Usinas

Etanol permite motores híbridos elétricos até na coleta de lixo

Com ajuda do biocombustível, os eletrificados podem chegar a ônibus urbanos e a veículos de serviços, afirma Alfred Szwarc

Etanol permite motores híbridos elétricos até na coleta de lixo

Com o emprego da tecnologia de célula de combustível a etanol, que permite gerar eletricidade em motores híbridos, a eletrificação pode ampliar presença além dos veículos particulares. E chegar, por exemplo, a ônibus urbanos, vans, caminhões de coleta de lixo, que já contam com modelos 100% a bateria.

Essa expansão depende, sim, de políticas públicas, mas a base está disponível ou em desenvolvimento, caso do etanol e das tecnologias de célula de combustível, afirma o engenheiro mecânico Alfred Szwarc.

Consultor de emies e tecnologia da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e com experiência de 20 anos na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Szwarc tem autoridade de sobra sobre temas ligados ao meio ambiente.

LEIA MAIS > Pablo Di Si é eleito “Personalidade do Ano” no Prêmio MasterCana Brasil 2021

Defende, por exemplo, os ganhos ambientais dos motores elétricos. Ganhos que são ainda maiores com motores híbridos, com o emprego do etanol.

Nesta entrevista ao JornalCana, o especialista, que também integra a diretoria do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da FIESP, comenta sobre tendências do biocombustível e se é possível melhorar a eficiência dos motores a combustão.

JornalCana – A eletrificação veio para ficar no Brasil, ou é apenas produto para as classes mais abastadas, já que a realidade econômica impede o acesso da maioria da população?

Alfred Szwarc – A eletrificação dos veículos é uma tendência que está em fase de consolidação em vários países com vistas à transição para sistemas de mobilidade mais sustentável, que possam enfrentar os desafios do aquecimento global e da poluição atmosférica.

LEIA MAIS > Alta produtividade agrícola depende de gestão, segurança e qualidade das operações
S‹o Paulo-28.04.2009-Alfred Szwarc
fotoÉNiels Andreas

Há vários graus de eletrificação que estão sendo adotados internacionalmente, sendo que alguns possibilitam a convivência dos motores de combustão com sistemas elétricos.

Os veículos híbridos flex são um exemplo real e se constituem em uma opção extremamente interessante para o Brasil e para outros países da América Latina, onde a produção de bioetanol é comercialmente viável.

Além disso, na sua versão mais simples, não requerem infraestrutura de recarga uma vez que a energia elétrica é gerada pelo próprio motor a combustão em determinadas condições de operação e, também, pela recuperação de energia durante o uso dos freios.

Apesar de serem veículos atualmente posicionados no mercado como “premium”, notícias da indústria automobilística levam a crer que em breve o consumidor poderá ter à sua disposição um leque mais amplo de veículos híbridos flex, possivelmente a custos mais acessíveis.

JornalCana – E quanto aos 100% elétricos?

Alfred Szwarc – Quanto aos veículos 100% elétricos, além do elevado custo que apresentam, mesmo para modelos simples, enfrentam o desafio da falta de infraestrutura de recarga e a necessidade de ampliação da geração e distribuição de energia elétrica renovável de baixo carbono para abastecimento, o que requer bilhões de reais.

Embora se possa visualizar um avanço da eletrificação no país e no continente, pode-se prever que ocorrerá de forma gradual e mais lenta que nos países que lideram esse processo, caso dos EUA, China, Japão e membros da União Europeia.

JornalCana – Quais os benefícios ambientais que a eletrificação pode trazer?

Alfred Szwarc – A eletrificação, parcial (veículo híbrido) ou total (100% a bateria), possibilita a redução significativa da emissão de poluentes atmosféricos e de gases de efeito estufa, os GEEs, responsáveis pela intensificação do aquecimento global.

Também contribui para a redução da geração de ruído nas ruas, especialmente no caso dos veículos motorizados com duas rodas e veículos com motor diesel.

Como no Brasil a matriz elétrica é predominantemente renovável e de baixo carbono (principalmente  biomassa, hidrelétrica, eólica e solar), é possível traçar uma estratégia para a inserção racional da eletrificação no transporte, em paralelo ao uso do etanol.

LEIA MAIS > Premiação MasterCana 2021 destaca profissionais num ano de superação

JornalCana – Como assim?

Alfred Szwarc – Poderia ser dada prioridade para ônibus urbanos, vans, caminhões de entregas urbanas e caminhões de serviços, como coleta de lixo, segmentos que inclusive já contam com oferta de modelos 100% a bateria.

Veículos de duas rodas de baixa potência, frequentemente usados em trajetos de curta distância, e que apresentam custo relativamente baixo, também se constituem em segmento que poderia ser objeto de eletrificação.

Esse tipo de abordagem, que pode ser induzida por políticas públicas, possibilitaria que o Brasil se integrasse nas novas tendências de eletrificação sem, contudo, abrir mão do uso do etanol.

JornalCana – Significa que o etanol terá sobrevida?

Alfred Szwarc – É importante lembrar que enquanto a eletrificação demora décadas para trazer resultados substanciais no abatimento de emissões, o uso do etanol possibilita isso hoje.

Basta um veículo flex substituir o uso da gasolina pelo etanol e teremos imediatamente um abatimento de GEE superior a 60% segundo os cálculos mais conservadores.

JornalCana – O etanol tem espaço garantido com as tecnologias em desenvolvimento de célula de combustível?

Alfred Szwarc – O etanol vem sendo objeto de vários estudos para uso em sistemas com células de combustível, que podem gerar eletricidade para diversas aplicações, além de seu uso em veículos. Vale lembrar que um veículo com célula de combustível é, na verdade, um veículo elétrico que, ao invés de ser carregado com eletricidade, gera a sua energia a partir do hidrogênio ou de substâncias que contenham hidrogênio, como o etanol, o metanol ou o gás natural.

A Nissan é a empresa que neste momento está mais avançada na aplicação veicular da célula de combustível a etanol, tendo já construído protótipos testados no Brasil e no Japão.

Outras empresas estão igualmente desenvolvendo suas pesquisas embora ainda não as declararam publicamente.

LEIA MAIS > O que pensar sobre as perspectivas de produção, precificação e de capitalização das usinas

JornalCana – Em quanto tempo teremos a tecnologia no mercado?

Alfred Szwarc – Trata-se de tecnologia que ainda está em fase de aperfeiçoamento e que, se tiver viabilidade comercial, poderá chegar ao mercado por volta de 2030.

Contudo existe uma série de aplicações não veiculares, como sistemas de backup elétricos, ou geração elétrica em hospitais e escolas, que poderiam vir a utilizar células de combustível a etanol e suprir as necessidades energéticas sem emissões, ruído e vibração.

JornalCana – Em termos ambientais, caso caia o consumo de etanol corremos o risco de ampliar as emissões de GEE, já que o consumo de gasolina segue em alta?

Alfred Szwarc – O etanol é o combustível que deve ter a preferência do público, especialmente por ser renovável e de baixo carbono, além dos outros benefícios que traz para a sociedade e economia. A substituição do etanol por gasolina é certamente indesejável nos tempos atuais, pois resulta no aumento de GEE.

JornalCana – Fala-se muito na redução de emissões de GEEs pelo hidratado. Como é com o anidro e com o etanol de milho?

Alfred Szwarc – Em termos de emissão de GEE ao longo do ciclo de vida do combustível, o etanol anidro resulta numa redução de mesma ordem de grandeza ao do hidratado.

Obviamente, como seu uso é parcial, em mistura com a gasolina, a redução é proporcional ao volume utilizado, que atualmente é de 27%.

No caso do etanol de milho produzido no Brasil, dependendo do processo produtivo e utilização intensiva de biomassa na geração energética da usina, o resultado pode ser próximo ao obtido com o etanol de cana.

JornalCana – Motores a combustão: o senhor ajudou a empreender o Proconve. Temos também o Rota 2030. Ainda é possível melhorar a eficácia desses motores? Como?

Alfred Szwarc – O Rota 2030 é um bom programa, mas poderia ter objetivos mais amplos e ambiciosos em termos de melhoria da eficiência energética dos motores a combustão.

É possível avançar na tecnologia de motores, mas isso requer mais investimentos em engenharia e desenvolvimento.

Como as decisões sobre investimentos das montadoras instaladas no país são em geral tomadas pelas matrizes, justificar investimentos no Brasil nem sempre é tarefa fácil, especialmente quando o foco de muitas matrizes passa a ser eletrificação.

LEIA MAIS > Especialistas explicam a lógica da paridade no preço dos combustíveis

JornalCana – E o governo?

Alfred Szwarc – Todavia, o governo federal poderia contribuir de forma mais efetiva nesse esforço utilizando diversas formas de estímulos em suas políticas voltadas para o desenvolvimento industrial e energético.

Há também outras medidas que poderiam ser consideradas e que facilitariam o desenvolvimento industrial.

JornalCana – Cite um exemplo, por favor.

Alfred Szwarc – Uma delas é a redução do teor de água do etanol hidratado, para cerca de 2%, o que resultaria no aumento energético do combustível em torno de 3%.

O consumidor de um veículo flex faz a sua opção de compra notadamente com base no preço relativo dos combustíveis e a paridade desses em termos da autonomia do veículo.

Portanto,  avançar numa agenda objetivando um melhor rendimento do etanol é jogar a favor da sustentabilidade ambiental e da perenidade do setor sucroenergético.

Delcy Mac Cruz