Em 2006, o déficit em transações correntes dos Estados Unidos bateu na casa dos US$ 800 bilhões. Qualquer outro país, com um “buraco” externo dessa magnitude teria sofrido um ataque contra sua moeda. No entanto, apesar dos augúrios, não parece estar à vista uma derrocada do dólar. O economista Brad Setser, em seu blog, procura mostrar que os alarmistas laboram em equívoco ao sustentar que os detentores de reservas elevadas estão dispostos a mover suas aplicações do dólar para o euro ou a libra. Não há evidência de que tal coisa tenha ocorrido, salvo no caso das reservas russas que, desde o segundo trimestre de 2006, migraram da moeda americana para a européia.
Seja como for, o déficit americano e sua contrapartida – os saldos positivos dos ditos emergentes – estão a gerar cizânia entre os economistas americanos. O último combate colocou o vencedor do Nobel 2001, Michael Spence, frente à frente com Bradford De Long e o supramencionado Brad Setser.
As divergências se movem em torno das razões dos déficits e superávits crônicos: de um lado os partidários dos desequilíbrios entre poupança e investimento, de outro a turma dos preços relativos, isto é, os que acusam os parceiros superavitários de manipular a taxa de câmbio.
Sem menosprezar a importância do regime de câmbio administrado dos fanáticos exportadores do Oriente, o primeiro grupo reparte a responsabilidade entre dois vícios: a prodigalidade dos americanos que poupam menos do que investem e a sovinice dos superavitários (sobretudo, os asiáticos – não só a China, mas também o Japão e outros menos votados) que investem menos do que poupam. O segundo grupo sublinha a importância das estratégias de crescimento dos superavitários impulsionadas pela expansão das exportações e ancoradas na manipulação do câmbio.
A força do crédito e do dispêndio privado e público nos EUA tem como contrapartida as posições superavitárias em conta corrente e na conta de capitais.
Bernard Ber, consultor de investimentos, publicou no blog Prudent Bear um artigo interessante, intitulado “Crédito é a chave para a economia de hoje”. O autor constrói um organograma das relações entre os protagonistas dos processos de “desequilíbrio geral” da economia globalizada. Introduzi algumas modificações no modelo original.
Uma demonstração prática das relações entre hegemonia do dólar, expansão do crédito, valorização de ativos, inovações financeiras, crescimento econômico e inflação baixa nos Estados Unidos e na Ásia emergente. Ber coloca em relevo os elementos que, ao mesmo tempo, movem a expansão global e incitam os desequilíbrios. No centro estão a demanda e a oferta de crédito, ou seja, alavancagem das famílias e das empresas produtivas que gastam em consumo e investimento.
Os americanos gastam para adquirir produtos finais e bens intermediários baratos produzidos por empresas estrangeiras – muitas americanas – que buscam competir na arena global com a ajuda do câmbio desvalorizado e da oferta de mão-de-obra barata dos “produtivistas” da Ásia.
Os capitais especulativos apostam na valorização do yuan e tentam furar os controles impostos pelas autoridades chinesas. Mas seus efeitos monetários – juntamente com os saldos acumulados em conta corrente – são esterilizados mediante a emissão de títulos do Tesouro ou do Banco Central da China, justamente para impedir a valorização da moeda chinesa.
A força do crédito e do dispêndio privado e público nos Estados Unidos (os elementos “ativos” do macrossistema global) tem como contrapartida as posições superavitárias em conta corrente e na conta de capitais, bem como as reservas acumuladas nos emergentes. Esta é a “poupança” (o elemento passivo) que financia o déficit externo americano.