Mercado

Sinais de preços firmes para commodities

No que depender das cotações das commodities agrícolas exportadas pelo Brasil, 2004 pode se transformar em uma nova lua-de-mel entre os agronegócios e a balança comercial. Segundo analistas, os produtos que se valorizaram no ano passado no mercado internacional e engordaram o superávit do país (soja, café, algodão e milho) têm pela frente um ciclo de preços firmes ou em alta. Aqueles que perderam fôlego em 2003 (açúcar, cacau e suco de laranja) seguirão pressionados, mas sem o poder de retardar uma corrida que poderá resultar em novos recordes neste ano novo.

Recordes que deram o tom da balança do campo em 2003. Com base nos resultados até novembro, o Ministério da Agricultura projetou exportações de quase US$ 30 bilhões para o ano, com superávit de US$ 25,1 bilhões. Em 2002, as exportações somaram US$ 24,8 bilhões e o saldo, US$ 20,3 bilhões. Em parte, os avanços derivaram da maior safra nacional em 2002/03. Mas, sem um câmbio tão favorável às exportações como em 2003, coube aos preços internacionais uma importante parcela nos resultados.

Como aconteceu em 2002, a locomotiva das vendas dos agronegócios ao exterior em 2003 foi a soja, e este quadro não deverá mudar em 2004. Em volume, há previsões de novos aumentos de produção e embarques, e em matéria de cotações o denominador comum sinaliza mercado firme. Alguns analistas não crêem que o vigor de 2003, quando os contratos de segunda posição subiram 38,89% na bolsa de Chicago (até 30 de dezembro), possa ser repetido, mas outros consideram esta possibilidade, em razão de um quadro global de oferta e demanda justo, principalmente nos EUA. De qualquer forma, possíveis fortes baixas são deixadas de lado.

Antonio Sartori, da Brasoja, está entre os que acreditam que o mercado da soja poderá ser melhor em 2004. Para ele, a produção dos EUA em 2003/04 não será tão grande quanto diz a última estimativa do USDA, o departamento de agricultura do país (66,73 milhões de toneladas), nem suas exportações e esmagamento (24,22 milhões e 40,42 milhões de toneladas, respectivamente) serão tão baixos. O USDA também prevê saltos nas safras de Brasil (60 milhões de toneladas) e Argentina (36,5 milhões), mas para as importações da China, maior país comprador do grão no mundo, a expectativa também é de alta. “E a descoberta de vaca louca nos EUA surge como novo fator de sustentação, já que pode ampliar a demanda por rações derivadas de proteínas vegetais, cuja maior fonte é a soja”.

Fabio Silveira, da FSilveira Consultoria, está entre os menos otimistas, mas nem por isso acredita em surpresas negativas para a soja. Para ele, os EUA devem produzir mais em 2003/04 do que em 2002/03. A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) projeta exportações do complexo soja (grão, farelo e óleo) de US$ 10,9 bilhões em 2004, 32% mais que no ano passado.

A “vaca louca” também pode ajudar o milho, cujas perspectivas já eram boas antes do problema americano, segundo o analista Paulo Molinari, da Safras & Mercados. Ele prevê uma continuidade do que se viu em 2003 devido aos menores estoques mundiais em quase 30 anos e à perspectiva de retomada da economia global. A China é outro fator-chave, e há a possibilidade de o país suspender suas as exportações para controlar a alta de preços no mercado interno e atender à crescente demanda doméstica. Se isso ocorrer, serão 8 milhões de toneladas a menos no mercado internacional, abrindo espaço para outras regiões exportarem milho. O Brasil, que em 2002/03 exportou 4 milhões de toneladas, pode ser favorecido.

São boas as perspectivas também para o café, tanto do ponto de vista das exportações brasileiras quanto das cotações no mercado internacional. Ainda em virtude da menor safra no Brasil em 2003/04, o desempenho dos preços da commodity no primeiro semestre de 2004 poderá render bons negócios, segundo Eduardo Carvalhaes, do Escritório Carvalhaes. Em 2003, os contratos de segunda posição do grão subiram 4,71% em Nova York (até 30 de dezembro), e observou o analista que o mercado poderá ganhar fôlego em 2004 com a expectativa da Organização Internacional do Café (OIC) de oferta mundial menor que o consumo neste ano, com a consequente redução de estoques. “É lógico que não faltará café, mas este é um fator altista para o primeiro semestre. Não haverá explosão de preços, mas será um período de recuperação das cotações”. E, com a safra brasileira em recuperação especialistas acreditam que as exportações poderão superar, em 2004/05, as 24,5 milhões de sacas de 2003/04.

Também é positivo, ainda que não bombástico, o panorama para o algodão, que deverá passar por um período de estabilidade nos primeiros meses de 2004. No acumulado de 2003, os contratos futuros de segunda posição subiram 31,75% (até 30 de dezembro), mas, ainda que as cotações tenham recuado nos últimos quatro meses, o atual patamar é remunerador para as até 400 mil toneladas que o Brasil poderá exportar na temporada 2003/04. Hugo Nieri, da Nieri Consultoria, diz que os preços nos próximos seis meses poderão ser estimulados pelos baixos estoques mundiais, mas para o segundo semestre, se depender da expectativa de crescimento da área plantada dos países produtores, a tendência é que os preços caiam.

Para o cacau, que tem pouco peso na balança dos agronegócios brasileiros, apesar do resultado positivo, os sinais para os preços no exterior são de estabilidade, ainda que a continuidade da crise política da Costa do Marfim, maior país produtor da amêndoa, seja quase uma garantia de oscilações. “A expectativa é de que as cotações se mantenham entre US$ 1.500 a US$ 1.600 a tonelada, caso os conflitos na Costa do Marfim se apaziguem”, afirmou Thomas Hartmann, diretor da TH Consultoria. No fim de 2002, os preços explodiram em razão dos conflitos étnicos no país africano. Até setembro de 2003, os preços se acomodaram, mas um novo embate envolvendo as forças rebeldes mexeu com o mercado. No acumulado do ano (até 30 de dezembro), as cotações dos contratos de segunda posição do produto em Nova York caíram 23,18%. A expectativa de Hartmann para 2004 é que a oferta global fique em 3,03 milhões de toneladas, com um pequeno déficit de 20 mil toneladas. Mas há quem preveja déficit maior.

Mas há produtos importantes para a balança brasileira com projeções de preços nada animadoras para 2004. É o caso do açúcar, que convive com uma nuvem baixista no horizonte. “Ainda há excesso de oferta mundial, mesmo com a quebra da safra da Europa”, diz Júlio Maria Martins Borges, diretor da Job Economia e Planejamento. “No Brasil, por exemplo, a produção da região do Centro-Sul foi surpreendentemente grande em 2003/04”. Em 2003 (até 30 de dezembro), os futuros da commodity caíram 24,31% em Nova York. “O primeiro semestre de 2004 ainda será de boa oferta, reflexo dos altos estoques da safra 2003/04”. Conforme Plínio Nastari, da consultoria Datagro, também há incertezas sobre a safra de cana do Centro-Sul, que começa em maio e dependerá das chuvas até março.

Entre as dores de cabeça também está o suco de laranja, cujos contratos de segunda posição recuaram 30,99% em 2003 em Nova York (até 30 de dezembro) e que convive atualmente com as perspectivas de aumentos das produções de laranja no Brasil e nos Estados Unidos, maiores produtores e exportadores globais. Também a demanda mundial mostrou-se retraída em 2003 e não há sinais concretos de recuperação para o ano que vem.

O panorama é difuso para o trigo, que tende a apresentar preços firmes em função do recuo na produção mundial para 550 milhões de toneladas em 2003/04, ante 566 milhões em 2002/03. Aldo Carneiro Lobo, da Safras & Mercado, diz, ainda, que os estoques finais mundiais devem cair para 127 milhões de toneladas, ante as 165 milhões anteriores. O Brasil é um importador líquido do produto, mas poderá exportar até 1 milhão de toneladas da atual safra. Por isso a valorização externa é negativa para o país. Mas os exportadores vão comemorar.