Mercado

Usinas ficarão longe do Pantanal

O último capítulo da batalha entre o governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pode estar perto do fim. Pelo menos no round provocado pelo projeto de lei que permite a instalação de usinas de álcool em áreas próximas ao Pantanal Mato-Grossense. É cada vez maior a chance de a proposta ser considerada inconstitucional, segundo técnicos, ambientalistas e integrantes do governo federal. Isso porque uma série de decisões e decretos protege a região de futuros acidentes ambientais.

O projeto deve ser arquivado na primeira comissão temática da Assembléia Legislativa, que é a de Constituição e Justiça. Está marcada para o dia 25 a votação, na comissão, do parecer do relator, o deputado Roberto Orro (PDT). A expectativa é de que seu relatório seja contrário ao projeto. O assunto tem tirado o sono de Zeca do PT, que chegou a criticar a ministra por “falar besteira”. A polêmica em torno do projeto ficou maior depois da morte do ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Francelmo, que ateou fogo no corpo durante um projeto contra a instalação das usinas.

“A ministra Marina Silva se baseou em relatórios técnicos do governo, resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e em fatos concretos para tentar dissuadir o governador”, explica João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidades e Florestas do Ministério de Meio Ambiente. De acordo com o secretário, a maneira de se expressar de Zeca do PT revelou de forma clara para toda a sociedade que ele não possui amparo técnico-científico. “Se ele possuísse, a posição seria outra. Mas o governador, na falta de informações, se baseou na questão de emprego.”

Geração de emprego

A principal argumentação de Zeca do PT para buscar o apoio político dos parlamentares é a perspectiva de abrir mais de mil vagas de emprego no estado. Mas nem isso é uma unanimidade. A legislação ambiental proíbe queimadas na região do Pantanal. Sem o fogo, a colheita da cana-de-açúcar manual é inviável e a solução seria adotar a mecanizada. “O governador está sendo enganador”, afirma o ambientalista Jorge Gonda, novo presidente da Fundação para Conservação da Natureza de MS (Fuconams).

Ele assumiu a organização não-governamental (ONG) depois que Francelmo, no último dia 12, estendeu dois colchonetes em forma de cruz na calçada, ensopou-os com dois galões de gasolina, enrolou-se neles e ateou fogo. A morte do ambientalista, um dia depois, deu visibilidade nacional ao tema. “O Pantanal é uma área única no planeta e merece todos os esforços de conservação e preservação do seu ecossistema. A gente sabe que tudo que ocorre no planalto, nas áreas da borda do Pantanal, leva reflexo para a planície do local”, argumenta César Victor do Espirito Santo, secretário-executivo da Rede Cerrado de ONGs ambientais.

Com a morte de Francelmo, Marina Silva engrossou o coro dos ambientalistas e se posicionou imediatamente contrária à proposta. Ela esteve em Campo Grande para prestar solidariedade à família do militante e disse que o ministério é contra o projeto porque ele ameaça rios do Pantanal e fere a legislação que veta licenças para instalação de usinas na região. A resposta à Marina também foi imediata.

Críticas

Zeca do PT acusou a ministra de ir a Campo Grande “falar besteira” ao se manifestar contra a instalação de usinas de álcool na região do entorno do Pantanal. Zeca afirmou que Marina não conhece o Pantanal e tem apenas uma “visão amazônica”. A ministra não foi recebida por Zeca, que descansava justamente no Pantanal. O projeto, que se aprovado abrirá espaço às usinas, foi enviado em agosto à Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul pelo governador.

“Foi rude a forma como ele se posicionou. Antes de dizer se a ministra tem visão ou não do Pantanal, deveria ser discutido se essa resolução vai ser alterada ou não. Uma lei estadual não pode alterar uma resolução do Conama”, afirma Ricardo Bonfim Machado, diretor do programa do cerrado da ONG Conservação Internacional. “Para que ele leve a cabo esse processo, ele tem primeiro que, como homem público, observar o que a lei permite fazer. Por mais que seja uma atividade que vá criar emprego, ele não pode interpretar o seu interesse sem pesar o lado ambiental.”

Entenda a polêmica

O projeto

c O projeto de lei nº 170/05 propõe ampliar a área do estado do Mato Grosso do Sul com permissão para a instalação de usinas de açúcar e álcool. Desde 1982, as usinas não podem ser instaladas no Alto Rio Paraguai, que é a área escolhida pelo governador do estado Zeca do PT para instalar as usinas. Além disso, a resolução 001/85 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) suspende a concessão de licenças ambientais para usinas instaladas nas bacias que formam o Pantanal.

Por que é proibido

A proibição existe hoje por causa de acidentes com usinas na região, ocorridos no início dos anos de 1980. Foi estabelecida pela Lei nº328, de 1982, que protege a Bacia Hidrográfica Rio Paraguai. A Constituição Federal, de 1988, também restringe empreendimentos no Pantanal, classificado como patrimônio federal.

Como funciona agora

Atualmente existem algumas usinas, instaladas antes da proibição, mas elas não podem ser ampliadas e têm restrições no seu funcionamento. Apesar de se tratar de uma região externa ao Pantanal (o chamado peri-Pantanal), o Conama e os ambientalistas argumentam que qualquer acidente afetará o ecossistema, através dos rios da bacia do Alto Paraguai

Ponto a ponto – Jorge Gonda

“A morte não será em vão”

A morte do ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Francelmo, representou para seus colegas a chance de fortalecer o debate contra o governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT. Em uma carta de protesto, Anselmo escolheu seu amigo Jorge Gonda para substituí-lo à frente da Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul (Fuconams). “Acho que temos 70% de chance de barrar o texto. Se fosse antes da morte de Anselmo, talvez fosse diferente”, afirma, em entrevista ao Correio.

Ilegalidade

O governador mantém a disposição de encaminhar o projeto. Alguns integrantes da Comissão de Constituição e Justiça nos apoiam na tese de que a proposta é inconstitucional por causa da resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de 1985. Então não tem o que discutir.

Chance

Acho que temos 70% de chance de barrar o texto. Se fosse antes da morte do Anselmo, talvez fosse diferente. Tem muito parlamentar que poderia votar sem nem refletir sobre o assunto só porque o governador é favorável. Agora, ninguém vai votar de qualquer jeito.

Enganação

O argumento do governador é mentiroso. O plantio da cana não vai representar mais empregos. Isso é enganação. Para que a cana-de-açúcar garanta empregos, é necessário que a colheita seja manual. Mas esse tipo de colheita exige antes a queima do canavial, que é proibida. Então, todo processo será mecanizado.

Sacrifício

A decisão de Anselmo foi compreendida por todos os que acompanharam os mais de 30 anos de luta. Ele se sentiu impotente e, para ele, o meio ambiente é mais importante que tudo. Ele repetia sempre que se não podemos votar, como fazem os parlamentares, nossa saída é dar a vida.

Resultados

A morte de Anselmo, meu grande amigo, não foi e nem será em vão. A luta ambientalista no estado vai crescer, e um dia o povo vai ver o valor do que ele fez pela natureza. (EK)