Usinas

Corte manual da cana em SP segue no foco do Ministério Público

Foto: Francesco Zizola
Foto: Francesco Zizola

Apesar do avanço da mecanização da colheita da cana, uma área equivalente a 10% dos canaviais paulistas ainda é colhida manualmente. E embora envolva um contingente bem menor de pessoas do que há uma década, o corte manual de cana continua na mira do Ministério Público do Trabalho (MPT), cujas ações seguem gerando decisões judiciais em busca de ajustes nas condições desse tipo trabalho.

Pelo menos cinco decisões judiciais desfavoráveis a usinas de cana foram tomadas neste ano em São Paulo. Os acórdãos tratam, essencialmente, de duas questões: a obrigatoriedade de as empresas interromperem o corte da cana diante de elevadas temperaturas, sem prejuízo ao salário do trabalhador, e a suspensão do pagamento do salário (ou parte dele) por produção.

Os grupos empresariais recorreram e, alguns deles conseguiram suspender as decisões até o julgamento do recurso. Mas as questões estão sujeitas ao vaivém da Justiça e devem ainda ter desdobramentos.

Os processos derivam de ações civis públicas movidas pelo MPT do Estado. Entre eles está o que condenou a unidade da Unialco, em Guararapes, a pôr fim ao pagamento por produção e a interromper o trabalho de corte e plantio manuais quando a temperatura chega a níveis que a legislação considera insalubres. A Pioneiros Bioenergia, de Sud Menucci, do grupo Santa Adélia, também foi afetada em setembro por sentença semelhante da Vara Itinerante de Pereira Barreto.

A Vara do Trabalho de Araçatuba também condenou três usinas da Raízen, controlada pela Cosan e pela Shell, pela mesma razão.

As sentenças, de primeira instância, foram favoráveis ao MPT, condenando as usinas a implementar pausas diante de calor excessivo, a suspender pagamento por produção e, em alguns casos, houve multa por danos morais coletivos. Em abril deste ano, a Justiça também fez acordo para ver cumpridas as mesmas obrigações pela Da Mata Açúcar e Álcool já a partir da próxima safra, a 2015/16. As usinas foram procuradas pela reportagem, mas somente a Raízen concedeu entrevista.

A Raízen argumentou à Justiça que autoriza pequenas pausas espontâneas dos cortadores de cana, assim como mantém áreas de vivência com sombra e água potável, além de distribuir repositor “eletrolítico e garrafas térmicas”.

Nos despachos, os juízes que julgam essas ações reconhecem que houve avanço do setor em combater os “malefícios” desse tipo de trabalho braçal. No entanto, consideram que os avanços ainda são insuficientes para estabelecer uma condição digna ao cortador.

No caso da Raízen, o magistrado contra-argumenta: “a reclamada fez questão de destacar que os empregados podem usufruí-las [pausas] quando melhor lhes aprouver. Bem, parece evidente que seja assim, pois é passado o tempo em que um feitor castigava quem ousasse parar para descansar”.

Portanto, segundo o magistrado, não é uma questão apenas de liberdade, mas de conveniência do empregado em parar para descansar. “Com efeito, não há mais necessidade de manter alguém na guarda do trabalhador para lhe exigir o máximo de esforço, pois o dinheiro faz as vezes no mundo contemporâneo”, afirmou o magistrado.

O diretor de Recursos Humanos da Raízen Energia, Luiz Carlos Vegin, defende que o ritmo de trabalho é adequado. O cortador de cana, diz Vegin, tem uma jornada de sete horas e vinte minutos de trabalho, horário de almoço e duas pausas de 10 minutos cada. Há ainda, segundo ele, as pausas espontâneas, quando ele interrompe o trabalho para amolar ferramentas, tomar soro ou beber água. “Temos medidas que mitigam o trabalho ininterrupto. Temos área de vivência na sombra, onde ele pode descansar”, afirma Vegin.

Quanto ao pagamento de salário por produção, os trabalhadores rurais têm um salário fixo mensal – o piso é de R$ 900 -, e recebem um adicional por produção, que eleva esse valor a R$ 1,250 mil. “Essa sistemática de ganho por produtividade não se restringe ao trabalho manual. É adotada em outros setores da empresa, inclusive o mecanizado”, diz Vegin.

Atualmente, 800 pessoas trabalham no corte da cana e em outras funções braçais, como a de produção de mudas, na Raízen. Há sete ou oito anos, eram de 15 mil a 16 mil, segundo o executivo. Em todo o setor, o movimento foi semelhante. Em 7 anos, o número de trabalhadores canavieiros caiu 52%, para 162,567 mil pessoas, segundo dados do Caged, compilados pela Unesp de Jaboticabal.

(Fonte: Valor Econômico)