Ao apresentar ontem o novo projeto de reforma do regime açucareiro europeu, a comissária agrícola da União Européia (UE), Marianne Fisher Boel, pela primeira vez declarou explicitamente que o bloco “será forçado” a cortar suas exportações de açúcar em 4,6 milhões de toneladas – o que garantirá o aumento das vendas brasileiras no mercado mundial. Segundo ela, uma das razões para as mudanças propostas é o “claro veredicto” da Organização Mundial do Comércio (OMC) na disputa aberta pelo Brasil contra os subsídios da UE.
O anúncio de ontem foi entremeado de referências ao Brasil, apontado como o maior beneficiado com as perspectivas que se abrirão no mercado global do açúcar com a reforma européia. Conforme Jean-Louis Barjol, secretário-geral do Comitê Europeu de Fabricantes de Açúcar (Cefs), o projeto abre perspectiva de ganhos do Brasil em todos os flancos, porque “a comissão ignorou o pilar externo, de exportação e importação”.
Do lado externo, exemplifica, o Brasil será o primeiro fornecedor a ocupar o espaço aberto pelo corte de 4,6 milhões de toneladas das exportações européias anunciado. Mas ele alerta que a UE vai cortar as exportações não de uma vez, mas sim ao longo de quatro anos, período em que vigorará o fundo de reestruturação para os produtores menos competitivos fecharem suas usinas de açúcar. Além disso, estima Barjol, o projeto permitirá ganhos do Brasil pelo lado das importações européias. É que pela iniciativa “Everything but arms” (tudo menos armas), os países mais pobres terão acesso ilimitado à tarifa zero a partir de 2009 no mercado europeu. Pelos cálculos da Comissão Européia, a entrada de açúcar desses países vai passar das atuais 300 mil toneladas para 2,2 milhões de toneladas em 2009.
“Esse aumento de importações será um verdadeiro cavalo de tróia para o açúcar brasileiro, porque os países pobres vão importar o açúcar do Brasil para reexportar ao mercado europeu”, acredita Barjol. “Vamos fazer pressão para a Comissão Européia fechar essa brecha para a triangulação”. Para Boel, é justamente por causa da decisão da OMC contra os subsídios europeus e da liberalização aos países mais pobres que sua proposta de reforma precisa ser aprovada. No Parlamento, ela exemplificou que os subsídios à exportação de açúcar “engolem” US$ 1,2 bilhão por ano. Insistiu que a reforma levará os produtores europeus a serem mais competitivos no longo prazo, mas advertiu: “Nunca seremos capazes de oferecer preços mais baixos que os brasileiros, apoiados como eles são pelos enormes recursos de terra e trabalho”.
A aprovação da reforma vai demorar. Precisará passar por enormes compromissos políticos e nada assegura que ela será como foi apresentada. Mas os europeus não têm duvidas de que, se o Brasil é o grande ganhador, os países ACP (África, Caribe e Pacifico) são os maiores perdedores. Os ACP exportam atualmente 1,3 milhão de toneladas para o mercado europeu por um preço três vezes maior que o praticado no mercado internacional. Pela reforma, o corte nesses preços que recebem será de 39%. Embora Bruxelas diga que os ACP serão compensados, a Cefs, por exemplo, não vê sinais disso.