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Sugestões dispensáveis

Está fazendo um ano que o ex-primeiro-ministro tailandês Supachai Panitchpakdi deixou a direção geral da OMC para assumir o cargo de diretor-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). Ao comentar, na quinta-feira passada, aspectos do relatório anual da Unctad sobre comércio e desenvolvimento, Supachai surpreendeu os que acompanham seu trabalho em organismos internacionais. Deixou claro que não mudou apenas de cargo. Mudou também, e muito, sua maneira de pensar.

Em junho de 2005, ao visitar São Paulo, o então diretor-geral da OMC mandou um recado forte aos países em desenvolvimento. Nas negociações para a maior abertura do comércio mundial, a União Européia e os EUA já tinham ido muito longe ao propor o fim dos subsídios à exportação e tinham o direito de esperar compensações dos países emergentes, disse Supachai.

Não era uma declaração diferente das que o diretor-geral da OMC fazia nas muitas reuniões realizadas durante sua gestão, iniciada em setembro de 2002, para destravar as negociações da Rodada Doha. Ele dizia que, para a Rodada avançar, os países emergentes, que exigiam maiores oportunidades de acesso ao mercado dos países ricos, também tinham de abrir mais seus mercados aos produtos, inclusive agrícolas, e aos serviços originários do Primeiro Mundo.

Muito diferente foi o que ele disse em Genebra, na semana passada, ao comentar o relatório da Unctad. Em sua opinião, para crescer mais depressa, os países em desenvolvimento precisam de “mais intervenções, mais uso de tarifas e mais políticas públicas”. Em outras palavras, governos mais ativos no campo econômico, um certo grau de protecionismo (tarifas de importação mais altas para determinados produtos) e vantagens tributárias para estimular investimentos “inovadores” – subsídios, em resumo – são necessários para impulsionar o crescimento e gerar empregos.

Esse receituário foi empregado no passado por diversos países, mas não produziu os resultados esperados. Ao contrário, retardou a modernização e o crescimento desses países, pois tolheu suas possibilidades de se integrar de maneira competitiva à economia mundial e os impediu de se beneficiar do progresso de outros países.

Mais estranho do que a prescrição de um receituário antiquado e ineficaz é o comentário de um dos autores do relatório da Unctad, o ex-vice-ministro de Finanças da Alemanha Heiner Flassbeck, sobre a economia brasileira. Por considerar “excessivamente ortodoxa” a política monetária praticada no Brasil, que identificou como responsável pelo baixo crescimento econômico, Flassbeck sugeriu que os brasileiros seguissem o exemplo da China e da Argentina. São dois países, disse ele, que crescem em ritmo intenso “em razão de medidas não-ortodoxas”.

Economistas de instituições internacionais deveriam pelo menos tentar entender as diferenças entre as economias que analisam e compreender suas peculiaridades, para não fazer propostas inadequadas ou chegar a conclusões absurdas.

O baixíssimo custo da mão-de-obra chinesa, que alimenta as suspeitas de utilização de trabalho escravo, a agressiva política comercial de Pequim, que muitas vezes ignora as regras internacionais, o imenso mercado doméstico, que assegura grande poder de barganha aos negociadores chineses, são fatores de que nenhum outro país dispõe para estimular seu crescimento.

O intenso ritmo de crescimento da Argentina, de sua parte, deve ser visto com cautela. Ele se dá sobre uma base muito deprimida pela longa estagnação vivida pelo país. Não há investimentos no volume necessário para assegurar a manutenção desse ritmo. A inflação real não aparece com nitidez nos índices oficiais, pois é mascarada pela política de controle de preços que o governo Kirchner impôs aos produtos que mais pesam nesses índices. E a Argentina só conseguiu algum fôlego financeiro depois que o governo impôs unilateralmente as condições de renegociação de sua dívida externa, o que afugentou investidores – ou seja, depois de dar um grande calote.

Será isso que a Unctad sugere que o Brasil faça?