O controle do preço da gasolina é um dos responsáveis pelo retrocesso do setor de etanol no Brasil. Ao lado dos problemas climáticos e da crise de 2008, a política do governo na área energética, que também cria problemas para a Petrobras, desestimula os investimentos no setor.
Parece mais uma queixa dos usineiros, mas a análise é de um dos especialistas mais respeitados no setor de energia do mundo. Segundo Antoine Halff, chefe da divisão de Mercados da Agência Internacional de Energia (IEA), apesar das dificuldades, o Brasil será um grande fornecedor mundial de etanol e petróleo no futuro.
Halff atribui as frustrações com o pré-sal ao excesso de expectativas no mercado. E, embora elogie o conteúdo local para os contratos da Petrobras, diz que os padrões precisam ser flexibilizados para tornar viável o projeto.
O especialista, que participa nesta segunda-feira (17) do Seminário Internacional de Biocombustíveis, em São Paulo, concedeu uma entrevista por telefone à Folha.
Folha – Apesar do potencial do Brasil em etanol, há desinvestimentos no setor. Qual é o principal entrave?
Antoine Halff – É uma combinação de fatores. Isso reflete problemas climáticos, que reduziram as safras nos últimos anos, o impacto da crise financeira na indústria —muitas quebraram— e ainda há uma herança do alto endividamento do setor. Mas também há um fator político para essa desaceleração, que tem a ver com a política de preços para a gasolina. Esse conjunto tornou mais difícil para o etanol competir contra a gasolina nos últimos anos.
Os produtores também reclamam que não há uma política de longo prazo para o etanol.
Eu não diria que não há um programa. Há um mandato para a mistura da gasolina e de biodiesel nos combustíveis fósseis no Brasil. Isso tem sido um apoio —e em alguns momentos as metas tiveram de ser revistas porque eram muito ambiciosas. Então não diria que não há programa.
Mas ele é suficiente?
Programas podem ser muito bons, mas também podem ter efeitos negativos. É preciso ser muito cauteloso, combinar ambição e modéstia. Isso soa contraditório, mas visão sem realismo pode levar ao desastre.
Um dos problemas desses programas de metas é que, quando eles são desenhados sem flexibilidade, sem considerações sobre eventuais mudanças nas condições de mercado, o governo pode ter de voltar atrás. Isso cria uma confusão muito grande nos mercados —o que pode ser mais prejudicial à indústria que a falta de um programa.
A visibilidade é muito importante. No Brasil, políticas públicas seriam muito importantes para sustentar a indústria. Mas eu acho que tem sido bom para ela se desenvolver sem o apoio excessivo do governo, para aumentar a sua competitividade.
Então o maior problema do setor é o controle na gasolina?
Eu acho que esse não é um problema só do Brasil. Há muitas economias que têm controlado os preços da gasolina e subsidiado o consumo.
É hora de revisitar essas políticas, porque elas não são sustentáveis. É preciso encontrar outras formas de auxiliar os consumidores de baixa renda. No Brasil, os subsídios atrapalham a Petrobras, que tem revertido recursos que poderiam ser aplicados no desenvolvimento da exploração de petróleo para isso. Mas também prejudica a indústria de etanol, ao reduzir sua competitividade.
Há uma discussão no Brasil sobre a dependência hidreletricidade na matriz energética. Outras fontes limpas podem complementá-la?
A energia solar e a eólica são alternativas —e o Brasil tem desenvolvido o seu potencial para a energia eólica, inclusive. Todas essas fontes são muito úteis e merecem ser desenvolvidas, mas a hidrelétrica não é a única suscetível às variações climáticas. E, no caso da eólica e solar, essas variações ocorrem diariamente. Um dos desafios para a geração elétrica em todo o mundo é administrar a variação do fornecimento das fontes renováveis. Um dos objetivos seria aumentar a flexibilidade da indústria dependendo da variação das fontes renováveis. O Brasil está tentando aumentar a oferta de gás, que é uma boa alternativa, pode ser um complemento.
A Petrobras desapontou o mercado na exploração do pré-sal. Ela ainda é viável?
Eu acho que boa parte desse desapontamento é apenas um reflexo de quão altas as expectativas estavam. O desapontamento não é apenas com os desafios que estão sendo encontrados, mas também reflete como a expectativa estava elevada. O projeto é totalmente inovador, é uma exploração que nunca foi feita antes. Mas o Brasil é líder na exploração em águas profundas, tem expertise nisso.
Como explicar os atrasos?
Parte desse atraso reflete desafios tecnológicos, dificuldades técnicas, aumento de custos… E algumas empresas privadas estão reclamando de algumas regulações no Brasil, especialmente relacionadas à exigência de conteúdo local. Elas dizem que o custo disso é muito alto, proibitivo, e que isso está impedindo muitas coisas.
Mas eu acho que isso também deve ser visto sob outra perspectiva: o conteúdo local não é necessariamente um problema. O debate é mais sobre como ele foi desenhado e é implementado. Para o Brasil, a tarefa de trazer esse petróleo para o mercado é grande, mas as dificuldades não são apenas técnicas e financeiras. Há um outro problema, que é como lidar com o futuro dessa receita e permitir à economia absorver essa imensa herança.
Então o sr. aprova a exigência de conteúdo local?
Acho que a ideia de conteúdo local soa muito bem como um esforço de evitar os riscos de uma doença holandesa e permitir que toda a economia se beneficie desses recursos. O problema é que isso precisa ser implementado de uma forma suficientemente flexível e sofisticada para não prejudicar a economia e criar consequências indesejadas.
Como a revolução energética nos EUA, provocada pelo “shale gas”, pode afetar investimentos em biocombustíveis?
O “shale gas” tem sido um “game changer” na área de energia nos EUA e na América do Norte, e há um pouco de desaceleração no setor de etanol. Mas as empresas que investem em etanol não são necessariamente as mesmas que investem em gás. Então eu não conectaria os dois fenômenos. Há provavelmente outros fatores que têm reduzido o ritmo do etanol nos EUA, tanto do ponto de vista da oferta como da demanda. E isso não é necessariamente está relacionado com o gás.
Por que não há essa relação?
Uma das consequências do “shale gas” nos EUA é que, pela primeira vez, há um alto potencial de usar o gás natural em transporte. Por muito tempo isso foi algo remoto e agora está se tornando realidade. Mas não vemos o gás competindo com o etanol diretamente. O mercado mais provável para o gás é o de carga, e esse não é um setor em que o etanol tem maior representatividade. Ele é mais competitivo em automóveis. Não há uma competição.
Fonte: Folha de S. Paulo