Restrições de custo e de tecnologia desafiam a implementação dos veículos 100% eletrificados no Brasil, o que também ajuda a manter o mercado dos motores a combustão.
E neste mercado “temos o etanol, que indiscutivelmente, é menos poluente do que a gasolina e o diesel”, afirma o engenheiro Roberto Marx, para quem o biocombustível deve integrar a matriz energética ao lado de outros combustíveis.
Diretor de Operações da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, Marx, em entrevista ao JornalCana, faz avaliações sobre eletrificação, energia elétrica produzida por biomassa e dá sua versão sobre o porquê a transição energética mundial está em ritmo lento.
JornalCana – Como o senhor avalia o ritmo de implementação da transição energética mundial? Quais os erros e acertos em meio às conturbações econômicas globais?
Roberto Marx – O ritmo é menor do que se imaginava e do que gostariam aqueles muitos que percebem a relevância desta transição. Porém, as resistências de certas organizações, empresas e lobbies, bem como as crises imprevisíveis como a da Covid e da guerra da Ucrânia desviam a atenção desta transição para outros temas – vários justificáveis, mas que também servem como desculpa para se manter o padrão energético baseado em fontes não renováveis de energia.
De todo modo, um aspecto muito relevante que alguns países têm conseguido alcançar é a consciência de que precisamos ter um pensamento e uma prática pensando no futuro e não somente na vida na Terra enquanto os seus atuais ocupantes aqui estiverem.
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JornalCana – No Brasil, especificamente, cuja matriz energética é em 80% composta de fontes renováveis, como se dá essa transição?
Roberto Marx – Ela é mais lenta, com certeza. Falta a consciência que mencionei acima. Há muito desperdício de energia, mais do que a média de outros países.
E a crise climática, algo que – como se sabe – muitos negam, contribui para que as nossas fontes renováveis nem sempre consigam manter o processo de geração de energia que precisamos durante todo o ano.
A falta de chuva que ocorreu no ano passado e neste, tende a se repetir e isto coloca em questão a nossa capacidade de gerar energia primordialmente por fontes renováveis, ano após ano.
Tal fato deveria atrair muito mais atenção do que se observa na prática, principalmente por parte dos diversos níveis de governo, mas não só.
JornalCana – A eletrificação chegou para ficar, isto é fato. Em sua opinião, em quanto tempo é possível prever que os motores 100% elétricos ou híbridos irão substituir os motores a combustão no Brasil?
Roberto Marx – Difícil fazer esta previsão. As montadoras têm anunciado metas em que prometem parar de produzir motores a combustão interna.
Estas metas variam de empresa para empresa, mas a conversão total da produção delas só ocorrerá, a princípio, em 2030 aproximadamente. Isto se ocorrer.
Do ponto de vista dos proprietários, a propensão a mudar de motorização também não é das mais otimistas, os números de hoje são muito menores do que se previa há 4, 5 anos.
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JornalCana – Por quê?
Roberto Marx – Há restrições de custo e de tecnologia, estas últimas talvez sejam mais rapidamente superadas do que a que implica a definição do preço dos veículos elétricos, que são sabidamente mais caros, embora mais econômicos.
No Brasil este cenário se complica ainda mais, não somente pela desigualdade de renda – a grande maioria da população não consegue comprar nem o mais barato veículo a combustão interna, o que dizer dos elétricos?
Mas ainda temos o etanol que, indiscutivelmente, é menos poluente do que a gasolina e o diesel.
Então há um movimento forte no Brasil que prega que já temos uma motorização sustentável…..eu não concordo muito com esta afirmação pois não podemos ficar a margem de que certamente será a nova tecnologia de motorização em praticamente no mundo todo.
O etanol é relevante e deve fazer parte da nossa matriz energética, mas não podemos ficar somente com ele.
Qual o destino dos combustíveis fósseis explorados e produzidos no Brasil? Ainda serão muito utilizados nos próximos anos, não há perspectiva de abandono.
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JornalCana – Como ficarão o etanol e outros biocombustíveis, caso do biodiesel, biogás e da bioquerosene de aviação? Terão sobrevida?
Roberto Marx – Como coloquei acima, temos que pensar em matriz energética, com a convivência de algumas alternativas, algo fundamental para garantir o fornecimento de energia para os processos industriais, nas residências, nos escritórios, estabelecimentos comerciais e demais, além dos veículos.
JornalCana – Segundo a Unica, entidade representativa do setor sucroenergético, menos de 16% do potencial de uso de biomassa da cana (palha, bagaço e torta de filtro) é empregado hoje para gerar eletricidade. Em caso de necessidade de oferta de energia para suprir a futura frota 100% elétrica, a biomassa da cana terá papel de peso como supridora do parque gerador de eletricidade?
Roberto Marx – Há este potencial mas repito, frota 100% elétrica talvez seja algo pouco provável. De todo modo, a biomassa de cana de açúcar pode e deve fazer parte da matriz energética de um país como o Brasil.
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JornalCana – Qual deve ser o papel dos governos (federal e estadual) diante a transição energética?
Roberto Marx – 1) Contribuir com o aumento da consciência das pessoas e das organizações para que fortaleçam “corações e mentes” no rumo que leve a um maior uso das fontes renováveis e não poluentes de energia.
2) Financiar projetos e iniciativas que de maneira clara, contribuam para demonstrar a viabilidade e o uso cada vez maior destas fontes de energia.
3) Fortalecer o aparato jurídico institucional que dê consistência e impulsione este movimento de transição.
JornalCana – Fique à vontade para discorrer sobre outros temas.
Roberto Marx – Só mais um ponto: os governos municipais, prefeitos bem como vereadores, são também atores fundamentais e devem estar incluídos neste movimento.
Como costuma-se dizer, o cidadão mora em sua cidade, é a sua principal referência para a vida cotidiana. Muita coisa acontece no município e uma ação no âmbito municipal é mais do que necessária também.
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Quem é Roberto Marx
Engenheiro de produção pela POLI/USP, concluiu a livre docência em 2008 e o doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo em 1996.
Consultor Ad-hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo, do CNPq e da CAPES, Professor Doutor e Livre Docente da Universidade de São Paulo e Consultor Ad-hoc da CAPES, CNPq, FAPESP, entre outras.
É membro do Comitê Editorial da IJATM – International Journal of Automotive Technology and Management, editor associado para as áreas de Estratégia, Organização e Trabalho da revista Gestão & Produção e pesquisador Visitante do IDS – Institute of Develpment Studies na University of Sussex, Inglaterra e na Royal Institute of Technology em Estocolmo na Suécia.
Faz parte do Steering Committe do GERPISA, rede mundial de pesquisas sobre indústria automotiva e mobilidade urbana.
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É coordenador do Mobilab – Laboratório de Estratégias Integradas da Indústria da Mobilidade, centro de pesquisas e projetos que estuda estratégias e novos negócios no campo da mobilidade urbana sustentável.
Atua na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Gestão da Mobilidade em Grandes Aglomerados Urbanos, Projeto Organizacional e Organização para a Inovação. Desenvolveu projetos e estudos para diferentes entidades, tais como: FAPESP, CAPES, IPT, ABDI, MDIC e CGEE nas áreas acima descritas. Coordena projetos de extensão nas mesmas áreas tendo desenvolvido projetos e estudos para a Unilever, Volkswagen, Boticário, Petrobras, Vale, Natura, entre outras empresas.
Atualmente ocupa a posição de diretor de Operações da Fundação Carlos Alberto Vanzolini.
Delcy Mac Cruz