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"Uma energia que interessa ao planeta"

O presidente da CPFL Energia, Wilson Ferreira Jr, diz que o Brasil tem um potencial hidrelétrico de cerca de 240 mil megawatts, mas até hoje só desenvolveu usinas para aproveitar 80 mil megawatts.

“Apesar de haver ainda um grande potencial, isso não nos dá o direito de acabar com toda a energia rapidamente”, ressalva.

Ao longo da entrevista, ele frisou a necessidade do aproveitamento e do consumo racionais de um recurso que classificou de finito. E a CPFL, segundo Wilson, está fazendo sua parte para reduzir impactos ambientais.

A companhia, que distribui energia a 6,4 milhões de pessoas em quatro estados (São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul) e também atua na área de geração (com 38 usinas), fechou uma termoelétrica, modernizou centrais hidrelétricas antigas e está investindo em geração de bioenergia (a partir do bagaço da cana). Já negociou mais de 4,1 milhões de euros em créditos de carbono e está patrocinando o desenvolvimento de uma moto elétrica.

O GLOBO: A CPFL criou a CPFL Bioenergia, para obter energia da cana, uma fonte renovável. O meio ambiente é uma preocupação para uma empresa do setor elétrico no Brasil? WILSON FERREIRA JR: Uma companhia de energia tem, sim, uma preocupação enorme com a utilização prudente, adequada e otimizada dos recursos naturais. Ela tem a sua perspectiva de crescimento e, evidentemente, deve fazê-lo de forma sustentável. Isso é algo que faz parte das nossas preocupações. Nosso grupo tem 33 pequenas centrais hidrelétricas, na sua grande maioria do começo do século passado, e talvez a grande contribuição que tenhamos dado a esse processo foi a repotenciação.

O que é isso? WILSON: Essas usinas usavam a tecnologia da época. E o fato é que a tecnologia das turbinas avançou bastante. Hoje é possível, com o mesmo volume de água, gerar mais energia. Quando criamos a CPFL Geração de Energia, partimos para a repotenciação, que, em princípio, é uma troca de equipamentos mais antigos por novos.

Aumentamos em cerca de 40% a produção de energia. De 2000 para cá fizemos isso em sete usinas e estamos com três em processo. Adotamos um conjunto de iniciativas em prol da sustentabilidade e da conservação do meio ambiente, entre elas a interrupção do funcionamento de uma termoelétrica, em Americana (SP). Trata-se de eficiência na produção com o menor impacto ambiental possível.

Em vez de se construir novas usinas, as que já existem passam pela repotenciação…

WILSON: Isso. Por outro lado, tem o crédito de carbono. Se você consegue gerar mais energia sem emissão de gases do efeito estufa, fica credor dessa quantidade de carbono que deixou de emitir. Você consegue o crédito também se faz uma usina que gera mais energia com menos área inundada. Foi exatamente o que aconteceu em Ceran (Companhia Energética Rio das Antas, no Rio Grande do Sul), onde temos três usinas. Todos os créditos que tivemos reconhecidos nós já vendemos. O nosso interesse principal é que esses créditos determinem a continuidade dos investimentos nessa área.

Dentro desse cenário, por que foi criada então a CPFL Bioenergia? WILSON: Desde 87, a nossa companhia faz uma experiência no sentido da cogeração de energia elétrica. O que é isso? Para você produzir açúcar e álcool, precisa moer a cana-de-açúcar. Sobra o bagaço, que, se ficar no meio ambiente, tem uma emissão de carbono residual. Então, você queima o bagaço para produzir energia. Agora, o balanço de uma usina de cana com a cogeração de energia em comparação com uma sem a cogeração é positivo, ou seja, há menor emissão de gases. Um terço mais ou menos do que a usina de cana produz de energia ela usa nela própria, eliminando a compra da distribuidora, ficando autossuficiente. Os dois terços que sobram ela vende para a gente. Assinamos contratos para a compra dessa energia com várias empresas. Um monte de usinas de energia foi construído. Tem muitas vantagens. Dá direito a crédito de carbono, a maior parte dos equipamentos é brasileira, é uma fonte renovável de energia, uma energia que interessa ao planeta… No entanto, mesmo com essas vantagens, não foram todos os usineiros que instalaram usinas de energia. Então criamos a CPFL Bioenergia. Agora, nós mesmos instalamos a usina.

Aí a CPFL é um investidor, tem um comodato na planta do usineiro, damos a ele essa autossuficiência. Ele elimina sua conta de energia e se compromete a nos dar o bagaço de cana.

Como é o projeto da moto elétrica em que a CPFL está investindo? WILSON: Um dos itens do nosso programa de neutralização de emissão de carbono é o uso veicular. Nós temos 2.500 veículos e 400 motocicletas. Itaipu desenvolveu um veículo elétrico, um Palio Weekend, e nós fomos os primeiros usuários. Mas no caso da moto elétrica o uso é mais simplificado.

Por quê? WILSON: Porque o desafio do transporte elétrico é o da bateria. Basicamente em relação ao que ela é capaz de gerar e, mais que isso, o peso dela.

Para se ter uma grande autonomia é necessária uma bateria mais pesada? WILSON: Exatamente. No caso da moto é mais fácil você fazer esse desenvolvimento do que no carro. No carro, eu não tenho como tirar a bateria para colocar outra no lugar, pois ele funciona com várias. Mas na moto provavelmente eu conseguirei fazer isso. A autonomia termina com 50, 60, 80 quilômetros rodados, que é o que a gente já conseguiu avaliar. Aí você põe a bateria para recarregar, bota outra na moto e segue seu trabalho. Essa pesquisa está sendo desenvolvida pelo Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE) e pela Unicamp. Hoje, o custo do quilômetro rodado com essas motocicletas elétricas é metade do das motos a gasolina.

Em que pé está o projeto? WILSON: Estamos na fase de homologação de uma motocicleta que atenda às nossas necessidades. O projeto é iniciativa nossa e vamos investir mais ou menos um milhão de reais para chegar à homologação de um modelo. Aí depois compraremos as motos para a nossa frota. Nós esperamos ter já em 2009 algumas motos para experiências mais prolongadas Saindo da área ambiental, a CPFL fez um programa de revitalização de hospitais filantrópicos em São Paulo, transmitindo conhecimentos de gestão para uma administração mais eficiente. Qual a importância de uma grande empresa transferir ferramentas de gestão para a cadeia de valor? WILSON: A importância é a seguinte: dois terços dos meus clientes são atendidos por esse tipo de hospital. Esse é o agente responsável por manter a saúde dos meus clientes. O modelo de negócios da CPFL é de escala. Nós atendemos hoje 6,4 milhões de clientes através de oito distribuidoras. Qual é a lógica disso tudo? É a lógica de comprar em volume, por exemplo. Se isso é possível numa empresa de energia, deveria ser possível também nos hospitais. O cliente quer basicamente mais qualidade com menor custo. É uma lógica de eficiência, de racionalidade de custos, de produtividade, de melhores práticas. Se eu vou comprar remédio, porque não me junto com três, dez, 20 hospitais e negocio o produto? Se preciso de manutenção, por que não assino um convênio com uma universidade e fazemos todos com ela? Esse programa lembra o Tear, do Ethos…

WILSON: É isso mesmo. Qual é o conceito da sustentabilidade? A sustentabilidade tem que perpassar a cadeia inteira. Não adianta ficar só na gente. Sustentabilidade não é uma coisa individual.

Temos um programa na linha do realizado com os hospitais, porém menor, o Conhecer e Crescer, que é o compartilhamento de técnicas com pequenas e médias empresas. Por que isso? Porque esse cara, se for melhor, não vai empregar mais gente? Não vai reduzir um problema social? Não vai consumir mais energia, teoricamente? Se ele for mais responsável, não vai ser melhor para todos nós? O que a CPFL tem feito no campo da eficiência energética? WILSON: Tem umas coisas bacanas. Iluminação pública, por exemplo, eu gosto muito desse tema por causa do aspecto da segurança. Nós melhoramos muito a iluminação pública.

Campinas é um exemplo bom disso. Lá trocamos praticamente todas as lâmpada de mercúrio por sódio e este ano (2008) terminam os pontos escuros da cidade. Trocamos lâmpadas incandescentes por fluorescentes compactas nas casas do pessoal de baixa renda. Também trocamos as geladeiras velhas, que consomem mais energia, por novas. Levamos ainda a eficiência energética a hospitais, trocando a iluminação, verificando o que estava errado nas instalações elétricas. Isso faz com que o hospital consuma menos energia e tenha uma conta menor.

Mas não seria mais interessante para a CPFL se a conta fosse maior? WILSON: Não, não seria. Eu só quero ter uma conta maior quando o cliente estiver agregando valor à sociedade. Quando ele está simplesmente consumindo um recurso da sociedade, isso não torna nossa empresa sustentável, nem a ele.

Consumo é usar aquilo que você realmente precisa, da melhor forma possível. Porque isso é um recurso finito, é um recurso da sociedade que você não pode gastar de qualquer jeito, senão você compromete a vida do seu filho lá na frente.