De qualquer ponto que se observe o Ingenio Aguaí, construído na planície do departamento de Santa Cruz, na Bolívia, se destaca o design de uma das plantas mais bonitas e modernas do mundo. Quando se adentra na unidade, a ordem e a limpeza também chamam a atenção.
Desde 2017, essa planta industrial é gerenciada por Pedro Collegari, um brasileiro da região de Piracicaba – SP, que neste ano completa sua 47ª safra trabalhando em usinas. “Comecei aos quinze anos no laboratório e aos vinte anos já era subgerente da indústria”, relembra.
Collegari começou na Usina Bom Jesus, em Rio das Pedras – SP, e a partir daí foi para Destilaria Moura Andrade, em Nova Andradina – MS, hoje Energética Santa Helena e seguiu sua trajetória de gerência passando por importantes usinas em Minas Gerais, Paraná e São Paulo, tendo conduzido a implantação da moderna Vale do Paranaíba. “Usina é cheia de surpresas e desafios que te envolve 24h por dia que sempre se depara com coisas boas e por vezes ruins, mas graças a Deus, as conquistas são as melhores”.
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Nesta entrevista, Collegari fala sobre os diferenciais e a evolução da Aguaí, e como pretende dobrar a moagem nas próximas safras.
JornalCana – O Ingenio Aguaí foi o último greenfield na Bolívia e em 2013 esmagou cerca de 800 mil toneladas de cana em sua primeira safra. Atualmente moe cerca de dois milhões de toneladas. Qual foi a estratégia para alcançar esse crescimento?
Pedro Collegari – Aguaí começou como destilaria. Algo completamente diferente no setor boliviano, já que o álcool aqui era para exportação, não havia mercado interno. Éramos a única destilaria no país. Então, em determinado momento em que os preços do álcool estavam baixos, fomos obrigados a produzir açúcar. Mas acrescentamos um diferencial competitivo e exclusivo: produzir açúcar sem enxofre através da carbonatação.
JornalCana – Como funciona esse processo?
Pedro Collegari – Trata-se de dissolver o VHP transformando em licor e, ao invés de tratar com descolorante e flotação, ou uma sulfitacão, adicionamos leite de cal para elevar o pH para logo em seguida baixarmos com CO2 oriundo da fermentação. Isso forma uma floculação que retira as substâncias que dão cor e estes flocos são retidos em filtros especiais, gerando um licor de baixa cor no final. Após o cozimento, o resultado é um açúcar de cor ICUMSA 35, raro no mercado. Isso nos fez crescer no mercado.
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JornalCana – Há outros diferenciais tecnológicos?
Pedro Collegari – Sim, as demais usinas da Bolívia moem cana queimada inteira, enquanto 95% da cana da Aguaí é colhida mecanicamente. Incluindo boas práticas agrícolas, conseguimos uma produtividade da cana 40% acima da média.
Também preciso destacar que nossa estrutura industrial é mais parruda e mais moderna do que a maioria das usinas, inclusive as brasileiras. Para se ter uma ideia, nossa geração de vapor e energia nasceu e opera com alta pressão (67 bar), muito mais eficiente.
Na destilaria, os aparelhos foram projetados por Florenal Zarpelon e construídas aqui na Bolívia e o sistema de desidratação oferece mais qualidade, obtendo-se um álcool quase neutro (aqui chamado de Buen Gusto), que é utilizado para bebidas, perfumaria, farmacêutico e boa parte dele é exportado. Mais recentemente o país começou a misturar o etanol na gasolina e isso também colaborou com nosso crescimento.
Nosso difusor é um projeto da Bosch/Dedini, com sistema de pistas deslizantes, não tem eixo, nem corrente. São pistas com acionamento por pistões hidráulicos. É o modelo modular, podendo ser ampliado lateralmente até 20mt. Confesso que tinha dúvidas sobre ele no começo, mas agora, seis safras depois, admito que é formidável.
JornalCana – Existem outros diferenciais da planta industrial?
Pedro Collegari – Sim, na moenda de secagem, por exemplo, temos motores hidráulicos. Todos os nossos acionamentos grandes são por motores hidráulicos: na mesa, na esteira de cana, no hilo do tombador, no desaguador e principalmente na moenda de secagem. São ótimos equipamentos. Inclusive, vamos colocar um terno de moenda antes do difusor para ampliar a moagem e, possivelmente, utilizaremos motor hidráulico. Além disso, no ano passado instalamos o maior turbogerador da Bolívia em condensação e extração com 60MW de capacidade. Uma máquina enorme com tensão e pressão alta. A usina impressiona também por seu alto índice de automatização.
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JornalCana – Por outro lado, com todas essas expansões e alterações da planta, não é um desafio trabalhar com máxima eficiência?
Pedro Collegari – Realmente é um grande desafio. Principalmente levando em consideração as mudanças constantes no mix, além de pensar no balanço térmico ideal para a cogeração e processos, é difícil encontrar os melhores set-points. Mas conseguimos isso quando otimizamos o processo usando o S-PAA, da Soteica, Usina 4.0. Depois que implementamos os laços fechados de Vapor e Energia e Processos, nossa equipe obteve o norte exato que precisa para operar com eficiência.
No início, minha equipe e eu estávamos receosos. Afinal, estávamos ampliando a produção e trocando equipamentos com bons resultados e colocar uma operação que está dando certo para operar no automático deixa a gente apreensivo. Passados dois meses, porém, percebemos que não é mais possível trabalhar sem o S-PAA.
Avançamos para o laço de Extração e depois o de Fluxo de Caldo e fui percebendo que os encarregados não vinham mais reportar coisas como, por exemplo, “o pol do bagaço está com nível baixo e o volume de caldo está muito forte”. O S-PAA administra tudo isso perfeitamente. No início, preferimos deixar o sistema indicar os set-points para que os operadores alterassem, mas depois fechamos os laços, e a ferramenta passou a controlar tudo automaticamente. Em breve, os próximos laços entrarão na fábrica de açúcar, que já está mais automatizada.
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JornalCana – O COI da Aguaí é impressionante, um ambiente aberto com uma visão ampla da planta. Isso faz diferença para a eficiência?
Pedro Collegari – De fato, o COI está no centro da operação e é muito eficiente. Para se ter uma ideia, temos seis pessoas operando a planta toda. Com a Otimização em Tempo Real (RTO) do S-PAA, aí a margem de erro praticamente não existe. Elas só precisam estipular o que deve aumentar ou diminuir no processo. Isso é fantástico. E olha que essa foi a primeira safra em que utilizamos e estou muito tranquilo em relação a garantia dos resultados.
JornalCana – E quais são os desafios futuros?
Pedro Collegari – Nos próximos três anos queremos dobrar novamente nossa capacidade. Queremos chegar a 4 milhões de toneladas de cana, considerando que temos equipamentos de grande porte, nossa destilaria tem uma certa ociosidade e, com o mercado de açúcar aquecido, planejamos produzir mais refinado.
Neste sentido, visitamos usinas no Brasil para avaliar a instalação de uma moenda antes do difusor e constatamos a viabilidade. Nosso difusor já moe 30% acima de sua capacidade nominal. Acredito que com esse terno de moenda esmagaremos mais e teremos ganhos também na parte de vapor, teremos mais caldo para produzir mais etanol, principalmente porque o governo boliviano sinalizou positivamente a favor de ampliar a mistura de etanol na gasolina.
Josias Messias
Está matéria faz parte da edição 344 (Abril/Maio 2023) do JornalCana.
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