Os bioelétricos são a ‘ponte’ para o Brasil consolidar a transição energética, segundo Hudson Zanin, docente na Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp.
Especialista em transição energética e pesquisador na área de Manufaturas de Baterias, Supercapacitores e Células a Combustível, ele detalha, em entrevista ao JornalCana, porque defende o bioelétrico, que emprega o etanol como indutor dos motores híbridos.
JornalCana – Qual sua avaliação sobre a transição energética, que consiste em passar de uma matriz de fonte de combustíveis fósseis para fontes renováveis?
Hudson Zanin – Temos que desenvolver tecnologias acessíveis, que a gente consiga pagar. E temos que ter segurança energética.
O Proálcool, por exemplo, nasceu com a insegurança energética da crise do petróleo na década de 70.
Por isso temos que ter segurança e ela precisa ser limpa. É o que chamo de trilema da segurança energética: tem que ser pagável, tem que gerar segurança e tem que ser sustentável.
JornalCana – Como os híbridos entram nessa transição?
Hudson Zanin – Os veículos híbridos são bem complexos, bem mais do que os a bateria. Os movidos a etanol, bioelétricos, por exemplo, têm dois motores, têm cadeia local de produção de quase tudo, ou seja a pegada social importante.
Ou seja, temos uma cadeia de valor, temos indústria estabelecida no país, gera emprego e, com isso, conseguimos pagar pela compra dos veículos.
Esse motor emite CO2, ao contrário do elétrico, que emite CO2 em outra ponta (na fabricação da bateria, por exemplo).
Entretanto, o bioelétrico emite CO2 no escapamento, e, assim, quando se analisa o ciclo de vida todo, esse CO2 emitido no meio ambiente será recapturado pela planta (cana-de-açúcar ou milho) no processo da fotossíntese.
Aí a pegada de CO2 fica muito reduzida.
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JornalCana – Os elétricos irão se consolidar no Brasil?
Hudson Zanin – Os elétricos virão, mas mais para frente, com estrutura de recarga, tecnologias e produção local.
Já os híbridos, incluindo os bioelétricos, consolidam a transição energética e ajudarão, e muito, na reindustrialização do Brasil.
JornalCana – Sobre as baterias dos elétricos. Como estão as fontes delas hoje e para onde irão?
Hudson Zanin – Hoje temos uma sopa de letrinhas de fontes de materiais como LFP, NMC, NCM, NCA que envolve elementos utilizados para produção das baterias como lítio, níquel, óxido de cobalto, manganês, óxido de alumínio.
A queridinha do mercado é a LFP, no que se refere a densidade de energia (quanto de energia possui por unidade de volume), densidade de potência, a segurança que o dispositivo oferece, performance, quantidade de vida que suporta e custo.
JornalCana – Temos que seguir importando baterias da China?
Hudson Zanin – Da produção global de baterias, em 2022 a China representou 77% de 1,2 mega gigawatt-hora (GWh). Em 2027, a previsão é de que essa participação alcance 67% de 8,9 mega GWh.
Hoje, a maior produtora mundial de baterias é a CATL, com 34% de mercado; enquanto a BYD produz 12% do total global; Se somarmos às produções da Coreia do Sul, Japão e China, 90% das baterias produzidas globalmente vêm da Ásia.
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JornalCana – Como estão os valores e a autonomia das baterias?
Hudson Zanin – O valor da bateria caiu 90% em 10 anos.
Mas atende o platô de US$100 por kilowatt-hora (kWh) por célula individual e 132 por pack (célula montada dentro do carro).
Em termos de autonomia, temos versões de 250 a 400 km e com baterias de 40 a 60 kWh. Um modelo de entrada custa R$ 160 mil, recarga em 1h para 80% da capacidade e vida útil de 10 anos ou 150 mil km.
JornalCana – O Brasil deve se tornar produtor de bateria?
Hudson Zanin – O país caminha para ter produção local de baterias LFP. Temos minérios, temos matriz energética a mais limpa,
No geral, as baterias têm pegada de carbono muito elevada e o Brasil pode produzir as baterias mais limpas do mundo.
Extrai-se o minério nas minas com caminhões pesados (movidos a diesel), daí leva pedras com minérios em trens e de navios até a China, sempre queimando diesel.
Daí esse material é refinado para produzir as baterias a partir da eletricidade gerada com a queima do carvão.
A principal pegada de carbono que tem é a queima necessária para secar eletrodos, secar o eletrólito – que mesmo sendo orgânico tem um pouco de água, que acaba com sua vida útil.
Por isso é importante olhar a matriz elétrica brasileira versus a chinesa.
Lá, 90% da produção de energia vem de origem fóssil. Por isso a pegada de carbono chinesa para produção de baterias é muito maior em relação à brasileira. Isso nem levando em conta o transporte do minério, mas a energia usada no processo produtivo da bateria.
Não basta trocar a China por outro país para produzir, porque, na média, enquanto as fontes renováveis representam 85% da matriz energética brasileira, lá fora essas fontes somam 28% da matriz.
Sendo assim, por isso temos que ter um ecossistema aqui: minério, refino do minério, produzir as baterias aqui para gerar empregos locais.
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JornalCana – Muito se fala sobre o hidrogênio renovável: ele é viável ou só tema de discussões?
Hudson Zanin – O hidrogênio renovável hoje é escasso, e será produzido com energia limpa ou biocombustíveis.
O papel principal dele é descarbonizar o hidrogênio cinza.
Hoje produzimos 94 megatoneladas de hidrogênio e 99% é sujo porque emitem 830 milhões de megatoneladas de CO2. Então primeiro o hidrogênio precisa se descarbonizar, para depois pensar em ser a solução.
JornalCana – Então ele não é solução?
Hudson Zanin – Por isso, ao invés de ser solução, o hidrogênio é um problema.
Ele é um gás que não consegue compactar energia, porque embora tenha energia por molécula, é impossível compactá-lo com eficiência.
Para ter ideia, o veículo a bateria é muito mais eficiente e simples do que o elétrico a hidrogênio.
Veículo elétrico foi criado em 1832
A origem dos veículos elétricos remonta ao século XIX. Em 1832, o inventor escocês Robert Anderson desenvolveu o primeiro protótipo de um veículo elétrico, embora fosse bastante primitivo.
Durante as décadas seguintes, inovações importantes, como a bateria recarregável (inventada por Gaston Planté em 1859) e o motor elétrico eficiente (desenvolvido por Zenobe Gramme em 1873), pavimentaram o caminho para veículos elétricos mais práticos.
No final do século XIX e início do século XX, os veículos elétricos começaram a ganhar popularidade, especialmente em cidades onde a poluição sonora e a poluição do ar dos motores a combustão interna eram preocupações crescentes. Empresas como a Detroit Electric e a Baker Electric produziram milhares de veículos elétricos. No entanto, com o advento do modelo Ford T, que era mais barato e mais fácil de produzir em massa, juntamente com a descoberta de grandes reservas de petróleo, os veículos a gasolina dominaram o mercado.
Os veículos elétricos então entraram em um longo período de obscuridade, até o crescente interesse em sustentabilidade e tecnologia avançada de baterias revitalizar sua popularidade no final do século XX e início do século XXI.
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Origem das baterias de Lítio
A história das baterias começa no século XVIII. Em 1780, o anatomista italiano Luigi Galvani descobriu que o tecido muscular de uma rã se contrai quando entrava em contato com metais diferentes, fenômeno que ele chamou de “eletricidade animal”.
Inspirado por Galvani, em 1800, Alessandro Volta, um físico italiano, inventou a primeira bateria verdadeira, conhecida como coluna de Volta.
Ele empilhou discos de zinco e cobre, separados por discos de papelão embebidos em ácido ou em solução salina, criando uma corrente elétrica estável.
Esse invento marcou o início da era das baterias, possibilitando o desenvolvimento da eletricidade como uma fonte de energia prática para experimentos e, mais tarde, para aplicações industriais e domésticas.
Avanços
No século XIX, outros avanços foram feitos, como a bateria Daniell, inventada por John Frederic Daniell em 1836, que era mais estável e segura do que a coluna de Volta.
Em 1859, Gaston Planté desenvolveu a primeira bateria recarregável, a bateria de chumbo-ácido, que ainda é usada em automóveis.
O final do século XIX e o século XX viram o desenvolvimento de muitos outros tipos de baterias, incluindo a bateria de níquel-cádmio (NiCd) em 1899, a bateria de níquel-ferro (NiFe) por Thomas Edison em 1901, e a bateria de níquel-metal hidreto (NiMH) e a bateria de íon de lítio (Li-ion) no final do século XX.
Estas inovações permitiram uma ampla variedade de aplicações, desde o armazenamento de energia para eletrônicos portáteis até o uso em veículos elétricos.
Delcy Mac Cruz
Esta matéria faz parte da edição 350 do JornalCana. Para ler, clique aqui!