As previsões de moagem de cana-de-açúcar na região Centro-Sul estão animadoras.
Em levantamento divulgado na última semana de setembro, a DATAGRO estima em 624,5 milhões de toneladas o total de matéria-prima a ser processada no ciclo 2023/24.
Se confirmado, esse volume representará recorde ao superar as 623,10 milhões de toneladas processadas no Centro-Sul no ciclo 2015/16.
As boas condições climáticas e investimentos em renovação de canaviais explicam, segundo a consultoria, as projeções otimistas.
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No caso do Norte-Nordeste, Plinio Nastari, diretor da DATAGRO, disse, durante apresentação na Fenasucro & Agrocana, em agosto, que as usinas dessa região deverão processar 60 milhões de toneladas de cana.
No Norte-Nordeste, a safra começou em agosto e deve terminar até março próximo. No Centro-Sul, o ciclo oficialmente começou em abril e termina no fim de março, mas tradicionalmente as unidades encerram os trabalhos entre fim de novembro e começo de dezembro.
Desta vez, devido a maior oferta de matéria-prima, muitos grupos planejam estender as operações até a segunda quinzena de dezembro, estima a consultoria.
Esse planejamento, contudo, tem uma pedra pela frente para ser cumprido.
Nome da pedra: o fenômeno climático El Niño, que neste ano está entre forte e muito forte.
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Fenômeno gerado pelo aquecimento
Em linhas gerais, esse fenômeno é caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico na sua porção equatorial. É responsável por alterar a distribuição de umidade e as temperaturas e, no caso do Brasil, gera secas prolongadas nas regiões Norte e Nordeste e chuvas intensas e volumosas no Sul.
É isso mesmo.
Como o El Niño ainda acontece, o aquecimento das águas influencia o padrão de precipitação e temperatura e “no Brasil os meses de setembro, outubro e novembro terão temperatura acima da média”, prevê Caroline Vital, pesquisadora do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em relato, ela alerta que deve chover abaixo da média na faixa norte do país e acima da média na região Sul.
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El Niño e a cana-de-açúcar
E quais os impactos do fenômeno climático sobre o setor sucroenergético, cuja safra 2023/24 está no terceiro trimestre no Centro-Sul e apenas começou no Norte-Nordeste?
Para responder a esta e a outras perguntas, o JornalCana recorreu a especialista da Argus, empresa especializada na produção de relatórios e análises de preços para o mercado de combustíveis, agricultura, fertilizantes, gás natural e energia elétrica.
Trata-se de Vinicius Damazio, especialista em etanol da empresa. Confira a seguir suas avaliações:
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JornalCana: A safra nacional de cana-de-açúcar 2023/24 tende a fechar em 660 milhões de toneladas (600 mmt no Centro-Sul e 60 mmt no Norte-Nordeste). O El Niño em vigor pode afetar a qualidade da cana (em açúcares totais renováveis – ATR) da safra vigente, cuja colheita deve terminar até março?
Vinicius Damazio – Alguns dos players do setor, como a BP Bunge, por exemplo, já acreditam que a moagem de cana-de-açúcar no Centro-Sul pode ultrapassar esses 600 milhões de toneladas e alcançar até 629 milhões de toneladas no acumulado da safra.
Se essas projeções se confirmarem, haverá um aumento de 14% em relação ao volume registrado na temporada 2022-23, que atingiu 549 milhões de toneladas de cana, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA).
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Como os próprios relatórios da UNICA têm mostrado, essa expectativa de alta se deve à produtividade mais elevada na região e como o clima mais seco tem impulsionado o processamento de matéria-prima.
Do jeito que a safra tem caminhado e o quanto está se conseguindo moer por dia, essa expectativa fica cada vez mais próxima de se concretizar.
O único desafio no caminho desse resultado é justamente uma virada intensa no clima, porque as indústrias têm matéria-prima disponível para chegar até lá, há muita cana para ser colhida. Só que, por enquanto, não há essa expectativa de chuvas fortes no radar. As expectativas são positivas entre os produtores.
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JornalCana: E se o clima ficar desfavorável?
Vinicius Damazio – Em uma situação hipotética na qual o clima se mostrasse muito desfavorável, o ATR poderia ser afetado e talvez mais usinas busquem a produção de etanol.
Por enquanto, isso ainda é um cenário distante.
Uma possibilidade menos remota, caso o clima vire nessa reta final da temporada, é a chance de termos cana bisada – o contingente de cana disponível, não esmagado na safra anterior ou a cana que sobrou de uma safra para outra sem cortar – em 2023-24.
Mas ambos os casos ainda são difíceis de prever.
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JornalCana: Até o momento (mês de setembro), quais os impactos registrados do fenômeno climático nos canaviais brasileiros?
Vinicius Damazio – A safra 2023-24 de cana-de-açúcar teve um começo bem promissor na região Centro-Sul, com os canaviais beneficiados por um bom ciclo de chuvas do último verão e a promessa de forte recuperação na moagem em comparação com a temporada anterior.
Isso se estendeu até então.
Temos previsões de um pouco de chuva [ainda em setembro] mas, por enquanto, o cenário tem sido favorável para o avanço dos trabalhos nos canaviais.
JornalCana: A maior parte dos canaviais está em estados (SP, MG, PR, GO, MS) pouco afetados pelo El Niño atual. Será que essa região está livre de quebras de qualidade ou de oferta de cana?
Vinicius Damazio – Na literatura não existe uma convergência tão clara entre a ocorrência do fenômeno El Niño e as quebras de safra de cana-de-açúcar no Centro-Sul, justamente pelo fato das principais áreas sucroalcooleiras se concentrarem numa região de transição de influência do El Niño.
No Norte e Nordeste do país, a tendência é de diminuição das chuvas e seca mais severa, enquanto no Sul há um aumento das chuvas.
Mas em áreas de maior cultura da cana-de-açúcar, como os estados de São Paulo, Minas Gerais e outros do Centro-Oeste, o El Niño não tem uma assinatura tão linear, portanto, pode não gerar efeitos significativos.
Porém, em algumas das mesas de inteligência do setor, não estão descartadas as chances de que a ampliação das chuvas na região Sul possa se estender para alguns dos polos sucroalcooleiros de São Paulo e Mato Grosso do Sul no início da primavera.
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Isso poderia, sim, impactar o encerramento dos trabalhos nos canaviais, fazendo alguns produtores pausarem as atividades de corte e moagem temporariamente, ou até encurtar o período considerado ideal para a colheita. Mas seria preciso um quadro chuvoso bastante intenso.
JornalCana: É possível prever impactos do El Niño para a safra seguinte (2024/25)?
Vinicius Damazio – As premissas para 2024-25 apontam menos área disponível para colheita, TCH retornando a níveis médios com clima normal e menos cana de primeiro corte, e maior capacidade de cristalização. Mas ainda é muito cedo para definir um cenário claro.
Delcy Mac Cruz
Essa matéria faz parte da edição 347 do JornalCana. Para ler, clique aqui.