Com a ajuda do clima e de um mercado de etanol mais aquecido, as usinas de cana em dificuldades financeiras estão conseguindo religar as máquinas, ainda que com atraso, e começar a moagem da nova safra, a 2015/16. Entre as 67 unidades que estão em recuperação judicial, 23 estão operando neste ciclo, ante 20 em 2014/15. Afora as que estão sob proteção oficial da Justiça, há outros grupos altamente endividados e sem crédito que recorreram à venda de ativos para realizar reparos na entressafra e retomar as atividades.
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa usinas que somam 60% da produção de açúcar e etanol do país, estima que cerca de dez unidades não vão operar nesta temporada 2015/16. No ciclo 2014/15, foram onze unidades. Além das que estão com problemas financeiros, há aquelas que foram desativadas temporariamente por decisão de grande grupos, que resolveram concentrar a moagem em outras unidades para ganhar eficiência operacional. É o caso das usinas paulistas Jardeste, da Biosev, que permanece parada pela segunda safra consecutiva, da Bom Retiro, da Raízen, e da Alcídia, pertencente à Odebrecht Agroindustrial.
Após uma moagem muito deficitária em 2014/15, o grupo Aralco conseguiu recuperar parte de seu canavial, localizado no oeste de São Paulo. Em recuperação judicial desde o início de 2014 com dívidas de R$ 1,2 bilhão, o grupo vai manter uma de suas quatro unidades desativada pelo segundo ciclo seguido. Mas, graças a chuvas mais abundantes no primeiro trimestre deste ano, o nível de ociosidade do grupo tende a diminuir, apesar de ainda permanecer elevado.
Nas três usinas que vão moer cana, a empresa espera processar 4 milhões de toneladas, ou 45% de aproveitamento industrial, conforme informou um dos fundadores da empresa, Francisco César Martins Villela. Trata-de de uma taxa de ocupação um pouco melhor que a do ciclo passado, quando 3,6 milhões de toneladas foram processadas, para uma capacidade de 7,2 milhões.
O tradicional Grupo Virgolino de Oliveira, sócio-fundador da Copersucar e uma das maiores incertezas deste ciclo 2015/16, também conseguiu iniciar a safra. Na semana passada, começaram a moer as unidades paulistas de Catanduva e Itapira. Ontem, foi a vez da usina Bonifácio e, hoje, será dada a partida na unidade Monções, segundo uma das fundadoras da empresa, Carmem Ruete.
Imersa em uma longa negociação com credores, a maior parte detentores dos bonds de US$ 735 milhões emitidos pela companhia, a GVO tem capacidade para processar aproximadamente 10 milhões de toneladas de cana por ano em suas quatro unidades, mas ainda não conseguiu definir qual será o volume desta temporada.
De acordo com Carmem Ruete, certamente será um volume mais modesto que as 9,5 milhões de toneladas de 2014/15. Por conta de atrasos no pagamento de fornecedores de cana que já remontam a meados do ano passado, a empresa perdeu alguns parceiros para usinas vizinhas. “Mas estamos acertando os termos do acordo de pagamento desses fornecedores”. Por enquanto, estamos moendo cana própria, que representa cerca de 55% da nossa demanda”, afirmou.
Para levantar recursos para fazer as manutenções básicas de entressafra, a empresa concluiu recentemente a venda de algumas pequenas propriedades, segundo Carmem Ruette. Mas a maior fazenda da empresa, avaliada em R$ 80 milhões e localizada em Catanduva, será leiloada no próximo dia 27. “São Pedro está ajudando. Nossa produtividade está acima do esperado, mesmo sem termos feito os tratos culturais necessários na entressafra”, disse.
O cenário para esta temporada, conforme o diretor-técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues, é diferente, especialmente por causa do etanol, cujas vendas estão crescendo a taxas de 50% em relação há um ano. “As empresas estão resolvendo sua liquidez com o etanol hidratado. A volta da Cide na gasolina e os reajustes concedidos pelo governo mudaram a situação da safra passada para esta”, disse Rodrigues.
Retomar a capacidade operacional é o primeiro passo para que essas usinas comecem a vislumbrar alguma recuperação financeira no fim do túnel. Mas a maior parte das “recuperandas” já morreu na praia. Conforme a Unica, das 67 unidades em recuperação judicial no país, 44 estão paralisadas, sem gerar caixa. “Muitas usinas pedem recuperação judicial tardiamente, quando o grau de endividamento é tão grande que não adianta mais”, disse Pedro Coutinho, da VCP Perícias, administradora judicial da usina São Fernando (MS), em recuperação desde 2013. A unidade, segundo ele, começou a safra 2015/16 em meados de abril.
No caso de empresas em que a dívida foi convertida em ações e os credores agora buscam comprador para os ativos – como é o caso da Aralco -, a alta ociosidade desvaloriza o ativo e posterga ou inviabiliza a recuperação dos créditos. “Tudo depende muito da qualidade dos ativos industriais, da situação do canavial remanescente, da localização, além da qualidade da gestão na fase pós recuperação. Dos casos existentes no setor, há situações que são reversíveis e outras definitivas, na qual fechar a usina seria a melhor opção”, afirmou o diretor de Agronegócio do Itaú BBA, Alexandre Figliolino.
Com dívidas que superam seu faturamento, as usinas de cana-de-açúcar atravessam uma crise que se arrasta desde 2008 e que deriva de uma combinação de elevados investimentos para aumento de capacidade, contenção dos preços dos combustíveis no país e anos consecutivos de baixos preços do açúcar. Desde então, 80 usinas de cana fecharam as portas no Brasil.
Nas contas da Unica, há 290 usinas em operação no Centro-Sul. Conforme o Sindaçúcar de Pernambuco, no Nordeste estão cadastradas 65 unidades em operação na safra 2014/15 (que, na região Norte e Nordeste, ainda está terminando).
(Fonte: Valor Econômico)