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Cogeração: uso de gás e biomassa chega às usinas

O bagaço será a matéria-prima da termelétrica da Usina Coaf (Foto: Arquivo)
O bagaço será a matéria-prima da termelétrica da Usina Coaf (Foto: Arquivo)

O uso combinado da biomassa com o gás natural para gerar energia elétrica é uma estratégia para ampliar o faturamento com a venda de excedentes de eletricidade pela usina? Quais os custos de investimento e ganhos possibilitados?

Essa combinação já é possível para usinas do interior paulista vizinhas das linhas de gasoduto proveniente da Bolívia, o Gasbol.

Concessionária responsável pela distribuição de gás natural na região Noroeste do Estado de São Paulo, a GasBrasiliano trabalha no mercado com as possíveis configurações para uso combinado da biomassa com o gás natural e demonstrar ao mercado que a infraestrutura existente nas usinas para geração de energia elétrica pode ser potencializada com o gás natural.

José Waldir Ferrari, diretor técnico comercial da GasBrasiliano, explica, na entrevista a seguir, sobre custos de investimento e ganhos com a cogeração pelo uso de gás natural e biomassa.

JornalCana – Como funciona a parceria entre a GasBrasiliano e térmicas de usinas/destilarias? A empresa (GasBrasiliano) assume as instalações necessárias e fica com a venda dos megawatts-hora até a amortização desse investimento?

José Waldir Ferrari – O papel da GasBrasiliano como parceira de usinas para geração de energia elétrica inclui o investimento em infraestrutura para construção de redes de distribuição de gás natural até a divisa de propriedade da usina e o fornecimento do gás natural. Adicionalmente, a GasBrasiliano presta toda a assessoria técnica necessária para a adequação das instalações internas e não tem nenhuma participação na venda de energia elétrica.

Qual o valor médio de um investimento desses, tomando, por exemplo, usina com moagem de 2 milhões de toneladas por safra. Detalhe, também, se esse investimento inclui caldeira adequada, turbina etc. Há estimativa de custo de instalação do MW pela cogeração de gás e de biomassa? 

Ferrari – Existem diversas configurações possíveis que permitem a integração do gás natural com a biomassa e as soluções devem ser estudadas e customizadas caso a caso. A infraestrutura de cogeração na usina é reconhecidamente subutilizada, consequência da baixa eficiência do ciclo de geração de energia elétrica, sazonalidade da cana-de-açúcar, quebra de safra e baixo poder calorífico do bagaço da cana em alguns momentos. A solução da GasBrasiliano propicia ao empreendedor, que pode ser a usina ou algum parceiro desta, potencializar o uso da biomassa, ou seja, aumentar a eficiência do ciclo de geração de energia, e,consequentemente, aumentar sua receita com a venda da energia elétrica excedente a custos competitivos. O investimento do empreendedor na aquisição de uma turbina a gás natural é de aproximadamente USD 600,00/kW e o tamanho da turbina está relacionado à capacidade da caldeira em recuperar seus gases de exaustão submetidos a alta temperatura. Fato também observado pela GasBrasiliano é que as turbinas a vapor existentes na usina geralmente possuem folgas que poderiam ser preenchidas com o vapor proveniente dos gases de exaustão da turbina a gás natural e gerar ainda mais energia.

Explique mais, por favor

Ferrari – A GasBrasiliano realiza estudos por meio de tecnologias consagradas mundialmente e tem como foco as usinas existentes cuja intervenção na instalação seja mínima. A proposta baseia-se em usinas híbridas, ou seja, o uso da biomassa e do gás natural em ciclo combinado. Quando é adicionada ao sistema existente (caldeira e turbina a vapor) uma turbina a gás natural gerando energia elétrica e recuperando os gases de exaustão na própria caldeira a biomassa, a eficiência no uso do gás natural atinge aproximadamente 52% e o custo da energia adicional produzida é de cerca de R$ 207,00/MWh. No ciclo combinado híbrido não é necessário investimento em caldeira de recuperação, pois a caldeira a biomassa automaticamente assume essa função. Os gases quentes provenientes da turbina a gás recuperados resultam na economia de bagaço, permitindo estender a geração de energia em praticamente o ano todo. Essa continuidade de geração de energia para o grid elétrico agrega valor ao negócio da usina. Observa-se que os custos são competitivos  quando consideradas as perspectivas do PLD (Preço de Liquidação da Diferença), de R$ 388,00/MWh, bem como dos novos preços anunciados para os próximos leilões de fonte biomassa (R$ 282,00/MWh).

E o tempo de amortização?

Ferrari – O tempo de amortização dos investimentos em usinas existentes depende do preço de venda da energia no mercado. Na base atual, esse tempo é bastante atrativo devido à significativa margem propiciada pelo mercado. O tempo de amortização no investimento pode ser reduzido se, em leilões de reserva de energia, for ofertada disponibilização de capacidade.

No caso de retrofit ou usinas concebidas para uso do gás natural combinado com a biomassa, a eficiência aparente da energia adicional gerada com gás natural é de 225%. Esse ganho é obtido pela otimização do ciclo termodinâmico, onde a biomassa é aplicada na parte menos eficiente do processo, ou seja, na elevação da temperatura de vapor até 480°C e, posteriormente, aplica-se o gás natural na parte mais eficiente do processo, superaquecendo o vapor externamente à caldeira até 530°C. Observa-se que é aplicado um volume reduzido de gás natural no sistema, mas o efeito em termos termodinâmicos proporciona grande geração de energia adicional. Maior eficiência no ciclo de geração de energia elétrica sempre demandará maiores investimentos.

Entre os empresários do setor sucroenergético, apesar de o MWh pelo teto do PLD estar remunerador (R$ 388 o MWh cuja produção média é de R$ 150), há os custos de transmissão (estender linhões ainda fica com o cogerador, caso a distribuidora não assuma) e o cenário econômico incerto não garante que haverá necessidade de eletricidade extra, mesmo com a crise hídrica. Por que investir em cogeração com gás? Qual é a atratividade?

Ferrari – A análise quanto à viabilidade de extensão de linhões cabe somente ao empreendedor, porém, com relação às usinas conectadas ao SIN (Sistema Integrado Nacional), não há dúvidas de que gás natural pode potencializar a geração de energia elétrica com preços competitivos, bem como apresentar-se como opção para crise de energia elétrica. A biomassa, como qualquer outra fonte renovável, depende de condições externas para o despacho de energia. Devido à sua flexibilidade e sistema de distribuição contínuo, o gás natural apresenta-se como solução energética complementar, suprindo todas as deficiências e lacunas não correspondidas pela biomassa, bem como potencializando seu uso.

Cogerar na entressafra de fato é tema em discussão no setor, mas somente uma e outra usina tem feito isso. Como o uso combinado de gás com biomassa pode ser viável nesse período de parada das máquinas? Sabe-se que não é possível guardar bagaço por muito tempo e que o recolhimento da palha ainda inviabiliza a venda do excedente cogerado?

Ferrari – Caso não haja disponibilidade de bagaço na entressafra, a turbina a gás pode operar em ciclo aberto com eficiência de aproximadamente 37%, pois não haveria recuperação de calor na caldeira a biomassa. O custo seria em torno de R$ 264,00/MWh.A viabilidade quanto à geração de energia na entressafra depende do custo de energia pago pelo mercado.

Biometano pode ser um negócio extra para a usina? Como? Explique, por favor

Ferrari – A GasBrasiliano está localizada em região que reúne mais de 90% das usinas sucroalcooleiras do Estado e com grande concentração de indústrias energo-intensivas que demandam eletricidade e intenso uso de calor simultaneamente. Tal privilegiada condição é oportunidade ímpar para o aproveitamento do potencial de biogás e biometano produzido a partir da vinhaça e da cana-energia (cana apropriada para a geração de energia), fontes de energia renováveis.

Já tendo realizado o mapeamento de 100% das usinas presentes em sua área de concessão, o projeto da GasBrasiliano tem como objetivo oferecer o biometano principalmente a mercados potenciais localizados em pontos distantes da rede de distribuição de gás natural existente. O potencial de biogás presente na vinhaça gerada na usina e até então não aproveitada passa a ser uma nova fonte de receita ao empreendedor, que comercializaria o biometano junto a GasBrasiliano. A concessionária passaria então a receber o gás próximo ao centro consumidor, criando condições para viabilização de mais investimentos em expansão da rede de distribuição para atendimento a outros municípios da área de concessão, que se caracteriza como a maior em extensão dentre as três empresas que operam no Estado de São Paulo.