A expansão da cultura da cana-de-açúcar é a nova pedra no caminho do governo para a execução do Plano Nacional de Reforma Agrária. Os bons negócios com o açúcar e o álcool no mercado interno e no exterior estão provocando a retomada dos investimentos no setor, a ampliação das áreas plantadas e a elevação do preço da terra.
No ritmo atual, de acordo com previsões de pesquisadores da iniciativa privada e do governo, a lavoura canavieira pode ter expansão de 40% nos próximos cinco anos. Passaria dos atuais 5,5 milhões de hectares plantados para 7,5 milhões. Isso significa o encolhimento de áreas consideradas improdutivas e propícias para reforma. Também é um freio no plano de comprar terras para o assentamento de famílias.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pretende ir ao mercado de terras especialmente nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Porque é nelas que os conflitos pela posse da terra estão ficando mais agudos. Mas também é nestas regiões que os preços mais sobem. Dos 2 milhões de hectares que podem ser invadidos por canaviais até 2009, cerca de 1 milhão está no Estado de São Paulo. A outra metade estende-se por Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas e Goiás, segundo o diretor técnico da União da Agroindústria Canavieira (Única), Antônio de Pádua Rodrigues.
Mas o fato mais desconfortável para defensores do modelo tradicional da reforma é o que se vê nos assentamentos perto de usinas de açúcar e álcool. Torna-se cada vez mais atraente para assentados arrendar terras a usineiros. Em alguns lugares, a associação com a agroindústria deu novo ânimo aos projetos de reforma agrária.
ORGULHO
Um caso notável está em Campo Florido, Minas, onde o assentado Anísio Gomes da Silva orgulha-se da alta produtividade obtida no canavial que ocupa parte de sua terra e dos vizinhos. “Isso aqui era cerrado bravo e hoje é terra tratada e muito produtiva, que rende quatro vezes mais”, disse ao Estado.
Na conflituosa região do Pontal do Paranapanema, no extremo-oeste de São Paulo, alguns assentados já têm longa experiência de trabalho com usinas. Outros preparam-se para entrar no negócio, que não pára de se expandir por ali. Passa de uma dezena o número de projetos de ampliação ou instalação de unidades de produção de açúcar e de álcool na região.
A Destilaria Alcidia foi a primeira a criar projetos com os assentados em Teodoro Sampaio e Euclides da Cunha, no Pontal. Seu diretor, Navarro Neto, mostrou ao Estado com números como a situação mudou: “No ano passado plantamos cana em 175 alqueires de assentamentos, em 162 lotes. Este ano saltamos para 325 alqueires e em abril chegaremos a 500.”
Não é isso o que preconiza o Movimento dos Sem-Terra (MST), o mais importante do País. Seus líderes criticam a expansão das monoculturas e culturas de exportação, como a cana e a soja – que exigem grandes extensões de terra. Para eles, a pequena propriedade deve ser destinada à produção de alimentos.
Diretor do Instituto de Economia Agrícola (IEA), Nelson Martins diz que o Brasil não enfrenta problemas na produção de alimentos desde os anos 70. “A dificuldade é a falta de renda”, explica. “Por isso é importante discutir maneiras de fazer com que milhares de assentados encontrem meios para viver com dignidade, sem depender de cesta básica. Nos lugares onde a agricultura familiar deu certo, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, ficou demonstrado o acerto da integração com a agroindústria.”
No novo cenário, em que a cana avança com o aumento do consumo do álcool combustível e as possibilidades de negócios com açúcar, parece cada vez mais improvável atingir a meta do governo de assentar 400 mil famílias até 2006. Na opinião de alguns assessores do governo nessa área, a meta já nem tem tanta importância. Para eles é melhor cuidar das famílias já assentadas.
No conjunto, a cana ajuda a mostrar que o dilema não é definir quem é a favor ou contra a reforma, mas sim de que tipo de reforma o País precisa.
(Colaboraram: Renato Alves e Homero Ferreira)