Mercado

Uma transformação essencial

Na década de 1990, a Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), em benefício de várias empresas do setor sucroalcooleiro, propôs uma ação judicial ordinária de caráter indenizatório contra a União, pelos prejuízos sofridos em decorrência das diferenças de preços praticados no mercado de cana-de-açúcar. Tais valores foram apurados pelos índices oficiais do açúcar e do álcool e fixados pelo extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) abaixo dos níveis exigíveis, em função da aplicação dos critérios legais nos termos da Lei 4.870, de 1965.

Para entender melhor o assunto, toda essa celeuma decorreu a partir da criação do IAA, em 1933, tendo por principais objetivos resolver os problemas de superprodução da agroindústria canavieira, por meio de planejamento e controle anual da produção, e ainda adequar as necessidades do consumo interno e externo. Outra função da autarquia era a de organizar as bases para o aumento da produção alcooleira nacional, por meio de financiamentos de destilarias anexas às usinas de açúcar.

Anos depois foi atribuída à autarquia a competência de apurar os preços a serem praticados pelo mercado, de acordo com o levantamento de custos de produção agrícola e industrial. Para tanto, era determinada uma função custo, valorizada anualmente por meio de pesquisas contábeis e de outras técnicas complementares.

Por essa razão, era função do IAA agenciar de maneira permanente o levantamento de custos de produção, tendo em vista conhecer as variações que ocorreram, ficando tal responsabilidade, por fim, a cargo desse órgão especializado na padronização obrigatória da contabilidade do setor produtor de açúcar e etanol.

No cumprimento de suas competências legais de fixação de preço, o IAA, entre 1985 e 1989, não considerou os índices oficiais de variação de preços apurados pela Fundação Getulio Vargas, o que acabou por gerar uma série de prejuízos efetivos para as empresas do setor sucroalcooleiro, os quais foram pleiteados por elas a título de indenização contra a União.

O IAA foi extinto em 1990, ocasião em que toda oferta e demanda de produtos e matérias-primas ligadas ao setor passaram a ser reguladas pelos critérios de livre mercado.

Por todo esse contexto, coube aos advogados evocarem o Poder Judiciário, tendo como principal objetivo elucidar todo o conjunto de normas que envolvem esse assunto e, mais do que isso, equacionar teses conflitantes, com foco principal na área tributária envolvendo o setor sucroalcooleiro.

Alguns pedidos obtiveram sentença de mérito favorável em todas as instâncias, tendo a decisão final transitado em julgado, tornando-a imutável, ou seja, não sendo mais passível de recursos pela União. Entretanto, o valor total da ação encontra-se em discussão na ação rescisória (suspensa), bem como em face de embargos à execução da União, que está questionando os critérios adotados para o cálculo das referidas verbas.

Vale ressaltar que até hoje a maioria das empresas ainda não conseguiu obter êxito em suas demandas. Ou seja, há anos que essa demanda tramita nos tribunais sem uma decisão definitiva. A razão? Várias, como veremos adiante.

Não vamos aqui debater questões de natureza jurídica, tributária/fiscal sobre a incidência dos tributos, ou a da ação propriamente dita (se de caráter indenizatório ou não), até porque são temas extremamente controversos e sujeitos a diferentes interpretações no âmbito da legislação. A finalidade deste artigo é tentar mostrar as dificuldades que o Judiciário, uma das nossas mais importantes instituições, enfrenta, não por vontade própria, mas pela sua estrutura formada ao longo dos anos, ou seja, sem que houvesse uma reforma nos códigos processuais. Essa concepção de gestão institucional acaba por convergir numa ampliação e percepção relacionada aos riscos jurídicos em razão da demora no julgamento de questões importantes como a citada, que envolvem grandes montantes de recursos, provocando efeitos danosos ao que chamamos de custo Brasil.

O posicionamento do setor sucroalcooleiro é hoje um dos mais estratégicos do agronegócio nacional. Isso importa dizer que, caso o desfecho da ação venha a ser favorável ao setor, haverá ainda mais capacidade de expansão, possibilitando outras ramificações que futuramente poderão interagir com outras atividades e atrair outros potenciais investimentos para o país. Exemplos não faltam. O etanol, como combustível renovável, tornou-se uma grande realidade. Somos competitivos e temos capacidade de abastecer o mercado. Utilizamos tecnologia brasileira criando milhares de empregos e economizando divisas.

Apesar disso tudo, voltando à questão do IAA, temos uma disputa acirrada na Justiça, que envolve bilhões de reais. Inúmeros são os motivos que justificam a demora. Um deles, pelos enfrentamentos no próprio Sistema Judiciário Nacional e a complexa organização do arcabouço legal brasileiro. Há outros que envolvem determinadas circunstâncias externas, diante de intervenções ou determinações vindas dos demais poderes da União e de terceiros. Todas essas casualidades estimulam a morosidade e contribuem para agravar o problema.

Todas as instâncias e poderes são de extrema importância para as instituições no país. Por essa razão, o ideal seria simplificar uma série de trâmites, ou seja, um emaranhado de recursos jurídicos que atravancam os processos jurisdicionais. Urge que seja feita uma reestruturação geral, de maneira a que se possa ter uma gestão eficiente de questões importantes, e até mesmo das mais simples, que, no somatório de iniciativas, interna e externamente, esteja alinhada à utilização de instrumentos e ferramentas que possam atender às necessidades de toda a coletividade dentro de um tempo razoável.

Apesar de todo o comprometimento do Judiciário, dos valores e ânimos individuais dos magistrados e do devotamento coletivo da sociedade, o que há para celebrar? Quando submergimos em nosso rumo e perdemos as rédeas para que chegássemos a este ponto?

A transformação da cultura e o aprimoramento que as instituições podem promover para o aperfeiçoamento da Justiça são as primeiras e imprescindíveis providências a serem adotadas. O incentivo à criatividade, à inovação e ao uso das tecnologias aponta para o caminho correto. É necessário que Judiciário disponha de capacidade para estabelecer regras e critérios de tolerância no sentido de incentivar a celeridade dos processos de maneira ordenada, a fim de evitar que inúmeros artifícios possam ser utilizados prejudicando sistematicamente o andamento e a eficiência da prestação jurisdicional.

Fato também é que o Poder Judiciário tem estado atento a esse contexto e vem envidando esforços internos e externos, fazendo-se presente e atuante nesse panorama como um intérprete ativo no processo de mudanças sociais.

Conclamamos, portanto, os nobres juízes, que muito labutam no seu dia a dia, a abraçarem a revolução tão necessária para que nossa Justiça avance para um novo patamar, com toda a vontade e liderança que lhes é característica, diante de seu reconhecido notório saber, respeito e ética, o que nos permitirá eliminar problemas como o descrito, que podem afetar profundamente setores inteiros da economia brasileira.

* Sócio da área de tributos da KPMG

em Ribeirão Preto.