A alta do custo dos fertilizantes no ano passado já havia acendido a luz amarela. O conflito entre Ucrânia e Rússia, principal fornecedor deste insumo, fez disparar a luz vermelha do país, quanto à necessidade de rever a sua dependência na importação deste produto e enfrentar os cenários desafiadores que vem surgindo desde o ano passado.
Em 2021, o Brasil importou 41,6 milhões de toneladas de fertilizantes, somando US$ 15,1 bilhões, sendo só da Rússia, 9,3 milhões de toneladas de fertilizantes.
Apenas em janeiro de 2022, foram compradas 2,3 milhões de toneladas do insumo, número 15,2% inferior ao mesmo período no ano passado, aponta a plataforma Comex Stat, do Ministério da Economia.
A agricultura nacional possui uma grande dependência da importação de fertilizantes, cerca de 80% dos fertilizantes utilizados no Brasil são de origem estrangeira. Atualmente, o Brasil ocupa a 4ª posição mundial no consumo global de fertilizantes, sendo o potássio o principal nutriente utilizado pelos produtores nacionais (38%). Na sequência, aparecem o fósforo, com 33% do consumo total de fertilizantes, e o nitrogênio, com 29%. Juntos, formam a sigla NPK, tão utilizada no meio rural. Dentre as culturas que mais demandam o uso de fertilizantes estão a soja, o milho e a cana-de-açúcar, somando mais de 73% do consumo nacional.
LEIA MAIS > Feplana defende a produção de fertilizantes pelo Brasil
“O contexto atual é extremamente desafiador e, por isso, o planejamento é ainda mais importante para que os produtores possam encontrar as melhores soluções para suas culturas. Ao mesmo tempo, o momento abre novas possibilidades e olhares para o setor de fertilizantes brasileiro e para os formatos atuais, que tendem a sofrer uma transformação nos próximos meses”, afirma Bruno Fonseca, analista Sênior de Pesquisa e Análise Setorial para o mercado de insumos do Rabobank Brasil.
O Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), lançado em março pelo Governo Federal, é uma referência para o planejamento deste setor para os próximos 28 anos (até 2050). Além da redução da dependência externa, o PNF ainda apresenta oportunidades em relação a produtos emergentes como os fertilizantes organominerais e orgânicos (adubos orgânicos enriquecidos com minerais, por exemplo) e os subprodutos com potencial de uso agrícola, os bioinsumos e biomoléculas, os remineralizadores (exemplo, pó de rocha), nanomateriais, entre outros.
LEIA MAIS > Nomes de peso mostram os desafios na formação e atuação do conselho de administração em usinas
O setor bioenergético já vem buscando suas alternativas, não só para minimizar essa dependência, mas também para fortalecer a produção com a utilização de práticas mais sustentáveis. A convite do JornalCana estiveram reunidos no dia 6 de abril, Gaspar Korndörfer, professor e produtor de cana; Carlos Crusciol, professor titular da UNESP de Botucatu; Mário Dias, gerente Corporativo de Desenvolvimento Agronômico da BP Bunge Bioenergia e Pedro Henrique Castro, gerente Agrícola da Araporã Bioenergia, para participar do primeiro Warm UP CANABIO com o tema: Soluções sustentáveis para a crise de fertilizantes químicos.
O melhoramento genético foi uma das alternativas apresentadas pelo professor Carlos Crusciol. Segundo ele, uma das formas de manter ou aumentar a produtividade é aprimorar a capacidade de captura de carbono, buscando plantas mais resistentes a condições adversas.
“Numa situação de crise, dificilmente eu vou conseguir mudar as variedades de cana. Mas eu tenho o melhoramento genético. Uma ferramenta que pode melhorar a aquisição de nutrientes pela planta. A água vem de graça, o carbono CO2 vem de graça, o oxigênio vem de graça então se fizermos com que a planta seja mais eficiente na aquisição de água ela vai fazer mais carboidrato, e vai produzir mais com a mesma dose de adulto”, explicou o professor.
LEIA MAIS > Usina São Manoel capta R$ 125 milhões em créditos financeiros
Crusciol também destacou entre as alternativas, a correção de acidez do solo, a utilização de fontes nacionais de nutrientes, organominerais e orgânicos (Fósforo, Potássio, Torta de Filtro, Estercos, Lodo Esgotos), utilização de microrganismos e ainda a utilização de bioestimulantes para aumentar a absorção de nutrientes pelas plantas.
Para o professor e produtor de cana, Gaspar Korndörfer, a redução de adubação, quando houver, deve ocorrer prioritariamente onde o impacto dessa redução na produtividade, é menor, devendo-se levar em consideração que o preço dos adubos e corretivos produzidos localmente (calcário, rochas potássicas, adubos orgânicos e organominerais, etc) não subiram na mesma proporção dos importados.
Gaspar defendeu a otimização do uso dos recursos próprio (cinza, vinhaça, torta de filtro, composto), fonte de nutrientes, na substituição principalmente dos fertilizantes importados; o uso da torta de filtro como fonte de P, N e Ca na cana planta (área total e sulco); a maximização do uso da vinhaça como fonte de N e K e também como veículo na aplicação de outros nutrientes na adubação da soqueira (VPE&L); o uso da cinza de caldeira como corretivo de solo e também fonte de K e Si; e ainda a utilização do composto (cinza/torta/bagaço/cama de frango, etc) na mistura com fertilizantes minerais para produção de organominerais, visando redução nas doses de NPK.
LEIA MAIS > Canaplan projeta moagem de 545 milhões de toneladas para safra 2022/23
“Além de, em geral, serem fertilizantes de maior eficiência agronômica, são mais baratos e com geração de crédito de carbono para a usina e para o fornecedor de cana (RenovaBio)”, disse.
Para Mário Dias, gerente Corporativo de Desenvolvimento Agronômico da BP Bunge Bioenergia, a palavra de ordem é racionalizar. “Planejar um método de trabalho, reduzindo perdas e tornando-o mais eficiente e produtivo”. O trabalho de Mitigação de perdas de insumos, para obtenção de mais perfilhos prevê: plantio sem falhas; irrigação; manejo de mitigação de déficit hídrico; zero pisoteio e zero arranquio de soqueira. Na melhora da raiz: controle de pragas de solo, correção de solo em profundidade e qualidade na descompactação do solo.
A usina também investe na ampliação do uso da vinhaça, rotação de culturas, compostagem e utilização de biológicos. Nos últimos três anos a BP registrou um aumento de 388% na utilização deste tipo de insumo, em quase 1 milhão de hectares. “Contamos com 3 campos experimentais nos estados de SP, MG e GO com mais de 60 tratamentos x 4 repetições. Como resultado tivemos um aumento de 17% de TAH, redução de 100% do N no plantio e melhores resultados em área de vinhaça com oportunidades de 25 kg de N / há”, contou.
LEIA MAIS > SIAMIG afirma que não há falta na oferta de etanol em Minas
Avançar forte no esquecimento da vinhaça localizada é uma das estratégias adotadas na Araporã Bioenergia, informou o gerente agrícola Pedro Henrique Castro. “Para 2022, quase 100% da cana soca da unidade está sendo tratada com essa tecnologia, que proporciona menor dependência de fertilizantes e oportuniza a utilização de outras fontes no enriquecimento (ex.: nitrato x uréia); evitando ou diminuindo a aquisição de KCL”, afirmou.
Castro chama atenção, no entanto, para a necessidade de sempre estar se calculando a viabilidade levando em conta a eficiência, qualidade e custos, através da avaliação do impacto das distâncias (diesel, etc). A técnica da compostagem também adotada pela usina permite a otimização e maior independência de insumos; fonte de M.O., Fósforo e outros nutrientes; ganho de TCH; retenção de água no solo. Como foco em cana planta ele destaca a possibilidade de melhoria quantitativa e qualitativa com acréscimo de outros produtos (ex.: cama de frango, gesso agrícola, etc.).
LEIA MAIS > Raízen finaliza integração com a Biosev
Castro também destacou o uso de corretivos de solo como oportunidade de redução de dose de calcário e gesso, com aplicação localizada na linha versus área total à lanço.
Com relação aos remineralizadores ele acredita que o fator logístico é importante ser avaliado no custo em função da distância das fontes, ficando atento para a tendência de alta atrelada às fontes tradicionais. Ele lembrou também da rotação de culturas que possibilita a redução de fertilizantes (soja, amendoim, crotalária, etc).
Segundo o gerente agrícola, a usina vem trabalhado com microrganismos eficientes na fixação de nitrogênio; mineralização e ciclagem de nutrientes; proteção de plantas (solo e/ou folhas); e proteção contra pragas.
Para Castro diante das dificuldades, é preciso procurar pensar diferente, tentando fazer um negócio bem-feito e de qualidade. “Essas crises de ordem mundial nos provocam a fazer diferente, ser criativos. Criatividade em uma palavra de ordem”, finalizou.
Esta é a matéria de capa da edição de maio do JornalCana. Para ler, clique AQUI!