O TCU (Tribunal de Contas da União) condenou ontem o “mau uso” que o governo vem fazendo da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). O tribunal estima que, entre 2002 e 2004, 41% dos R$ 22 bilhões arrecadados com a contribuição não foram aplicados, engordando o superávit primário (receita menos despesas exceto juros da dívida) do governo federal.
A análise do TCU revela que, além do montante que ficou guardado no caixa do Tesouro Nacional, parcela do dinheiro foi usada para outras finalidades que não programas de transporte e meio ambiente. No período analisado, mais de R$ 1 bilhão foi gasto com com folha de pessoal e benefícios assistenciais -incluindo auxílios para transporte e alimentação.
Em sua decisão, o tribunal determinou que o Ministério do Planejamento, quando elaborar a proposta orçamentária anual, não aloque recursos da Cide em outros gastos que não programas de transporte e meio ambiente. O entendimento é que a origem do problema está no Orçamento, pois as despesas são pagas conforme nele está previsto.
O TCU também recomendou ao Planejamento e ao Ministério da Fazenda que excluam os programas e ações financiadas pela Cide dos cortes de gastos -os chamados contigenciamentos. Procurado pela Folha, o Planejamento informou que não se manifestará sobre a decisão enquanto não for notificado oficialmente.
A auditoria do TCU também mostra que R$ 657 milhões foram utilizados no período 2002-2004 para pagar juros e encargos de dívida. “Todos esses problemas forçosamente despertam um receio acerca da validade da cobrança dessa contribuição. (…) Não há qualquer merecimento numa tributação especial que se preste a proporcionar auxílio-alimentação”, afirma o relator do caso, ministro Marcos Vinicios Vilaça.
O TCU também concluiu que uma parte expressiva da receita da Cide é destinada a cobrir despesas do Ministério dos Transportes que antes eram pagas com outros impostos. Entre 2002 e 2004, R$ 10,59 bilhões da Cide substituíram outras fontes de recursos orçamentárias.
“A contribuição está servindo para proporcionar quase nada além do que já era feito com as receitas de que a União dispunha. (…) As sobras de recursos dão a impressão de que o encargo tributário lançado aos cidadãos está exagerado e desproporcional aos fins perseguidos. Talvez seja vista até como uma imposição abusiva”, diz o relator.
A Cide foi criada, por meio de emenda à Constituição, no final de 2001. Passou a vigorar em janeiro de 2002 para garantir investimentos na infra-estrutura de transportes e recuperar o meio ambiente danificado pelo uso de petróleo, gás e álcool.
O TCU já tinha apontado que o governo vinha desviando os recursos da Cide. Na análise das contas do governo federal de 2004, o próprio Vilaça já tinha alertado para a utilização dos recursos no superávit primário.
Em seu voto apresentado ontem, o ministro reconhece que alguns avanços foram feitos na execução dos recursos da Cide neste ano. “Houve avanços na administração da Cide-Combustíveis”, afirma Vilaça. Segundo ele, não foram alocados recursos na reserva de contingência -que acaba indo para o superávit primário-, nem em despesas que estranhas ao orçamento de infra-estrutura de transporte e meio ambiente.