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Créditos de descarbonização em detalhes, por Paulo Costa

Ao sucesso desse mercado estão atribuídos a confiabilidade do processo de formação do lastro do CBIO, que envolve o processo de certificação

Paulo Costa
Paulo Costa

Coordenador no Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração (SGM) do Ministério de Meio Ambiente (MME), Paulo Costa foi analista de infraestrutura do MME, entre fevereiro de 2008 e fevereiro de 2021, e membro da equipe de construção do RenovaBio.

Liderou a articulação, com o setor financeiro, do processo de emissão, negociação e aposentadoria dos créditos de descarbonização (CBIOs) do RenovaBio negociados na B3.

Em artigo exclusivo para o JornalCana, Costa destaca detalhes do programa.

Confira:

Origem

A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio, Lei 13.576, de 26/12/17) nasceu dentro de um cenário em que a importação de combustível era crescente e o sistema operava no limite.

Existiam muitas usinas com alavancagem alta e/ou em recuperação judicial. Havia a necessidade de políticas ambientais para o cumprimento das metas do Acordo de Paris, mas, claro, sem espaço para renúncia fiscal, e sem recursos do BNDES com taxas abaixo daquelas praticadas pelo mercado.

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Construção do CBIO

O RenovaBio surge, então, de um líder visionário (Miguel Ivan Lacerda de Oliveira) dentro do Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, que era composto por profissionais especialistas no mercado financeiro, simulação computacional e redação legislativa.

Dentro do hall de políticas públicas, o RenovaBio se destaca pela articulação realizada entre os setores de biocombustíveis, petróleo, logística e financeiro em prol da construção de uma moeda ambiental, o crédito de descarbonização (CBIO).

Fungível e intercambiável

Desde o princípio, o CBIO foi construído para que fosse fungível e intercambiável entre os ativos da mesma categoria, de maneira que não fosse possível e necessário identificar o seu emissor.

Acreditava-se na construção de um mercado secundário de CBIOs com liquidez crescente, transparente e que tivesse a divulgação das informações necessárias para construção dos preços.

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Processo de formação

Ao sucesso desse mercado estão atribuídos a confiabilidade do processo de formação do lastro do CBIO, que envolve o processo de certificação, a emissão da nota fiscal, o envio ao sistema SERPRO/ANP e a escrituração em uma instituição financeiro; e os processos de registro e negociação na B3.

A negociação acontece em mercado organizado cuja função principal é controlar, manter e garantir ambientes ou sistemas para o encontro de ofertas e a realização de negócios com formação eficiente de preços. Funções essas que aumentam a confiança dos investidores no mercado secundário.

Sem identificação das contrapartes

O crédito de descarbonização pode ser negociado por qualquer investidor em um ambiente que garanta a não identificação das contrapartes, de modo a mitigar manipulações indevidas desse mercado, numa aproximação do modelo de concorrência perfeita.

A participação de outros investidores ameniza o desbalanceamento do setor de distribuição de combustíveis que se concentra em apenas quatro empresas (Vibra, com 28%; Ipiranga, 20%; Raízen, 19%; e Alesat, 3%, representando 68% do mercado nacional).

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Abertura a novos compradores

Outro ponto que pode contribuir para o aumento da liquidez é a nova regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (Resolução 175, de dezembro de 2022), que abriu a possibilidade de novos compradores aos CBIOs, os fundos de investimentos financeiros.

Redução de custo ao consumidor

A aquisição do CBIO por investidores que não fazem parte do setor, mas que mesmo assim desejam reduzir a emissão de gases de efeito estufa, traz uma redução de custo ao consumidor final de combustíveis.

O CBIO também induz o aumento da oferta de biocombustíveis, com destaque para o etanol hidratado, que compete de forma indireta com a gasolina nos postos revendedores, possibilitando mais uma redução no preço da cesta de combustíveis ao consumidor.

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Vem aí o mercado de derivativos

Sem a necessidade de regulamentação adicional, mas como algo inovador, está a construção do mercado de derivativos de CBIOs.

O derivativo possibilita que as duas partes de um contrato estabeleçam a compra e a venda do CBIO a ser liquidado em data futura preestabelecida por um preço previamente combinado.

O registro do contrato para entrega futura permite a redução do risco de oscilação no preço do CBIO para o distribuidor e, ainda, permite um melhor provisionamento dos custos.

O produtor de biocombustível percebe a venda para entrega futura como uma operação de financiamento em que poderá precificar os CBIOs a uma taxa mais atrativa que o seu Capital Asset Pricing Model (CAPM) [modelo de precificação de ativos financeiros].

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Compra de defensivos com CBIOs

Esse novo formato de negociação abre oportunidades para a troca de insumos ou produtos agrícolas por CBIOs a serem entregues numa data futura e por um preço predeterminado entre as partes.

Ou seja, um produtor de biocombustíveis pode comprar defensivos agrícolas para sua lavoura utilizando CBIOs a serem entregues a um preço remunerador para ambas as partes.

Modelo atender fornecedor de cana

Esse mesmo modelo também atenderia o fornecedor de cana-de-açúcar que agrega mais sustentabilidade na produção de uma determinada usina de etanol.

Esse fornecedor, então, passaria a ter CBIO em uma data futura em quantidade proporcional ao seu ganho de eficiência pagando o custo de emissão ou zero.

Trata-se, em verdade, de uma solução de mercado em que o produtor de etanol dá a posse do Crédito de Descarbonização ao seu fornecedor de cana.

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Supera iniciativas de taxação de carbono

O Crédito de Descarbonização tem valor internacional dentro da agenda mundial de sustentabilidade na produção de uma determinada, que supera as iniciativas de taxação de carbono e mercados de licença de emissões.

A longevidade do mercado de CBIOs passa pela intercambialidade com outros mercados de carbono, que deve ser buscada pelos representantes governamentais e pela iniciativa privada, como, por exemplo, o Mercado de Redução e Compensação de Emissões da Aviação Internacional (Corsia), o Mercado Europeu de Créditos de Carbono, e o recente Mercado de Carbono do Setor de Energia Chinês.

Novo entendimento com corretoras e distribuidoras

Além disso, a entrada de investidores pessoa física deve ser perseguida para aumentar a liquidez do mercado e reduzir a amplitude das variações de preço do CBIO.

Por esse motivo, a construção de um novo entendimento com as corretoras e distribuidoras de valores mobiliários faz-se necessário.

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Risco regulatório

Dos pontos levantados, verifica-se muitas possibilidades e a necessidade de estabilidade regulatória para que todas ganhem materialidade.

Ou seja, para que o RenovaBio fique robusto, faz-se necessário que a Política Nacional de Biocombustíveis não passe por alterações.

Como no meio político cada um que passa tende a deixar sua marca, mesmo que negativa, o risco regulatório é e sempre será o maior risco do RenovaBio.

Delcy Mac Cruz

Esta matéria faz parte da edição 348 do JornalCana