Os negócios no setor sucroalcooleiro, cuja face mais vistosa são as constantes fusões de usinas de açúcar e álcool, estão em plena ebulição no Brasil. E a consolidação do setor mal começou, avalia Guilherme Almeida Prado, gerente de relações com os investidores do Grupo Cosan, maior companhia de açúcar e álcool do país e segunda maior do mundo. “O mercado sucroalcooleiro vai se consolidar sim, grandes grupos nacionais vão continuar adquirindo outras usinas e grupos internacionais provavelmente vão aumentar sua participação no país.”
Segundo Antonio de Padua Rodrigues, diretor-técnico da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), as fusões e incorporações devem ser vistas em função dos interesses comuns em busca de ganhos em várias escalas na produção, comercialização e gestão. “A característica dessa atividade pressupõe ganhos de escala e, como crescer é essencial, as fusões são um dos caminhos.”
O setor de produção de açúcar e álcool ainda é pulverizado e tem cerca de 350 usinas espalhadas pelo país. A gradual marcha de concentração começou em 2000 e quem puxou o processo foi justamente o Grupo Cosan, que conta com 17 usinas. A 17ª, adquirida em abril, é a usina Bom Retiro, de Capivari (SP). Com isso, a participação do grupo no mercado nacional de cana-de-açúcar saltou de 8,5% para 10%. Atualmente a gigante tem capacidade para moer 40 milhões de toneladas.
Almeida Prado confirma que o setor só começou a se abrir nos últimos cinco anos. Continua, portanto, fragmentado. “Ao olhar hoje os mercados de suco de laranja, papel e celulose e algumas outras commodities, observa-se que em torno de 70% ou 80% de cada um deles está concentrado nas mãos de uns poucos players. No caso do setor sucroalcooleiro, a Cosan – mesmo sendo uma empresa com porte bastante significativo em níveis mundiais – domina não mais que 10% do mercado nacional.”
Já Padua Rodrigues especifica que hoje, no Centro-Sul, 67 grupos respondem por 154 usinas, correspondendo a uma produção de 273,5 milhões de toneladas de cana ou 73,23% da produção. “A perspectiva é de que, na safra 2012/2013, os 67 grupos tenham 219 usinas, ou seja, 419,6 milhões da produção de cana prevista, o que significaria 78,18% do total.”
Almeida Prado não tem dúvidas de que novas usinas vão aparecer. De fato, há no Brasil projetos de 89 unidades novas de açúcar e álcool até 2013. Essa rápida expansão na área pode ser debitada em parte à crescente consciência das pessoas sobre os efeitos do aquecimento global, que leva cada vez mais países a investir em combustíveis renováveis como alternativa ao consumo de recursos fósseis – petróleo, gás e carvão, principais emissores de dióxido de carbono, o maior causador do efeito estufa.
O Brasil, que já é o maior exportador de álcool do mundo, não quer perder essa posição. Para tanto, os aportes já realizados em novas usinas alcançam cerca de US$ 5 bilhões, o que abrange 50 usinas. Outras 27 unidades de produção estão anunciadas e assim que as obras estiverem executadas os aportes subirão para US$ 14,6 bilhões. Assim, haverá crescimento da área plantada de cana de 6 milhões de hectares para algo como 9 milhões de hectares. A produção saltaria para 685 milhões de toneladas, 60% maior que a atual.
Segundo Padua Rodrigues, o que se tem visto é investimento maciço de empresários brasileiros do setor, responsáveis por 80% dos aportes. O restante fica por conta dos empreendedores “calouros” na área. Empresas estrangeiras produzem 18,5 milhões de toneladas de cana por meio de 11 usinas, mas sua participação deverá se acentuar. Até 2012 serão 33 milhões de toneladas e 17 novas unidades, segundo estimativas da Unica. “Se os principais grupos estrangeiros – Louis Dreyfus, Tereos, Cargill, Adeco e Evergreen/Infinity – não chegam a responder por 5% da produção, a tendência é que essa participação aumente para 6,5% nos próximos seis anos.”
Como o Valor já informou, uma megafusão – em fase de análise da viabilidade econômica – está em curso pela trading Crystalsev (que comercializa açúcar e álcool no exterior), envolvendo os oito grupos sucroalcooleiros que integram seu rol de acionistas. Se der certo, a aliança resultará numa companhia de porte similar ao do Cosan, com faturamento anual da ordem de R$ 2,5 bilhões na temporada 2005/2006. Numa primeira etapa os planos são de união de quatro das oito tradicionais usinas que controlam a Crystalsev: a Energética Santa Elisa, de Sertãozinho (SP), a Vale do Rosário, de Morro Agudo (SP), a Jardest, de Jardinópolis (SP), e a MB, de Morro Agudo (SP). Elas processam, juntas, algo como15 milhões de toneladas de cana e faturam cerca de R$ 1,5 bilhão.
Outras quatro usinas, um pouco menores, se juntariam ao primeiro bloco numa segunda etapa: Mandu, de Maracaí (SP), Pioneiros, de Sud Mennucci (SP), Moema, de Orindiuva (SP), e Paraíso, de Brotas (SP). Mas, segundo a Crystalsev, essas unidades terão autonomia para participar do “abraço” ou não. Com mais essas quatro, a capacidade saltaria para quase 26 milhões de toneladas e a receita beiraria os R$ 2,5 bilhões. As oito usinas produzem atualmente 1,7 milhão de toneladas de açúcar e 1 bilhão de litros de álcool.
Um estímulo adicional à fusão é o fato de os controladores da trading estarem construindo seis novas usinas no Centro-Sul. A Crystalsev foi fundada em 1978, fatura cerca de US$ 100 milhões e está investindo em uma usina de açúcar e álcool em Santa Vitória (MG), que começará a operar em 2008. Só na parte industrial o aporte será de R$ 110 milhões e a inversão será sua estréia na produção direta sucroalcooleira. A unidade terá capacidade para processar cerca de 2 milhões de toneladas de cana.
Já o Grupo Cosan se tornou referência não só pelas 17 usinas como por ter aberto seu capital por meio de IPO em novembro de 2005. Segundo Almeida Prado, as ações da Cosan se valorizaram em torno de 120% de lá para cá. Presidido por Rubens Ometto Silveira Mello, o grupo foi criado em 1986 a partir das usinas Costa Pinto e Santa Bárbara, que moíam, na ocasião, cerca de 4,3 milhões de toneladas. Hoje, a capacidade de moagem das 17 unidades é quase dez vezes maior.