Mercado

‘Setor organizado impede atuação de malandros’

Na visita que fez ao Nordeste no dia da entrega do prêmio MasterCana Nordeste, em 20 de agosto, o ministro Roberto Rodrigues, que ganhou o Prêmio Personalidade do Ano, visitou a Usina Petribu e a empresa Implanor, da Cruangi. Enquanto conhecia uma super cortadeira de cana especial para a declividade do Nordeste, Rodrigues incentivou a transformação da região de Petrolina (PE) em pólo canavieiro. Dias antes ele concedeu a seguinte entrevista exclusiva ao JornalCana Nordeste:

JornalCana Nordeste — Em março passado, a Câmara dos deputados da Argentina ratificou uma decisão do Senado de derrubar o veto do presidente Eduardo Duhalde a um decreto que criava barreira à importação do açúcar, como forma de proteger o açúcar argentino. Como o governo brasileiro está conseguindo negociar essa questão da sobretaxa do açúcar imposta pela Argentina?

Roberto Rodrigues — A idéia é buscar algum tipo de entendimento. Propus ao ministro argentino da Agricultura, Miguel Campos, que fizéssemos uma reunião nos setores privados da Argentina e do Brasil para buscar alguma forma alternativa. Por exemplo, a Argentina passaria a produzir um pouco mais de álcool, que seria comprado pelo Brasil. Nós poderíamos, inclusive, vender-lhes a tecnologia que dominamos plenamente, o que poderia abrir o mercado de açúcar. O que é importante para nós, porém, não é a abertura do mercado argentino para o açúcar brasileiro. O importante é começar esta discussão do açúcar dentro do Mercosul. Do contrário, não teremos condição moral para negociar abertura comercial na Alca, na OMC e na UE para um produto trancado dentro do bloco.

JC Nordeste — O açúcar é um dos produtos mais protegidos do mundo. Além da União Européia, os mercados dos EUA e Japão também são fechados. O mercado livre para a negociação do produto é limitado a cerca de 36 milhões de toneladas anuais. Como o atual governo pretende derrubar essas barreiras protecionistas?

RR — Obviamente, embora a derrubada dessas barreiras seja o desejo de todos os países exportadores que produzem açúcar a partir da cana (notadamente, a matéria-prima que permite os custos mais baixos), estamos cientes de que esse é um processo lento e gradual. Vamos concentrar esforços na luta para que esses países cumpram o que já foi acordado na OMC. Também vamos cobrar da OMC o cumprimento do seu propósito maior que é promover a abertura comercial, combatendo as práticas contrárias ao livre mercado, especialmente os subsídios à produção e à exportação, e as restrições à importação.

JC Nordeste — Questionar a política européia para o açúcar significa bater de frente com toda a União Européia. O Brasil tem força para suportar esse embate?

RR — O Brasil, juntamente com Austrália e Tailândia, apenas estão tomando providências para que a União Européia cumpra os acordos já firmados. É natural que haja confronto e desgaste, afinal, os interesses são conflitantes. Assim como também é natural que existam riscos de retaliações. Entretanto, se não defendermos nossos interesses, não poderemos acreditar que seremos beneficiados com meros favores da União Européia ou dos Estados Unidos.

JC Nordeste — A alternativa para a expansão do setor sucroalcooleiro no exterior é o álcool, que ganha espaço na agenda mundial. O Brasil detém e exporta essa tecnologia. Como o governo pretende ajudar o setor do Brasil a ampliar esse mercado no exterior?

RR — A melhor forma que o Governo dispõe para ajudar o setor

privado é trabalhar em parceria para garantir a regularidade no abastecimento doméstico, condição fundamental para ‘vender’ a imagem do álcool como um combustível limpo e, acima de tudo, confiável. A satisfação do consumidor brasileiro, e os comprovados ganhos ambientais são os principais instrumentos de promoção. Adicionalmente, devemos trabalhar conjuntamente para demonstrar as vantagens da produção do álcool integrada à do açúcar, atrair novos parceiros para esse negócio, onde a garantia da oferta é fundamental para acelerar o processo de abertura do mercado externo. A entrada de produtores da Tailândia, da Austrália, da África do Sul ou da Guatemala no mercado de álcool, além de significar importante componente de redução de riscos para os importadores, pode também trazer excelentes oportunidades de negócios para a nossa indústria de base.

JC Nordeste — A ProCana está editando o Gold Guide to Fuel Ethanol and Excellence in the Sugar Cane Industry, um Guia de Ouro do Setor em português e inglês que objetiva mostrar toda a excelência nacional em tecnologia, pessoas e empresas brasileiras a fim de ampliar o mercado externo para o álcool brasileiro. O que o senhor acha de iniciativas como essa?

RR — Essa é uma iniciativa fundamental para reiterar ao mercado internacional do açúcar e do álcool que temos, por trás do açúcar mais barato e do maior programa de biocombustíveis, o complexo agroindustrial sucroalcooleiro mais eficiente do mundo. Deve servir de referência para que outras cadeias do nosso agronegócio sigam o mesmo caminho.

JC Nordeste — Quais os planos do ministério para fortalecer o setor sucroalcooleiro no mercado interno?

RR — No mercado interno, já existe um conjunto de ações em curso. Podemos destacar três: 1) a retomada do consumo do álcool hidratado nos veículos leves, tanto com o crescimento das vendas de carros a álcool nos últimos dois anos, quanto com a esperada deslanchada nas vendas dos veículos conhecidos como “flex-fuel”; 2) a concreta possibilidade da entrada do álcool no ciclo diesel, seja como reagente para a produção do biodiesel ou na própria mistura direta ao diesel; 3) os incentivos para que as usinas invistam na cogeração de energia elétrica que, sem dúvida, deverá ser um novo e excelente nicho de mercado a ser aproveitado pelo setor.

JC Nordeste — Há algum tempo, em Araçatuba, o senhor disse que há malandros no setor? A frase repercutiu, o JornalCana o apoiou nisso, e os empresários parecem ter reagido. O senhor notou mudança para melhor entre os empresários do setor sucroalcooleiro? Acredita que o número de malandros diminuiu depois disso?

RR — Embora tenha dito que há ‘malandros’ no setor, devo reconhecer que nos últimos anos o nível de comprometimento e de responsabilidade do setor tem aumentado consideravelmente. Na medida em que o setor se organiza e traça estratégias com objetivos bem definidos, o espaço para que os ‘malandros’ atuem é sensivelmente reduzido. E isso vem sendo observado. Há um compromisso recíproco entre o governo e o setor. O controle sério e responsável tem levado o setor a reduzir o espaço para a atuação desses ‘malandros’. Entretanto, é fundamental deixar claro que a malandragem existe nos mais variados ramos da atividade econômica e em qualquer lugar do mundo. Por isso, é fundamental estabelecer regras de conduta, a fim de que prevaleça o interesse coletivo.

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