Em artigo publicado na revista Scientific Reports, a equipe composta por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto Agronômico (IAC), do Instituto Biológico de São Paulo (IB), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Escuela Superior Politécnica del Litoral (Espol, no Equador) utilizou análises genômicas, algoritmos de machine learning e métodos estatísticos para refinar e acelerar a busca por marcadores moleculares de resistência ao amarelinho, uma das principais doenças a acometer cultivos de cana-de-açúcar no país.
Segundo os pesquisadores, a maneira mais eficaz de controlar a doença é encontrar variedades de cana-de-açúcar resistentes a ela. Esse é o objetivo de um projeto que vem sendo conduzido com apoio da FAPESP.
O grupo descobriu que a maioria das variedades resistentes é representante da chamada cana-energia (mais rica em biomassa do que em açúcar e mais talhada para a produção de etanol de segunda geração), mas ao menos uma delas tem apelo comercial para a fabricação de açúcar ou etanol convencional – tanto que foi lançada comercialmente pelo IAC em outubro.
A amostragem experimental consistiu de um painel de 97 genótipos de cana-de-açúcar, incluindo representantes das espécies selvagens (que não passaram por processo de melhoramento) Saccharum officinarum, Saccharum spontaneum e Saccharum robustum, além de variedades de cana-de-açúcar tradicional e de cana-energia, abrangendo cultivares comerciais oriundos de programas brasileiros de melhoramento.
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“Analisamos a resistência de cada uma das variedades ao amarelinho. Nosso objetivo foi associar a resistência à doença a características genéticas. Para isso, usamos vários tipos de marcadores moleculares diferentes, que são variações do DNA, lançando mão de sequenciamento de nova geração para acessar essas informações”, resume Ricardo Pimenta, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, em entrevista à Agência FAPESP.
O conjunto de variedades foi escolhido pela equipe do programa de melhoramento de cana do Instituto Agronômico. A maioria faz parte do próprio programa de melhoramento do IAC, mas há também amostras da Rede Intrauniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa) e do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC).
“Essa coleção representa uma variabilidade do que existe em cana no Brasil, tanto plantada quanto usada em cruzamentos para produzir outras variedades”, esclarece à Agência FAPESP, Anete Pereira de Souza, professora do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenadora de projetos no CBMEG.
Resistência
De acordo com Pimenta, o artigo descreve um feito inédito da equipe do IAC. “Eles plantaram a cana e, ao mesmo tempo, criaram pulgões em plantas já infectadas com o vírus. Depois, espalharam o pulgão nas plantas não infectadas e monitoraram, em um processo controlado de inoculação e infecção. Estudos anteriores haviam tentado coisas parecidas. Neles, a cana era plantada no campo e deixada lá. E a infecção ocorria de forma, digamos, natural, em um processo menos controlado de inoculação”.
Como explica o pesquisador, a questão da resistência ao amarelinho nas plantas infectadas pelo pulgão foi abordada de duas maneiras pela equipe do IAC. Primeiro, por meio de RT-PCR quantitativa, metodologia similar à usada nos testes diagnósticos da covid-19. “A PCR foi usada para quantificar o vírus nesse conjunto de variedades de cana-de-açúcar que analisamos.” E, segundo, do ponto de vista da severidade da doença, revelada pelo aparecimento de sintomas (como, por exemplo, quão amarela fica a planta), algo muitas vezes difícil de analisar.
No intuito de estabelecer associações entre resistência ao amarelinho e características genéticas, a equipe usou análises de associação genômica e ainda algoritmos de machine learning – uma técnica de inteligência artificial baseada no reconhecimento de padrões – juntamente com métodos de seleção de atributos.
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De acordo com Anete Pereira de Souza, o nível de detalhamento do trabalho realizado pela equipe multidisciplinar é inédito. “Comparamos as metodologias, mostramos a eficiência e a necessidade de usar uma metodologia estatística mais refinada. Não existe na literatura quem tenha feito esse tipo de análise ou cultivado o pulgão, infectado as plantas e depois quantificado o vírus com PCR quantitativa. Trata-se de um trabalho para balizar pesquisas no futuro, no sentido de ajudar a compreender o mecanismo molecular envolvido na doença”.
Segundo Pimenta, as plantas realmente resistentes, que não exibem sintomas da doença e também não acumulam o vírus, perfazem uma porcentagem bem baixa da amostragem. “Poucas são realmente resistentes. A maioria não exibe sintomas, mas acumula o vírus, o que acaba sendo um problema, porque o patógeno está ali sem o agricultor perceber. Nossos resultados podem ajudar a eliminar variedades suscetíveis e também as tolerantes: que acumulam o vírus sem exibir os sintomas e podem virar um reservatório viral”, antevê, salientando que o grande dilema do melhoramento de plantas é selecionar as melhores variedades sem perder muita variabilidade.
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Ele revela que muitas dessas variedades mais resistentes são representantes da chamada cana-energia. “Elas têm um ancestral ‘selvagem’ recente mais resistente a doenças, não é surpreendente esse resultado. Mas descobrimos também algumas variedades mais comerciais que se mostraram resistentes e essas são mais interessantes. Dentre elas, a IACSP04-6007 tem se mostrado promissora e acabou de ser lançada pelo programa de melhoramento do IAC”, conta Pimenta.
Além dela, as variedades de cana-de-açúcar que mostraram maior resistência ao amarelinho (ou seja, não apresentaram sintomas da doença e tiveram baixa quantificação viral) são as seguintes: IACBIO241, IACBIO257, IACBIO266, IACBIO270, IACBIO271, IACBIO273, IACBIO275, IACBIO279, IACCTC 05-3616, IACSP04-2510, IACSP98-5046, IJ76293, IN8482, IN8488 e Krakatau.
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