Entusiasta e pioneiro da bioeletricidade, o engenheiro Onório Kitayama é autor do artigo “Uma reflexão para o futuro”, divulgado em 06 de fevereiro de 2013, em portal da Eletrobras e pela Agência CanalEnergia, no qual relata as dificuldades de fazer o Governo aceitar a eletricidade feita da cana-de-açúcar.
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O Portal JornalCana divulga a seguir o artigo. Confira.
“O cenário atual do setor elétrico, lembra muito o verificado em 2000, quando os níveis dos reservatórios, indicavam riscos de segurança no abastecimento. A solução estava planejada, afinal 49 projetos térmicos a gás natural, já estavam inscritos no programa prioritário de térmicas (PPT), além disso, haviam afirmações como, as chuvas estão atrasadas, mas deverão chegar na próxima estação favorável. Infelizmente, aconteceram poucas térmicas e também poucas chuvas, e veio o racionamento em 2001.
Nessa época, debatia se no MME – Ministério de Minas e Energia – a matriz energética e ao tomarmos conhecimento da existência do risco hidrológico, sugerimos o aproveitamento do potencial da cogeração do bagaço. A reação da maioria foi de incredulidade. Estávamos diante de um problema sério, e vem alguém brincando com uma solução com bagaço? Bagaço de cana? Chegamos até a ouvir de uma autoridade do setor elétrico, que essa energia era ‘podre’, porque é sazonal só na safra. Infelizmente, o conceito hidrotérmico ainda não era admitido, e a cultura no setor, indicava que fonte elétrica no país era hidreletricidade e nem sazonal ela era, pois tinha a energia assegurada e o mecanismo do MRE.
Não éramos do setor elétrico, e sim da UNICA do setor sucroalcooleiro e ficamos indignados, pois sabíamos que o potencial era grande, e iniciamos uma busca por parceiros dentro do setor elétrico e afins, que não consideravam a nossa energia “podre”, e poderiam compreender e contribuir para a comprovação do seu valor e da importância do seu aproveitamento para o país. Com a crise, veio o PROINFA, incentivando o uso das fontes alternativas: PCH, biomassa e eólica, por cotas de 1.100 MW por fonte, com preços diferentes, mas compatíveis aos custos da época e com o objetivo de incentivá-las.
Sentimos que o reconhecimento das virtudes da cogeração e de sua importância foram se espalhando, concomitantemente, dentro do próprio setor sucroalcooleiro,assim como do setor elétrico e quando da ratificação do Protocolo de Kyoto, em 2004, verificamos que o nome cogeração não servia para identificá-la como energia renovável e limpa, com direito a obtenção do crédito de carbono e sugerimos aos companheiros cúmplices, rebatizá-la de bioeletricidade.
Em seguida, a própria Ministra de Minas e Energia anunciou regras incentivando o aproveitamento dessa fonte energética, com base em estudos técnicos comprovando seu valor como energia complementar e após visitar um projeto térmico numa usina e os fabricantes de equipamentos dessas térmicas, constatando estar diante de uma tecnologia já dominada.
A partir daí, as usinas passaram a participar dos leilões, com números crescentes de projetos e de oferta de energia por projeto, acompanhando o próprio desenvolvimento tecnológico que começava a surgir e isso aconteceu até 2008, quando foram vendidos 600MW de capacidade. A entrada na geração dos projetos permitiu a avaliação do ONS, chegando a conclusão de que a cada 1.000 MWm dessa energia, ocorria uma economia de 4% de água nos reservatórios, por consequência um eventual aproveitamento de 5.000 MWm, teria um impacto na economia de água da ordem de 20% nos nossos reservatórios.
Essa constatação, representava o reconhecimento definitivo da sua importância e a partir daí só restava o estabelecimento de uma meta prioritária para viabilizá-la, a de se atingir uma capacidade de economia de água de 20%, nos nossos reservatórios. E, já sem o ‘status’ de outrora, acompanhamos com muita tristeza, os acontecimentos posteriores a 2008, quando verificamos que os projetos de bioeletricidade deixaram de ter espaço entre as energias novas que eram vendidas nos leilões. Sinceramente, esperava que os 600 MW de 2008, fossem transformados em 800, 1.000, 1.200 MW por ano, mas infelizmente viraram somente 90 MW aproximadamente, nesses três anos subsequentes.
Paralelamente, um fato relevante e muito positivo estava acontecendo para o setor elétrico, o avanço tecnológico e ganho de competitividade da energia eólica alternativa e também renovável e limpa.
A meta a ser perseguida, de deter uma capacidade de economia de 20% de água nos reservatório do país, infelizmente não estava contemplada na política e diretriz de entrada de energias novas, apenas a modicidade tarifária. Além disso, essa prática da busca da modicidade tarifária, parece seguir uma interpretação equivocada.
A recente medida corajosa tomada pela nossa Presidente, reduzindo as tarifas de energia elétrica aos consumidores, define que a modicidade tarifária é prioritária no relógio medidor, ou estamos enganado? Se não estamos enganados, precisamos fazer uma grande reflexão, analisando se o atual caminho crítico para a entrada de energia nova está correto ou necessita de algumas mudanças e novas considerações.
Por exemplo, definir se a busca para ter 20% de capacidade de economia de água nos reservatórios, contribui mais ou menos para a modicidade tarifária do que o custo do acionamento das térmicas caras e poluentes. Na primeira alternativa, o sinal de risco, para acionamento das térmicas caras e poluentes, não aconteceria tão frequentemente, ou até mesmo nem aconteceria, considerando-se os últimos cenários de precipitações pluviométricas, enquanto na segunda alternativa foram e estão sendo gastos bilhões de reais impactando custos no relógio do consumidor.
Alguns afirmam que o impacto resultante dessa geração adicional, em 2012 seria de 4,8% nas contas de luz do consumidor. Mas, essas contas podem ser feitas e comparadas, inclusive incluindo um ‘valor’ para o aumento da capacidade de suprimento energético e o custo ambiental da geração das térmicas sujas, o planejador teria dados relevantes para fazer o seu planejamento.
Essa contribuição pode inclusive incluir uma comparação com a alternativa de se aumentar a capacidade de reserva, instalada com térmicas caras e poluentes.
Para checar o menor preço ao consumidor, deveriam ser avaliados ainda, o valor dessa contribuição na segurança do sistema, fatores locacionais estratégicos com necessidade de transferências de energia, impactos da geração em outros setores da economia ou seja, os custos econômicos e sociais, a importância da preservação da capacidade de produção dos equipamentos no país, caldeiras, aerogeradores, turbinas, geradores, para o desenvolvimento tecnológico e impactos do acionamento de térmicas limpas ou sujas no meio ambiente, ou então simplesmente, estabelecendo a contribuição ao atingimento da meta de 20% de capacidade de economia de água nos níveis dos reservatórios. Feita essa reflexão, cabe para o futuro um planejamento integrado, buscando racionalmente, uma forma de termos uma efetiva modicidade tarifária a nível do consumidor brasileiro.”