O etanol tem papel fundamental diante a transição energética e como redutor de emissões de CO2. Mas é preciso aproveitar estas estratégias e exportar a tecnologia brasileira do biocombustível.
Diante disso, o engenheiro eletricista Wanderlei Marinho, membro da Sociedade de Engenheiros Automotivos (SAE Brasil), alerta: conseguiremos exportar esta tecnologia?
“É preciso ter suprimento para além da capacidade brasileira”, relata ele nesta entrevista ao JornalCana, onde avalia, também, os próximos passos da eletrificação e o espaço dela para os motores híbridos.
JornalCana: Qual é o papel dos biocombustíveis diante da perspectiva de múltiplas rotas tecnológicas da indústria automobilística e, por outro lado, da necessidade de reduzir as emissões de CO2 já que os transportes concentram 25% das emissões globais?
Wanderlei Marinho – O papel é fundamental. Temos uma qualificação, uma capacitação e produção de etanol que têm correspondido às expectativas.
A questão é: conseguimos exportar essa tecnologia? É preciso ter suprimento do biocombustível para além da capacidade brasileira.
Temos um trabalho a fazer neste sentido se a gente quiser mostrar para o mundo que a transição lá fora está muito forte por razões óbvias e principalmente na Europa, por razões óbvias, devido à utilização e consumo de combustíveis fósseis e das consequentes emissões de CO2 devido aos motores a combustão.
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JornalCana: Aqui a situação será muito ajustada às nossas capacidades. Ou seja: um bom tempo teremos as necessidades atendidas. Será que as montadoras manterão os motores a combustão cá no Brasil diante da evolução do que acontece lá fora [de avanço da eletrificação]?
Explique mais, por favor.
Wanderlei Marinho – É preciso considerar o veículo como um todo, não apenas do chassi para baixo, onde se encontra a parte da propulsão, mas também do chassi para cima, onde se encontram os sistemas de controle e automação dos veículos. Lembro que nos veículos híbridos a parte de propulsão eletrificada é proporcionalmente comparável à utilizada em um carro puramente elétrico.
Quando somamos as potências do motor a combustão e do motor elétrico é formado o que denominamos de um veículo híbrido ou de propulsão híbrida.
Considerando este contexto, a tecnologia de propulsão do veículo puro elétrico a bateria (VEB ou BEV – Battery Electric Vehicle) é fácil de ser alcançada porque já é dominada, e no híbrido esta arquitetura formada pelo motor elétrico, inversor e conversores eletrônicos e baterias de Íons de Lítio já está sendo utilizada.
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Vejo que no Brasil o etanol tem papel importante ainda por algum tempo, para os veículos com motores a combustão flex, ou mais recentemente nos veículos híbridos flex. Mas, temos que olhar para fora do país e ter ciência de que a evolução está sendo pensada, desenvolvida e concebida para o veículo como um todo e que essas tecnologias desenvolvidas no exterior, devem contribuir para o que formos produzir no Brasil, até que a eletrificação se estabeleça também por aqui.
Digo isso porque o mundo está investindo mais nos sistemas de propulsão com a configuração de propulsão puro elétrico, sabidamente mais eficiente e menos poluente do que os veículos com propulsão a combustão ou mesmo híbridos, como comentamos.
JornalCana: Em recente apresentação online, o sr informa, a partir de dados da Anfavea, que os motores flex e a diesel serão maioria no Brasil em 2035. Isso reforça a importância dos biocombustíveis?
Wanderlei Marinho – Sim, os dados da Anfavea apresentam esse cenário. Um cenário plausível diante do estágio atual da utilização do etanol combustível no Brasil e da capacidade tecnológica do país em acompanhar esse movimento mundial pela eletrificação automotiva.
Durante esse período de transição, os biocombustíveis terão papel importante até alcançarmos um grau adequado de eletrificação também sustentável. É possível inferir então, que vamos conviver harmonicamente com estas tecnologias de propulsão, flex, híbrida e pura elétrica.
Podemos considerar que vamos percorrer esse caminho com a calma necessária para manter o mercado consumidor abastecido e as montadoras se preparando gradualmente e atuando adequadamente, entregando produtos/veículos adequados a essa transição e seus contextos.
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Há também que se considerar no caminho da eletrificação a importante participação dos veículos pesados e também dos veículos e máquinas utilizados no setor agrícola, uma fonte importante de recursos para o Brasil.
Lembro também que a eletrificação automotiva necessita da infraestrutura de recarga dos veículos híbridos Plug-In e puro elétricos em proporções que sustentem percorrermos este caminho.
Neste caso voltamos nossa atenção também para as energias limpas e renováveis, oriundas, por exemplo, dos painéis de geração de energia solar, dos geradores eólicos, combinadas com nossa geração hidroelétrica, têm um papel importante na geração e no suprimento de energia para este futuro próximo da eletrificação automotiva. Notamos aqui que temos que atuar no que denominamos de ecossistema da mobilidade elétrica para obtermos resultados esperados.
JornalCana: Em sua apresentação no webinar Híbrido e Etanol – O Motor do Futuro, em 06 de abril, o sr. destaca que gostaria de ver no Brasil o que ocorre na Europa, em que há um mapa com os investimentos feitos em motores elétricos e híbridos. Como estamos?
Wanderlei Marinho – O que apresentei no seminário sobre o motor do futuro foi um estudo da empresa Deloitte que mostra o roadmap dos investimentos previstos até 2030 das montadoras em veículos híbridos e, principalmente, nos veículos puramente elétricos.
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No Brasil, estamos observando atentamente esse caminho adotado pelas montadoras. Pensando ainda mais à frente, nos veículos a hidrogênio ou a células a combustível de hidrogênio, em que geramos energia elétrica a partir do hidrogênio, destaco que já tivemos no Brasil empresas que produziram células a combustível a hidrogênio e, no caso das atuais pesquisas no País, temos várias instituições trabalhando com as células.
Uma delas é do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), que trabalha com o desenvolvimento de células a combustível a hidrogênio. No próprio IPEN, no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), que é uma incubadora de empresas, surgiu a Eletrocell, por volta do final da década de 90, fabricante dessas células a hidrogênio, com a tecnologia conhecida como PEM – Proton Exchange Membrane.
Atualmente, também estudos estão sendo conduzidos na Unicamp, com célula combustível a etanol ou Célula de óxido sólido (SOFC – Solid Oxide Fuel Cell) para ser embarcada no veículo, e temos também uma unidade da célula SOFC sendo desenvolvida no Instituto Mauá de Tecnologia para geração de energia e carregamento de veículos elétricos.
A FIEP-SESI-SENAI no Paraná, também está desenvolvendo suas pesquisas com células a hidrogênio.
Lembro aqui que muitas montadoras, já há muito tempo desenvolvem pesquisas nesta área. E o interessante é que o objetivo atual do Brasil é alcançar uma maior utilização dessas células a hidrogênio por conta da previsão de disponibilidade e produção do etanol de onde extraímos o hidrogênio, e em breve, do hidrogênio Verde, o hidrogênio produzido a partir de energias renováveis.
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JornalCana: Há também a questão das baterias.
Wanderlei Marinho – Nesse caminho estamos trabalhando bastante no desenvolvimento das características operacionais das baterias eletroquímicas, principalmente nas baterias de Íons de Lítio. Na cadeia produtiva, já estão surgindo fabricantes de baterias de Íons de Lítio no Brasil, o que é um passo importante para a eletrificação.
Na área de motores elétricos, temos a WEG, já produzindo sistemas para propulsão.
JornalCana: Isso tudo é suficiente para a transição energética?
Wanderlei Marinho – Precisamos de mais fornecedores de sistemas elétricos, eletrônicos, bem como dos motores elétricos e que sejam dedicados à propulsão automotiva. Por outro lado, precisamos investir bastante também na capacitação de profissionais na área automotiva.
JornalCana: No caso de motores elétricos não faltam mais pesquisa e investimento local, uma vez que grande parte desses veículos é importada?
Wanderlei Marinho – Temos grandes centros de desenvolvimento na parte de motores elétricos. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) possui um centro relacionado, a própria USP também. Outra área importante de investimento está ligada aos sistemas de carregamento de energia das baterias dos carros elétricos.
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JornalCana: O sr. alerta para a escassez de profissionais para atuarem nessa transição energética. O Brasil está muito atrasado nessa questão ou ainda dá tempo?
Wanderlei Marinho – Não é uma questão de atraso, mas uma questão de ajuste de demanda e capacidade e nesta equação, o tempo de transição é uma variável também importante. Para o setor automotivo em geral, ir para a eletrificação está sendo considerada uma mudança bastante acentuada.
Mas, academicamente, temos capacidade de capacitar profissionais para atuar com competência nestas áreas já citadas anteriormente. Nossos profissionais são tão bons que muitos estão tendo a oportunidade de aplicar seus conhecimentos no exterior.
Devemos então continuar atuando na capacitação destes profissionais nos níveis médio, superior e de pós-graduação, oferecendo o conhecimento técnico necessário para dar suporte a essa transição.
JornalCana: Qual sua avaliação?
Wanderlei Marinho – Temos que continuar investindo sempre. E assim, mostrar para o mundo que temos as tecnologias e capacidades de fabricação desses sistemas e subsistemas automotivos, e também temos os profissionais competentes para lidar com essas tecnologias. Várias instituições no Brasil, sabendo destas oportunidades e necessidades, têm oferecido cursos técnicos e tecnológicos, cursos de nível superior e de pós-graduação para dar suporte a esta jornada de transição.
Temos muito ainda por fazer e realizar e começamos há muito tempo. Portanto, os caminhos já sabemos quais seguir. Vamos agir.
Quem é Wanderlei Marinho
Engenheiro eletricista pela Universidade Santa Cecília. Possui especialização pela University of Manchester Institute of Science and Technology (UMIST), Manchester, Inglaterra.
Tem mestrado e doutorado em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Participou dos cursos “Business and Management for International Professionals” (University of California, Irvine, EUA), “Negotiation for Senior Executives na Harvard University (Cambridge, EUA) e “Executive Program on Project Management” (The George Washington University School of Business em Washington DC, EUA).
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Possui especialização pela University of Manchester Institute of Science and Technology (UMIST), Inglaterra. É membro do Project Management Institute (PMI-EUA) e PMI Chapter São Paulo. É revisor do Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), EUA, além de membro da Society of Automotive Engineers (SAE) Brasil, onde atua no Comitê de Veículos Elétricos e Híbridos.
É professor de cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).
Delcy Mac Cruz
Esta matéria faz parte da edição 338 do JornalCana. Para ler, clique AQUI!