O etanol de segunda geração produzido a partir do bagaço da cana-de-açúcar tem um excelente potencial para ser adotado em larga escala na China, país com a segunda maior economia do mundo, indicou um artigo de revisão publicado na revista científica Renewable & Sustainable Energy Reviews.
Os autores – pesquisadores chineses, brasileiros e um paquistanês – afirmam que, por ser um grande produtor de cana principalmente para atender a demanda interna por açúcar, o país asiático poderia usar o resíduo desse cultivo para o setor de biocombustíveis, como forma de contribuir para a sua segurança energética e o desenvolvimento sustentável.
“Esse aspecto crucial do cultivo de cana-de-açúcar na China ainda não foi explorado extensivamente”, escreveram os autores, que apresentam no texto uma análise crítica, a produção teórica sobre o assunto e comparações com outros tipos de matéria-prima.
O modelo brasileiro de produção de biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar é usado como exemplo no artigo. “É importante divulgar a experiência brasileira”, diz a engenheira química Suani Teixeira Coelho, professora do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI), uma das coautoras do artigo.
“Muitas das dúvidas que eles podem ter já resolvemos faz tempo, pois temos 40 anos de experiência. Esse artigo foi uma colaboração entre países em desenvolvimento”. Além da professora Suani Coelho, o artigo é assinado pelo doutorando e pesquisador do RCGI Danilo Perecin, que está em um período como visitante no Imperial College London, Reino Unido.
De acordo com os autores, o bioetanol produzido hoje na China é baseado principalmente no milho, em uma abordagem de primeira geração.
“O propósito principal dessa estratégia era equilibrar os enormes estoques domésticos de milho, manter o preço do grão e estabilizar a renda dos agricultores”, escreveram. Mas o preço do grão para o consumidor aumentou e, tendo em vista o princípio de que o crescimento econômico não deve ameaçar a segurança alimentar, as autoridades suspenderam projetos de promoção desse tipo de bioetanol.
Os pesquisadores salientam que, embora a cana-de-açúcar seja uma das matérias-primas mais promissoras na produção de bioetanol de primeira geração, é complicado replicar o modelo brasileiro na China em razão de dois principais motivos.
O primeiro deles seria o alto custo de produção da cana na China, decorrente da baixa mecanização no campo, da área limitada de terra disponível adequada para o plantio e do uso excessivo de fertilizantes químicos.
Com isso, segundo os pesquisadores, o custo de produção da cana-de-açúcar é quase cinco vezes maior do que no Brasil. Embora a produtividade chinesa por hectare seja um pouco maior, o país asiático tem uma área plantada de cana-de açúcar sete vezes menor que a brasileira.
Além disso, a China é o terceiro maior consumidor de açúcar no mundo e 90% da produção é obtida a partir da cana-de-açúcar, enquanto apenas 10% vem da beterraba-sacarina (sugar beet).
Mesmo assim, a produção nacional não consegue atender toda a demanda interna por açúcar há 10 anos. Com isso, a China importa entre 3 e 4 milhões de toneladas do adoçante anualmente – ao contrário do Brasil, que exporta açúcar e pode usar as plantações de cana para outros propósitos.
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Por outro lado, os canaviais apresentam a maior produção por área em termos de resíduos com conteúdo lignocelulósico, como bagaço e palha, capaz de ser usado como matéria-prima para a obtenção de biocombustível. Na comparação com as principais culturas de alimentos, a cana-de-açúcar produz cerca de três vezes mais esse tipo de resíduo.
“Dado que cerca de 110 milhões de toneladas de cana-de-açúcar são produzidas todos os anos na China, quase 33 milhões de toneladas de bagaço podem estar disponíveis. Portanto, teoricamente, cerca de 6,5 milhões de toneladas de etanol podem ser produzidas a partir do bagaço anualmente”, diz o artigo.
Outra característica da produção chinesa de cana-de-açúcar é que ela está concentrada principalmente nas províncias de Guangxi, Yunnan e Guangdong, na região sul do país, o que conferiria uma vantagem em termos de distribuição espacial da biomassa, não acarretando gastos adicionais para transporte em longas distâncias – diferentemente do cultivo de outros alimentos que geram resíduos, como trigo, arroz e milho, cujas plantações estão espalhadas por diversas regiões da China.
De acordo com o estudo, o desafio principal para a produção de etanol de 2ª geração é o desenvolvimento de abordagens eficientes para converter o bagaço da cana em etanol celulósico na produção industrial de larga escala. Para isso, os pesquisadores sugerem que, além de buscar reduzir os custos de produção da cana-de-açúcar na China, seria necessário melhorar as variedades da planta por meio de abordagens tradicionais e mais tecnológicas, como o desenvolvimento de transgênicos. Eles também ressaltam a importância de políticas governamentais que apoiem o mercado.