Na Europa, a tomada de Pernambuco ecoou como uma boa-nova e veio a despertar a atenção dos judeus portugueses (sefardins) e alguns poucos migrados da Polônia e da Alemanha (askenazins), que logo se apressaram em deixar os Países Baixos e vir tentar a sorte em terras do Nordeste do Brasil.
Graças, sobretudo, à tolerância religiosa garantida nos domínios dos Países Baixos pelo “Regimento do governo das praças conquistadas, ou que foram conquistadas, concedido pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais”, datado da Haia, 13 de outubro de 1629, permitia-se aos que residiam nas terras aonde se viesse a estabelecer a soberania holandesa, quer fossem espanhóis, portugueses e nativos, católicos ou judeus, “que não sejam molestados ou sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas particulares”.1
A maioria dos judeus foi da Holanda para o Brasil. Alguns de nacionalidade portuguesa simularam a fé cristã sob o domínio do rei de Espanha. Agora, livres do rigor papista [Tribunal da Inquisição], associam-se abertamente aos judeus, sob um dominador mais indulgente, prova evidente de que, pelo terror, se provoca a hipocrisia e se criam adoradores da realeza, mas não de Deus.2
A situação desses judeus, estabelecidos em Amsterdã e em outras localidades dos Países Baixos, era, por vezes, de extrema penúria, como bem demonstra Elias Lipiner: 3
A liberdade religiosa concedida aos judeus na Holanda atraía para esse asilo os fugitivos da Inquisição em número constantemente crescente. Aumentava, em conseqüência, na mesma proporção, a quantidade de pessoas necessitadas. Cabe lembrar aqui que entre as associações judaicas existentes em Amsterdã nos séculos XVII e XVIII, a maioria visava ao socorro dos pobres. As denominações hebraicas destas associações revelavam as suas finalidades beneficentes: Avi-Ydthomim (Pai dos Órfãos), Avodáth-Hakhéssed (Ação Caritativa), Baalé-Zedaká (Os Benfeitores), Bikúr-Kholim (Auxílio aos Doentes), Khonén-Dalim (Protetor dos Pobres), Éven-Yekará (Pedra Preciosa), Guevúl-Almaná (Asilo dasViúvas), Guemilúth-Khassidim (Obra Beneficente), Maassim Tovim (Ações Boas), Maréi-Néfesh (Pessoas Aflitas), Maskil-el-Dal (Protetor dos Necessitados), Mezón-Habanóth (Alimentação das Órfãs), Meli-Zedaká (Roupas para os pobres), Menakhém-Avelim (Consolo aos Enlutados), Mishéneth-Zekenim (Amparo aos Velhos), Móhar-Habethulóth (Dote para as Donzelas), Nothén-Lékhem-Ladái (Pão para o Pobre), Ozér-Dalim (Auxílio aos Pobres), etc.
A situação de extrema pobreza dos judeus de Amsterdã continuou nos séculos que se seguiram, para isso cita Elias Lipiner o opúsculo do filósofo e economista judeu holandês Isaac de Pinto (1715-1787) que, ao analisar o quadro destaca as “800 famílias que vivem ou morrem a nosso cargo”, aconselhando uma emigração organizada a ser conduzida ao “Suriname, Curaçau, Jamaica, Barbados e outras colônias da América, onde já existissem comunidades judaicas”. Deixa de mencionar o Brasil, visto que a comunidade formada na primeira metade do século XVII, havia sido extinta, quando da expulsão dos holandeses em 1654, tendo alguns dos seus moradores fundado as comunidades judaicas do Suriname, Curaçao, Barbados e outras localizadas na América Central, além da comunidade da Nova Amsterdã, que era o primitivo nome da cidade de Nova York.4
Aos judeus que aportavam no Brasil Holandês acrescente-se os nomes de alguns cristãos-novos que, residentes em Pernambuco há alguns anos, vieram a declarar publicamente a sua fé, fazendo-se circuncidar, dentre os quais Gaspar Francisco da Costa, Baltasar da Fonseca e seu filho, Vasco Fernandes [Brandão] e seus filhos, Miguel Rodrigues Mendes, Simão do Vale [Fonseca], Simão Drago e muitos outros.5
Consolidado o domínio holandês, em 1635, tornou-se cada vez maior o fluxo de judeus que atravessaram o Atlântico em busca de melhores dias, como se depreende do número de solicitações feitas ao Conselho Político da Companhia das Índias Ocidentais em Amsterdã, no período de 1º de janeiro de 1635 a 31 de dezembro de 1636, cujo único livro de atas se conservou até os nossos dias.6
Nasignificativa lista de judeus que solicitam transferência para a terra do açúcar, naqueles dois anos, trazendo consigo suas famílias, se destacam os requerimentos assinados por Abraão Serra, dois filhos e um irmão; Jacobus Abecanar, quatro filhos; Jacob Moreno, com a mulher, desejando estabelecer-se como cirurgião na Paraíba; Pedro de Lafaia, a mulher, dois sobrinhos e duas sobrinhas; a mulher e dois filhos de Diogo Peixoto , cujo marido já se encontrava no Recife; três ourives portugueses Moisés Neto, Isaac Navarro e Matatias Cohen; Arão Navarro e um criado; Miguel Rodrigues Mendes; Bento Rodrigues; Benjamim de Pina; João Carvalho; Abraão Cardoso e Isaac de Cáceres; Daniel Gabilho que ia ao Brasil a serviço de Duarte Saraiva; David Ferdinandus; Simão Gomes Dias e Jacob Serra, com mulheres, filhos e toda a mobília; Rodrigues da Costa e Moisés Franco de Wit; Abraão Serra e um filho de 16 anos; David Levy Bon Dio; Jacob Fundão; Abraão Gabai, com sua mulher, sua mãe e cinco filhos; Moisés Alves; Salvador de Andrade e Davi Gabai “seu camarada”; Isaac da Costa e seu primo Bento Osório; Simão Gomes Dias, sua mulher e uma criada; Jacob Serra e seu sobrinho, Mardocai Serra; Samuel Namias; Jacques Rodrigues e seu empregado; Jacob Rodrigues e Manuel Henriques, com o seu criado Moisés Rodrigues; os comerciantes David Atias, Jacob e Moisés Nunes.
Manuel Mendes Castro, que atendia pelo nome judaico de Manuel Nehemias, pretendia situar no Brasil Holandês uma colônia de 200 judeus, “entre ricos e pobres”. Os “colonos” vieram embarcados em dois navios, Soutcas e Graeuw Paert, fretados pela Câmara de Amsterdã, que aportaram no Recife em 5 de fevereiro de 1638. Em cartas ao Alto Conselho, datadas de 19 de março e 23 de maio daquele ano, o conde João Maurício de Nassau comunica a chegada daqueles colonos que, “em vez de se encaminharem para o seu destino, aqui se dispersaram e cada um tomou seu caminho, tendo falecido o chefe”.
Grande parte dos solicitantes pediam à Câmara de Amsterdã passagem gratuita, havendo alguns que se comprometiam em pagar as despesas de alimentação; sendo registrado casos de judeus que pagavam todas as suas despesas, como Duarte Saraiva que, em 1635, já se encontrava no Recife.