DO “USA TODAY”
A campanha nos EUA pela adoção do álcool como combustível para carros e caminhões parece irresistível. A medida eliminaria a maior parte do consumo de gasolina no país; evitaria os custos, a demora e o impacto ambiental de construir refinarias de petróleo e manteria o controle do combustível em mãos americanas, não de estrangeiros comumente hostis.
O presidente George W. Bush mencionou o álcool em seu discurso sobre o Estado da União, na terça-feira, classificando-o como uma das tecnologias que deveriam receber investimentos do governo. Para ele, é parte da solução de “um sério problema: os EUA são viciados em petróleo, freqüentemente importado de áreas altamente instáveis”.
Bush também destacou as pesquisas para o desenvolvimento de baterias melhores, a serem usadas em veículos movidos a eletricidade e gasolina; e o desenvolvimento acelerado de carros elétricos acionados por células combustíveis de hidrogênio, não poluentes.
Mas o etanol, na forma do composto E85, formado por 85% de álcool de grãos e 15% de gasolina, é o único desses novos métodos de propulsão já disponível. O E85, usando etanol produzido nos EUA, à base de milho, não é uma experiência ou um sonho tecnológico distante. Há cinco milhões de veículos aptos a usá-lo no país.
No entanto, o E85 enfrenta obstáculos como a dificuldade de encontrar etanol; o teor energético mais baixo do combustível, que torna necessário abastecer mais vezes; e a quase certeza de que seria preciso adquirir um carro novo para usar o combustível.
“Ainda não temos a tecnologia e os fatores econômicos necessários” para produzir etanol em volume suficiente para a adoção maciça do E85, diz Bob Dinneen, presidente da Associação de Combustíveis Renováveis (RFA), organização setorial que representa os produtores de etanol.
Ainda assim, o potencial do álcool combustível é hipnótico.
O etanol rende cerca de 26% mais energia do que é necessária para produzi-lo, de acordo com um estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley, porque o milho cresce usando a luz solar, gratuita, e porque os métodos agrícolas são altamente eficientes. A gasolina produz apenas 83% da energia necessária para processá-la, de acordo com o estudo.
De fato, uma conversão generalizada ao E85 e a outros combustíveis produzidos em larga medida com vegetais, em lugar do petróleo, é um dos primeiros e mais importantes passos em um programa que poderia eliminar o consumo de gasolina nos EUA em 2050, de acordo com Nathanael Greene, analista sênior de diretrizes públicas no Conselho de Defesa dos Recursos Naturais.
Bush prometeu “conceder verbas para pesquisas adicionais sobre métodos avançados de produção de etanol”. Ele afirmou que a produção avançada de etanol e outras novas tecnologias ajudariam os EUA a “substituir mais de 75% do petróleo que importamos do Oriente Médio, até 2025”.
O E85 tornou-se um estandarte e, desde o terceiro trimestre de 2005, sua produção passou a ser subsidiada pelos contribuintes, nos termos da nova lei de energia.
A lei requer um aumento de cerca de 80% no uso dos combustíveis renováveis, especialmente o etanol, até 2012. As refinarias terão de combinar 28,5 bilhões de litros do produto à gasolina que produzem. O governo dá créditos tributários de até US$ 30 mil para postos que instalarem bombas para combustíveis alternativos.
Mas atingir esse potencial é um objetivo limitado pela produção disponível. O setor de etanol nos EUA é composto por cerca de 95 usinas, que no ano passado produziram 15,2 bilhões de litros. Esse total substituiria apenas 3% dos 532 bilhões de litros de gasolina que o país usou em 2005. Os EUA precisariam de 167 bilhões de litros de etanol para uma conversão nacional ao uso do E85.
Há mais 32 usinas de etanol em construção e nove em processo de expansão. Isso elevaria a produção anual em 6,9 bilhões de litros de etanol, mas continua a reservar ao álcool um papel coadjuvante.
“Precisamos levar a sério o fornecimento de etanol”, diz Bill Ford, presidente-executivo da Ford. Ele prometeu elevar a produção de veículos movidos a álcool de sua montadora em 25% este ano, para 250 mil.
A Ford apresentou em janeiro um utilitário esportivo híbrido que funciona com etanol e eletricidade. O veículo usaria o E85 para acionar seu motor de combustão interna. Anne Stevens, vice-presidente executiva da Ford, disse que o Escape “é um programa de desenvolvimento, não um programa de pesquisa”, sugerindo que se planeja pôr o carro à venda dentro de alguns anos.
Nos EUA, os carros que podem usar o E85 são os FFV -sigla para “veículos de combustível flexível”. Ainda que o custo de produção seja US$ 150 mais alto por unidade, muitas vezes esses modelos são vendidos pelo mesmo preço que os veículos movidos a gasolina. As montadoras e os conservacionistas de energia dizem que a maior parte das pessoas que dirigem os cinco milhões de veículos FFV que estão em circulação nem sabem que eles podem ser acionados por E85.
As montadoras recebem créditos federais caso vendam FFVs, portanto esses modelos serão fabricados cada vez mais. A GM tornou os motores de alguns veículos compatíveis com o E85. A nova linha de utilitários esportivos que a montadora lançará para 2007 terá motores aptos a queimar E85. O mesmo vale para as picapes de grande porte Nissan Titan e alguns carros da Chrysler e da Ford.
O exemplo do Brasil
No Brasil, exemplo mundial no desenvolvimento do etanol, os veículos “flex” são rotina, e o combustível padrão do país é o E25, que contém 75% de gasolina e 25% de etanol. O etanol brasileiro é produzido de cana de açúcar, que requer menos mão-de-obra e menos fertilizante que o milho.
“No Brasil, o custo da mão-de-obra é muito mais baixo, a regulamentação ambiental muito mais frouxa e há diversos outros fatores” que barateiam o custo de produção e distribuição de etanol, diz Greene. Porque o Brasil é um país quente, os motoristas “não têm os problemas de partida a frio que nós temos com o etanol puro”. Quanto maior a concentração de álcool, mais difícil pode ser dar partida ao motor no frio.
Apesar da experiência brasileira, a esperança de adoção do E85 nos EUA é diminuída por motivos como a concentração dos 500 postos com E85 do país no Meio-Oeste, onde é cultivado o milho usado na produção do álcool.
Algumas grandes empresas petroleiras se recusam a autorizar bombas de combustíveis alternativos perto de suas bombas de gasolina. As companhias de petróleo não têm controle sobre a qualidade do E85, de modo que não o querem vendido nos postos de suas bandeiras, afirmam.