Brasília, Ministro de Minas e Energia entre janeiro de 1999 e fevereiro de 2001, o senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA) é autor de um projeto estabelecendo marco regulatório independente para o setor de gás natural. O transporte de gás, segundo ele, é o segmento que mais necessita de atenção pois oferece atualmente menos segurança ao investidor. Nessa entrevista Tourinho diz que a única solução para garantir a expansão da capacidade de geração no curto e médio prazo é a retomada do programa de termeletricidade e o início de um esforço de guerra para a exploração de reservas de gás natural.
Gazeta Mercantil – – Por que o gás natural precisa de um marco regulatório independente? A Lei do Petróleo não é suficiente?
Rodolpho Tourinho – Em primeiro lugar, o gás é diferente do petróleo. O petróleo é uma commodity e o gás, não. Então, tem que se separar essas duas coisas para que fique clara a legislação de uma e de outra. Petróleo e gás apenas se confundem, ou podem ter a mesma legislação na exploração e produção. A grande mudança que meu projeto faz é na área de transporte.
Gazeta Mercantil – Qual é a deficiência que o segmento de transporte de gás tem?
Tourinho – Para serem feitos, os gasodutos de transporte e armazenagem dependem de autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No meu Projeto de Lei não é uma autorização. É uma concessão que será dada pela ANP porque a autorização é um regime jurídico muito fraco. Da mesma forma que ela é dada, ela pode ser retirada. A autorização não tem pré-requisitos mínimos de investimentos e uma série de coisas que na concessão garantem segurança ao investidor. As mudanças são para os gasodutos de transporte e armazenagem. Minha proposta estabelece também o projeto de livre acesso: quem quiser transportar o gás poderá transportar. Hoje, para transportar o gás tem que sentar junto com a Petrobras e se submeter às condições dela.
Gazeta Mercantil – O ministério de Minas e Energia anunciou que em breve também enviará ao Congresso um Projeto de Lei para formatar um modelo para o setor de gás. Como o sr. analisa essa iniciativa?
Acho discutível. A única chance de você trazer investidores privados é aprovar um Projeto de Lei que reflita as necessidades do mercado. Esse meu projeto reflete essas necessidades e, por isso, acho que ele é que deveria ser discutido. Se eles (governo) querem apresentar um outro projeto, significa que eles vão trazer um projeto com a visão errada. Ou seja, com a visão outra vez da Petrobras. Existe a visão de mercado ou de monopólio. O que me parece é que eles querem manter todos os privilégios e a posição da Petrobras.
Gazeta Mercantil – O projeto do sr. envolve uma das fontes de geração de energia, que é a queima de gás em termelétricas. Qual a importância das termelétricas para o sistema elétrico?
Entre 1999 e 2000, foi lançado o Plano Prioritário de Termoeletricidade (PPT) por que o País tinha necessidade de instalar nos quatro anos seguintes cerca de 26 mil MW para atender a demanda projetada de energia. Existiam obras em andamento que garantiriam 15 mil MW, então sobravam 11 mil MW que precisavam ser feitos de qualquer maneira. Fazer em quatro anos 11 mil MW, o que equivale à Itaipu, só através de termoeletricidade porque não se faz 11 mil MW de hidrelétricas em quatro anos. Então, daí a opção pela termoeletricidade. E só podia ser a gás porque nós não temos carvão suficiente.
Gazeta Mercantil – Mas o racionamento ocorreu…
O País não tinha cultura de gás. E existem problemas que continuam até hoje, como o gás ser comprado em dólar e a energia vendida em real. Não há ainda uma regra para autorizar passar uma eventual desvalorização cambial para a tarifa. Na verdade, isso atrapalhou muito o PPT. A rigor, esse programa deveria ter sido lançado pelo menos dois anos antes para evitar qualquer tipo de problema, o que, aliás, acabou acontecendo.
Gazeta Mercantil – E como o sr. vê a atual situação do sistema elétrico?
Hoje, a situação é muito similar àquela de 1999 porque o governo vai fazer o leilão de energia nova no final do ano e são necessários pelo menos seis meses para montar um projeto financeiro e iniciar uma obra, o que deverá ocorrer em meados de 2006. Então, terá somente três anos e meio para construir cerca de 3 mil MW. Não existe alternativa, pois em três anos e meio não se faz uma hidrelétrica. Terá que cair outra vez no programa de termeletricidade, só que dessa vez há o problema do gás. Acho que a nossa vocação é de hidreletricidade e deve continuar assim porque é uma energia mais barata. Mas, as termelétricas têm esse papel para a confiabilidade e segurança do sistema.
Gazeta Mercantil – Qual é a avaliação do sistema elétrico quanto à confiabilidade?
O sistema de distribuição funciona. O sistema de transmissão, que foi montado em forma de leilão no governo anterior, é um sucesso. Eu só sou contra quando as estatais participam diretamente dos leilões para fazer linhas de transmissão. Acho que elas só devem participar se e quando a iniciativa privada não quiser. Essa é uma área que tem atraído a iniciativa privada e não precisa que o governo gaste dinheiro com isso, deve reservar para geração. O governo tem que investir mais em geração.
Gazeta Mercantil – Há alguma diferença entre o cenário atual e o de 1999?
A primeira é que hoje há uma cultura maior de gás que não tinha no passado, apesar de os mesmo problemas persistirem. E a situação dos reservatórios é, evidentemente, muito melhor do que era antes. Mas, situação de reservatórios depende de chuvas.
Gazeta Mercantil – Então, se entrarmos em um período de seca e o nível dos reservatórios caírem, poderemos ter outro racionamento?
Com o aumento da a capacidade de geração, não.
Gazeta Mercantil – O sr. falou do problema de oferta de gás. O que o País pode fazer?
Por causa do problema na Bolívia, o Brasil tem que fazer um verdadeiro esforço de guerra em cima do Campo de Mexilhão para que ele venha a produzir. Não só Mexilhão, mas também em outras áreas.
Gazeta Mercantil – O ex-ministro interino de Minas e Energia Maurício Tolmasquim, demonstrou otimismo com o potencial de geração das térmicas a bagaço de cana-de-açúcar. Seriam uma opção para substituir as termelétricas a gás?
A geração térmica a biomassa só pode ser vista como uma coisa complementar. Nunca para ser a principal fonte de aumento de capacidade de geração do País. Como algo complementar, pequeno, é viável. Evidentemente que, além disso, há o problema de financiamento. Esse problema já existe no caso das térmicas a gás, mas para o bagaço de cana-de-açúcar se agrava. Não acho que é por aí que se vai resolver o problema de energia do País.
Gazeta Mercantil – O sr. foi ministro em uma época em que o sistema passou por um momento delicado, o do racionamento. Quais as lições que tivemos?
A primeira lição é que não se pode imaginar que o mercado resolverá os problemas de infra-estrutura do País. Em segundo lugar, é necessário recuperar o conceito de que o governo precisa investir, sobretudo na área de energia. Um outro ponto é a questão regulatória. Problemas regulatórios que existiam no passado continuam pendentes até hoje. Um deles é de passar a variação cambial do gás para o preço da energia em real.
Gazeta Mercantil – Em relação ao órgão regulador do setor, o sr. acha que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sob a gestão de Jerson Kelman tem uma maior sintonia com a iniciativa privada?
Acho que sim. O anterior também tinha. O grande problema da Aneel, que foi uma das causas que agravou toda a crise (racionamento), é que ela tinha autonomia demais. Não só a diretoria, mas a própria estrutura e superintendências tinham uma autonomia muito grande. As discussões eram infindáveis, não se chegava a uma posição final. O tempo mostrou que essas posições eram erradas. Hoje, há um comando mais forte dentro da agência.