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Reter preço da gasolina fere lei, diz jurista

Reter preço da gasolina fere lei, diz jurista

Ao impor à direção da Petrobrás uma política de contenção do preço dos combustíveis para segurar a inflação – iniciativa adotada a partir de 2012 e que se estendeu até 2014 – o governo Dilma Rousseff não só causou prejuízos à empresa como transgrediu textos legais e poderia sofrer uma ação de responsabilidade de parte de seus acionistas. A avaliação é do professor e jurista Ary Oswaldo Mattos Filho, especialista em direito econômico, que analisou as políticas de energia do Planalto e comparou artigos da Constituição, da Lei das S. A., da lei que instituiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e normas do Estatuto Social da estatal.

“A tarefa de controlar a inflação pode ser uma preocupação do governo federal como um todo, mas não da empresa de economia mista, pois esta, como tal, tem que submeter às leis de mercado como manda a Constituição. A Petrobrás não poderia ser usada para promover políticas públicas”, diz o professor. “Do ponto de vista legal, estavam causando danos intencionalmente.”

Mattos Filho, que já presidiu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), fundou e dirigiu em São Paulo a Direito GV, não se preocupou, em sua análise, com aspectos políticos nem com o exame de temas como improbidade, corrupção ou a possibilidade de impeachment – como fez na semana passada o também jurista Ives Gandra Martins.

Sua análise se conteve no que ele chamou de “limite da discricionariedade do acionista estatal nas decisões de uma empresa de economia mista” – ou seja, até que ponto a União pode, como acionista majoritária (representada pelo Tesouro), determinar o que fazer ou não fazer numa empresa que tem em seu capital dinheiro investido por cidadãos. A investigação levou em conta também o papel da diretoria da empresa, dos Conselhos de Administração e Fiscal e de auditores, para saber se eles poderiam ser cobrados por iniciativas que, por lei, deveriam tomar – e que, em determinadas circunstâncias, não tomaram.

Minoritários

A ação de responsabilidade contra o administrador, lembra o advogado, é admitida no art. 159 da Lei das S. A. e poderia ser apresentada por acionistas minoritários. Para tal é preciso que eles somem pelo menos 5% do capital social.

Esse artigo atribui à assembleia-geral competência para avaliar tal medida contra o administrador da empresa “pelos prejuízos causados ao seu patrimônio”, A ação seria votada em assembleia e, mesmo que derrotada, poderia ser levada à Justiça de 1.ª instância. O jurista antecipa no que isso poderia resultar: no pior cenário para o governo, a ação seria aceita, os administradores responsáveis poderiam ficar impedidos pela CVM para o futuro exercício desses cargos e o prejuízo dos acionistas seria indenizado pelo acionista controlador e pelos administradores. No melhor cenário, segundo ele, a assembleia rejeitaria a ação contra os administradores “e na Justiça comum poderiam eles ser isentos de suas responsabilidades fiduciárias”.

No cerne da questão está o fato de a Petrobrás, como empresa estatal de economia mista, atuar “em caráter de livre competição com outras empresas, em função das condições de mercado”. É o que determinam, entre outros textos legais, a Lei 9.478/97, que instituiu a ANP e o art. 3.º do Estatuto Social da empresa. “É condição de mercado, em qualquer empresa petrolífera, que o preço do barril de petróleo seja calculado em dólar”, argumenta o advogado. Essa circunstância, segundo Mattos Filho, foi ignorada pelo acionista estatal controlador, “empenhado em segurar a inflação, intencionalmente causando o prejuízo à companhia pelo diferencial entre a compra do petróleo e o preço de venda dos produtos”.
Conselho

Ao analisar a atuação do Conselho de Administração da empresa – por onde já passou a hoje presidente Dilma Rousseff – Mattos Filho destaca o art. 28.º do seu Estatuto Social. Ele estabelece para o conselho tarefas como “fiscalizar a gestão dos diretores” e “fixar as políticas globais da companhia”. Mais adiante, compete-lhe “controlar a política de preços e a estrutura básica dos preços”. Pode-se concluir que ele deixou de cumprir algumas dessas missões, segundo Mattos Filho.

Outra omissão: o art. 37.º diz que a diretoria executiva deverá fornecer ao conselho cópias das atas de suas reuniões “e prestará informações que permitam avaliar o desempenho das atividades da companhia.” Para Mattos Filho, a diretoria sabia que a empresa estava tendo prejuízo e tinha a obrigação de informar tal fato ao Conselho de Administração. “Não se sabe se a diretoria se omitiu ou se o conselho não foi diligente ou leal para com a companhia.”

A conclusão do estudioso é que tanto o acionista principal (Tesouro), bem como os membros da diretoria e dos Conselhos de Administração e Fiscal, “deveriam ter discutido o fato de que estavam tendo um prejuízo intencional, por deliberação do acionista controlador, que teria obrigado a comprar petróleo a um preço e vender o produto refinado mais barato”. Apesar disso, “ninguém falou nada até agora”.

(Fonte: O Estado de São Paulo)