficina. A empresa informa ter rebido 130 pedidos de conversão desde 2004 até o momento e que “trabalha com forncedores de equipamentos aeronáuticos certificados, atendendo a requisitos nacionais e estrangeiros de homologação”.
Migração aérea
Acuadas pela crise da sojicultura no Mato Grosso, empresas aeroagrícolas do estado têm migrado em direção a importantes pólos do setor sucroalcooleiro, em São Paulo e Minas Gerais. No último ano, a maior oferta de serviços de pulverização aérea em regiões como de Ribeirão Preto e do Triângulo Mineiro fez com que os preços cobrados pela aplicação de maturadores despencassem, em alguns casos, em até 40%.
“Enquanto eu recebia R$ 23 a cada hectare pulverizado, com vazão de 30 litros, as matogrossenses já chegaram oferecendo o mesmo trabalho a R$ 14”, queixa-se o gerente da Águas Claras Aviação Agrícola, Ricardo Pereira, de Santa Juliana (MG). Ele acusa as operadoras matogrossenses de utilizarem aviões movidos a álcool sem a devida homologação. “Por isso conseguem manter a lucratividade”, justifica.
Inadimplência
O Estado do Mato Grosso concentra cerca de 50 das 240 empresas especializadas no setor, estima o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola, José Ramon Rodrigues. Segundo ele, há casos de 50% de inadimplência entre as 50 empresas que atuam no estado. “Sei que até duas empresas fecharam as portas recentemente. Somos um espelho da agricultura. Se ela vai bem, ótimo, se vai mal, vamos pior”, diz Rodrigues.
Ele próprio, dono da Empresa Nacional de Aviação Agrícola (Enagri), conta que é um dos que passaram a investir mais no estado de São Paulo, dobrando o número de aeronaves voltadas à cultura da cana-de-açúcar. A pulverização de plantações de soja correspondia a 80% de seu volume de negócios na safra 2005/06, mas essa taxa tende a cair. “Ainda estou esperando pagamentos que deveriam ter sido feitos em 30 de abril”, diz Rodrigues.
No ano passado, ele trabalhava com oito aeronaves (sete delas Ipanemas) e sete pilotos. De lá para cá, dispensou cinco profissionais e pretende colocar apenas quatro aviões no campo na próxima safra.
O presidente do Sindag também percebe uma redução nos preços pagos às empresas. “Há pouco tempo, os preços praticados para a maturação de cana giravam em torno de R$ 25 o hectare pulverizado com vazão de 30 litros. Hoje, os valores chegam a R$ 17, devido ao excesso da oferta”, afirma Rodrigues. A Enagri fatura R$ 1,2 milhão por ano. Rodrigues diz que só tem aviões movidos a gasolina e que operar com aviões a álcool irregulares no Mato Grosso “não vale a pena”. Em São Paulo, obtém-se uma margem de lucro de 10% a 15% maior, revela o presidente da entidade.
A Tangará Aeroagrícola, localizada na cidade de Orlândia (SP), é outra que tem sentido a maior presença de mato-grossenses em Ribeirão Preto. De acordo com o diretor da empresa, Antônio Carlos da Silva, a média de preços cobrados por hectare pulverizado caiu de R$ 25, há dois ano, para R$ 22, este ano.