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SP: pesquisas garantem a atual geografia agrícola

Diante da possibilidade de aquecimento global – e das conseqüências para a humanidade – a agricultura brasileira recebe um alento. Empresas de pesquisa estatais e privadas estão desenvolvendo variedades adaptadas a ambientes mais quentes e tecnologias que minimizam os efeitos do calor.

“O setor de pesquisa está constantemente procurando a melhor variedade, que se adapte a mudanças climáticas, de solo, de precipitação”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), Iwao Miyamoto. Ele diz que as empresas não costumam divulgar as pesquisas antes do lançamento, mas existem variedades adaptadas ao clima árido do Nordeste e para solos altamente alcalinos.

Teoricamente, se depender das pesquisas, o mapa da agricultura brasileira não precisa mudar – só se quiser. O principal carro-chefe do agronegócio brasileiro, a soja, por exemplo, tem estudos para a adaptação à menor disponibilidade de água. A Embrapa Soja trabalha em duas frentes: tanto no manejo de solo quanto no desenvolvimento de uma cultivar adaptada a um ambiente mais hostil. A previsão é que esta variedade seja lançada em até oito anos. A pesquisa considera uma aumento de até 5ºC na temperatura, o que reduziria a disponibilidade de água no solo. “Nenhum modelo hoje prevê como será o regime de chuvas”, afirma José Renato Farias, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Soja.

Em Santa Catarina, a pesquisa atual tem sido na adaptação de macieiras adaptadas a menos períodos de frio. Segundo dados do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia (Ciram), em 60 anos, a temperatura média na região subiu 3ºC. O coordenador do Ciram, Hugo José Braga, diz que as variedades já existem – algumas já foram lançadas e outras estão em fase de pesquisa – mas que ainda não “caíram no gosto do consumidor”.

“Na cafeicultura, não temos como enxergar um cenário catastrófico, pois se acontecer o aquecimento, temos tecnologia”, diz Roberto Antônio Thomaziello, pesquisador do Centro de Café do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

Segundo Aymbiré Francisco de Almeida Fonseca, gerente-geral da Embrapa Café, há técnicas comprovadamente eficazes em uso, como a irrigação por aspersão e os sistemas de gotejamento ou microaspersão. Ele lembra que existem 103 espécies de café, sendo apenas duas cultivadas -as demais poderiam fornecer genes para pesquisas de resistência a pragas e ao clima. Outra adaptação é apontada por Romário Ferrão, pesquisador do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper): o cultivo de leguminosas junto com o cafezal para diminuir o nível de evaporação e aumentar a umidade no local. “Desde que seja plantado a meio metro dos pés de café, as duas culturas não competem”.

Aquecimento já é realidade

Na avaliação de Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Universidade Estadual de Campinas (Cepagri/Unicamp), o aquecimento global não é algo do futuro: já começou. “Nos últimos 70 anos, a temperatura no Rio Grande do Sul subiu 1,5 º C. Em Campinas (SP), esta elevação foi de 2,7º C em 119 anos”, alerta. Segundo ele, em nenhuma região no País houve declínio na temperatura.

Uma distribuição de chuvas mais irregular é a principal alteração climática observada em Mato Grosso, de acordo com Dario Hiromoto, diretor-superintendente da Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT). “Antes, os 100 milímetros de chuvas do mês vinham distribuídos em três ou quatro precipitações. Agora, vem tudo de uma vez. O solo encharca e depois fica seco”, explica.

Por conta dessa alteração, a pesquisa recomenda mudança na tecnologia de correção de solo no cerrado, com aprofundamento da adubação e inserção de matéria orgânica. A medida foi adotada pela SLC Agrícola em Mato Grosso e no Oeste Baiano. “A aração está sendo feita a uma profundidade de 40 centímetros, ante os 20 centímetros da técnica tradicional. O fertilizante também está sendo aplicado 15 centímetros abaixo do solo, o dobro da profundidade usada antes”, diz Aurélio Pavinato, diretor de Produção da empresa.

Produtor rural tem de agir como equipe de Fórmula 1

Apesar da preocupação com os efeitos da mudança no clima, produtores rurais – que testemunharam nas últimas décadas os avanços agronômicos trazidos pela pesquisa – parecem confiantes no desenvolvimento da tecnologia.

“Temos de ser como uma equipe de Fórmula 1, com pneu para chuva e para a seca. É preciso pesquisar tudo”, afirma o assessor da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus de Brito. Ele diz que a instituição tem acompanhado a discussão em relação às mudanças climáticas, mas que existem prognósticos diferentes. “A questão é que, apesar de estudos que prevêem aumento de até 2ºC, isso pode não se consolidar e pode acontecer o contrário. São prognósticos diferentes e a gente tem de estar preparado para todas as previsões: para o aquecimento e também para o esfriamento”, conclui.

Brito acrescenta que a ação da CNA em relação ao tema tem sido política: de cobrar mais recursos para o desenvolvimento de pesquisas. “O produtor, principalmente aquele que está há anos na mesma área, tem verificado variações climáticas abruptas, e se sente inseguro com estas questões. Por isso, o que podemos fazer é trazer ao produtor informação, mas não temos condições financeiras de fazer pesquisa”.

O produtor de café José Carlos Alves Pinto, de São Sebastião do Paraíso (MG), é um dos que acreditam que o aquecimento global é irreversível mas que, apesar disso, não está preocupado. “Existem algumas técnicas de manejo que reduzem a temperatura e até novas variedades mais resistentes”.

“Acreditamos que a magnitude da mudança climática não será maior que a magnitude do crescimento tecnológico”, diz Aurélio Pavinato, diretor de Produção do Grupo SLC Agrícola SA. A empresa tem investido em regiões que, na teoria, seriam afetadas de forma drástica. “O Nordeste, que já é seco, vai ficar mais seco”, afirma. Ele cita como soluções as pesquisas para o plantio em solos mais profundos e também de variedades resistentes à seca e que consomem menos água.

Em Franca (SP), a Fazenda Daterra, já se adaptou a uma eventual mudança climática. O gerente da propriedade, Leopoldo Santana, diz que a fazenda utiliza o sistema de produção arborizada – o cultivo do café associada à silvicultura. ” Economizamos até 25% com a redução da aplicação de defensivos”. Esta técnica cobra até um quarto da área com o plantio de árvores – diferente do sombreamento que ocupa até 90%. A intenção atual da propriedade é diminuir o vento no cafezal mas, em um eventual aquecimento global, as árvores reduziram a temperatura média da lavoura.

Fabiana Batista, Neila Baldi e Roberto Tenório

Com sol abundante, Brasil produzirá cana mais doce

Principal matriz da energia renovável do País, a cultura da cana-de-açúcar não é objeto de preocupação quando o assunto é aquecimento global. Além de ter boa adaptabilidade ao clima quente, a cana já possui variedades produzindo em regiões com temperatura 2º C acima da média de São Paulo, como o Oeste Baiano e o Cerrado Mineiro, segundo Orlando Melo de Castro, diretor-geral do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

O foco das pesquisas é aprimorar esse desempenho em climas quentes e usar a alta incidência solar na planta em favor da produção de sacarose. “Nos primeiros experimentos obtivemos rendimento de 155 a 160 quilos de ATR (Açúcar Total Recuperável) por tonelada, teor que é de 145 a 150 na cana paulista”, orgulha-se Sérgio Bueno, diretor da Agrícola Rio Galhão.

A empresa já planta cana em Orlândia e Morro Agudo (SP) e, há dois anos, iniciou os experimentos em Mateiro (TO), na divisa com a Bahia. Nos próximos três anos, pretende plantar comercialmente e instalar uma usina sucroalcooleira, a partir da conclusão da pesquisa de variedades. O projeto, em parceria com o IAC, busca desenvolver materiais de cana em sequeiro, com alta adaptabilidade ao déficit hídrico, e que tenha necessidade de, no máximo, irrigação de “salvamento”.

Feijão clarinho e pronto em 20 minutos no NE

No ano passado, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) lançou uma variedade de feijão que suporta temperaturas até 4º Cs mais altas que os 27ºC e 28ºC médios das lavouras paulistas de feijão. A IAC Alvorada, como foi batizada a variedade, é do tipo carioca, não escurece com alta incidência de sol e ainda cozinha em 20 minutos na panela de pressão – 10 minutos menos que o carioca convencional.

Sérgio Carbonell, pesquisador científico do IAC, conta que o material está recomendado para as áreas mais quentes também de São Paulo, como Ribeirão Preto, e na Bahia. “Além de tolerância a altas temperaturas, esse material possui resistência a doenças, como antracnose, e ao escurecimento do grão, que deprecia o preço”. O pesquisador acrescenta que, devido ao alto rendimento na panela, quem cozinha tem colocado mais água, pois o grão cresce muito.

Segundo o diretor-geral do instituto, Orlando de Castro, desde a década de 70 o IAC adapta variedades de clima temperado para produzir em ambientes mais quentes, com a intenção de diversificar cultivos no País. Entre o que já foi pesquisado estão materiais de uva para o Vale do São Francisco e de nectarina e de pêssego para Minas Gerais e Espírito Santo.

Estiagem já “expulsa” cultivos no Centro-Oeste

Pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp) constataram que a partir 1975, a temperatura no Brasil elevou-se, em média, de 1º a 3º C. Portanto, não causa estranheza que as alterações no clima já estejam “expulsando” algumas culturas de seu reduto tradicional. No ano passado, o Ministério da Agricultura ameaçou retirar do zoneamento a indicação de plantio da soja de alguns municípios do Rio Grande do Sul, por já repetirem por safras seguidas perdas de produtividade causadas pelo clima desfavorável.

Há três safras, a região Sul de Mato Grosso do Sul registra perdas consecutivas de produtividade na soja. “Uma estiagem de 40 dias na fase de enchimento de grão derrubou 60% do ciclo 2003/04. De lá para cá, o estrago foi menor, mas não inferior a 15% da produção”, conta Dirceu Luiz Broch, diretor-executivo da Fundação MS. Ele acredita que a área plantada dessa região, que há três temporadas está estacionada em 200 mil hectares, já poderia ser, tranqüilamente de 1 milhão de hectares, não fosse essa estiagem crônica. A área, que inclui os municípios de Naviraí, Caarapó e Eldorado, está sendo ocupada com pecuária e cana-de-açúcar. “Precisamos agregar práticas de manejo do solo a variedades mais resistentes à estiagem, como plantio direto”, avalia Broch.

(F.B.)

Nova tecnologia permitirá vida longa ao café arábica

Desenvolvido pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o híbrido conhecido como obatã será um dos responsáveis pela longevidade da cafeicultura no Brasil, caso se confirme o aquecimento global. Estudo realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que, com o aumento da temperatura em até 4ºC até 2100, a lavoura cafeeira terá de migrar para o Sul do País, em busca de clima ameno.

Tal evento provocaria perdas de até R$ 2,55 bilhões em 2070 com a redução de 27% na área plantada. No entanto, a variedade do IAC permitirá o cultivo nas regiões tradicionais e a ampliação da cultura para o Norte e Nordeste. “Ele suporta temperaturas de até 25ºC, enquanto para o arábica comum é necessário entre 18ºC e 23ºC”, revela Marcelo Bento Paes de Camargo, pesquisador da Área de Climatologia do IAC. Ele acrescenta que observando as regras de manejo, a nova variedade alcança produtividade de até 50 sacas por hectare com ótima qualidade nos frutos.

O pesquisador do Incaper (ES), Romário Ferrão, afirma que técnicas de manejo como irrigação e adensamento do cafezal também podem ser utilizadas para reduzir a temperatura do microclima da lavoura.

Irrigação e manejo reduzem efeitos do aquecimento

A utilização de técnicas de manejo podem reduzir as conseqüências do aquecimento global e o aumento do consumo de água nas regiões de altas temperaturas, como o Norte e Nordeste do Brasil. Além disso, novas técnicas para irrigação, como o sistema por gotejamento ou a ferti-irrigação (irrigar com fertilizante), proporcionam economia e aumentam a produtividade.

“Em locais com temperatura acima de 25ºC, a produtividade de um cafezal pode ser de até 50 sacas por hectare usando a irrigação”, observa Roberto Antonio Thomaziello, pesquisador do centro de café IAC/Apta. Ele cita como exemplo a variedade obatã, cultivada no Acre com ótimos resultados.

Na região do sub-médio do São Francisco, conhecida por cultivar uvas para produção de vinho, o rio é usado na irrigação. “A produção de uva, manga e banana utilizam essa técnica. A água serve para reduzir a radiação solar”, diz José Lincon de Pinheiro Araújo, pesquisador da Embrapa Semi-árido.

No norte do Espírito Santo e em algumas regiões da Bahia, o sistema de cultivo integrado é utilizado com sucesso. “Onde o clima é muito quente para o conillon usamos o adensamento ou cobrimos parte da rua com leguminosas para mantermos a umidade”, explica Romário Ferrão, pesquisador do Incaper (ES)

(R.T.)

Sul do País aposta na diversificação da lavoura

No Sul do Brasil os pesquisadores estão estudando não só a adaptação a uma eventual mudança climática – tanto para o frio quanto para o calor – das culturas já plantadas na região, como também o desenvolvimento de lavouras que hoje não se adequam aos padrões locais. Um estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que, com o aquecimento de até 2ºC, os estados sulistas poderiam plantar café – hoje só adaptável até o Paraná – e cana-de-açúcar.

“O aquecimento global vai ter um impacto no futuro. É preciso o melhoramento genético para a adaptação e também o desenvolvimento de novas espécies para o clima tropical”, diz Hugo José Braga, coordenador do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometerologia (Ciram), referindo-se ao fato de Santa Catarina ter hoje, predominantemente o clima subtropical e temperado. Ele cita como possíveis mudanças o plantio de café e de banana. Segundo ele, no caso das espécies frutíferas são 10 anos para o início da produção e outros 20 a 30 anos para o lançamento das cultivares.

A pesquisadora Bernardete Radin, da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), diz que um “eventual” aquecimento global poderá favorecer o Rio Grande do Sul. “Algumas culturas que hoje a gente não cultiva, com o passar do tempo vamos passar a produzir”, afirma. Segundo ela, parte da pesquisa atual no estado já é nesta tendência. Uma das linhas, de acordo com a pesquisadora, é de culturas agroenergéticas – cana-de-açúcar, mamona e canola. “O zoneamento agrometerológico terá de ser refeito. No estado, hoje, por enquanto, o cultivo da cana-de-açúcar é restrito por causa do frio. Mas poderá ser em quase todo o estado”, diz.

Outro aspecto “positivo” apontado por ela é o favorecimento de culturas que demandam mais calor – como soja e milho e hortaliças. Na avaliação de Bernardete, o estado poderá plantar dois ciclos de tomate, o que hoje não ocorre por causa do frio.

A pesquisa desenvolvida na região também busca preservar as atuais culturas plantadas. É o caso, por exemplo, do arroz e da soja. “Não estamos discutindo para onde a soja pode ir com o aquecimento global, mas como preservar onde hoje ela já está”, afirma José Renato Farias, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Soja. As pesquisas atuais do Instituto Riograndense do Arroz (Irga) buscam a adaptação do produto ao frio. “A mudança climática é ocasional. Existem ondas de calor e frio. Se realmente esquentar, não atrapalhará esta lavoura”, diz Valmir Gaedke Menezes – diretor-técnico do Irga. As variedades já adaptadas têm potencial produtivo de 12 toneladas por hectare e poderiam ser cultivadas em qualquer região do estado, não apenas na Metade Sul, como ocorre atualmente.