A poucos dias das eleições, o candidato à presidência da República José Serra (PSDB) optou por fazer campanha no município de Sinop (a 510 Km da Capital), ao invés de uma metrópole ou grandes colégios eleitorais.
Depois de ser recebido com uma grande carreata, caminhar pelo centro da cidade, visitar o comércio local e realizar uma coletiva de imprensa na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), o presidenciável concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário.
Crítico ferrenho do governo Lula (PT), Serra expõe as deficiências de Mato Grosso no que tange ao transporte e à industrialização da produção. Ele acusa a atual administração de “construir estrada com saliva”. “Tem mais propaganda do que obras. Essa ferrovia leste-oeste, por exemplo, não existe. A BR 163 Cuiabá/Santarém, passaram oito anos e ainda não fizeram. Toda a parte do Pará está sem fazer. A Ferronorte que ficaram falando que vão levar até Cuiabá não levaram. São coisas que eu vou fazer”, promete o candidato. O tucano também critica a deficiência em outras modalidades de transporte. “Eu acho um cúmulo não ter um bom sistema hidroviário aqui”.
Se eleito, José Serra assegura a continuidade das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a realização da Copa de 2014 em Mato Grosso. Embora as últimas pesquisas apontem uma possível vitória da candidata Dilma Rousseff (PT) no primeiro turno, o candidato do PSDB diz ainda que só raciocina com “ideia de vitória”. Com a mesma esperança, Serra defende um bom resultado de sua coligação em Mato Grosso. “Temos muita expectativa e confiança na eleição de Wilson, Antero e Yanai. São bons e grandes parceiros”, contou José Serra.
Diário de Cuiabá – Por que o senhor escolheu a Apae para encerrar sua visita a Mato Grosso?
José Serra – O governo federal começou a marginalizar as Apaes. Lá, um dos garotos reclamou para mim do ônibus que o transportava. O governo federal cortou os convênios que ajudavam as Apaes no transporte. Isso em todo o Brasil. Já apresentei isso, inclusive, durante debates. Uma vez no governo, voltarei a dar o apoio que as Apaes merecem. Elas são fundamentais para o Brasil, um braço auxiliar das políticas para pessoas com deficiência. Segundo, eu vou fazer uma grande rede de hospitais de reabilitação como eu fiz no meu governo em São Paulo. Hospitais de altíssima tecnologia, com tudo que tem de mais moderno no tratamento de reabilitação. No governo federal, vou fazer uma rede em todo o Brasil, a rede Zilda Arns, que também terá um centro em Mato Grosso.
Diário – Qual a importância de Mato Grosso no contexto nacional? O que o próximo presidente pode fazer para melhorar a atuação do Estado?
Serra – Você tem aspectos importantes diversos. Primeiro, é uma fonte importante de geração de divisas. Segundo, é uma área de fronteira muito delicada. Precisamos de um Mato Grosso forte para contribuir para o fortalecimento das nossas fronteiras, o controle delas. O Estado tem uma capacidade empresarial incrível, formada por gente de todo o Brasil. Aqui em Sinop, você vê muitos olhos azuis, sotaque paranaense, sotaque gaúcho e outros. Isso é uma coisa boa. É um Estado que tem um potencial econômico bem maior do que a economia que hoje existe. Mesmo hoje já é importante. Então, o futuro será decisivo.
Diário – O PAC é um programa de grande alcance social que trouxe mudanças em todo o país. A Copa do Mundo de 2014 também promete uma transformação, no caso de Mato Grosso, na infraestrutura da Capital e de Várzea Grande. Que garantias o senhor, como candidato, tem para Mato Grosso de que as obras serão executadas mesmo que ocorra mudança de grupo político no governo federal?
Serra – Minha história e a minha biografia. Sempre fui um realizador, tirei as coisas do papel. Nunca fiz muita propaganda e nunca construí estrada com saliva. De maneira que o que assegura que eu não vou interromper nada e vou tocar as coisas é precisamente minha atuação, minha vida pública. Em três anos tripliquei o investimento do estado de São Paulo, recuperei a prefeitura da cidade. Como ministro da Saúde, investi mais do que nunca se investiu na história. Para mim, as coisas têm prioridade, eu faço com economicidade, reduzo custos e toco pra frente. Agora, tem muita propaganda. Tem mais propaganda do que obras. Essa ferrovia leste-oeste, por exemplo, não existe. Apresentaram ela no papel e, de repente, tem gente achando que estão fazendo. A BR-163 Cuiabá/Santarém passaram oito anos e ainda não fizeram. Toda a parte do Pará está sem fazer. A Ferronorte que ficaram falando que vão levar até Cuiabá, não levaram. São coisas que eu vou fazer. A BR-163, para o sul, é a estrada da morte. Aliás, as estradas federais são as estradas da morte, são as piores que se tem. Mato Grosso paga um preço altíssimo pela falta de infraestrutura. A soja, por exemplo, quase metade do preço se deve ao custo do transporte. Nos Estados Unidos, isso não chega a 20%. No Brasil, chega a 48%. Isso se deve a quê? Porque não fizeram obras.
Diário – O presidente Lula (PT) aprovou o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar no Brasil. O setor sucroalcooleiro mato-grossense tem criticado a medida alegando que ela prejudicou o Estado, enquanto beneficiou outras regiões. Se eleito, o senhor pretende rediscutir esse assunto?
Serra – Eu fiz um zoneamento em São Paulo, que detém dois terços da produção nacional. O Estado tem perto de cinco milhões de hectares, o que representa um quinto de sua área total. Isso significa que São Paulo tem aproximadamente 25 milhões de hectares e um quinto disso está com a cana. Fizemos o zoneamento para não ter mais expansão da cana, concentrando no aumento da produtividade. Onde a produtividade é maior, a gente investiu muito em tecnologia para aumentar essa produtividade. Agora, isso beneficiou o Estado e o Brasil como um todo. Zoneamos, inclusive, para que a cana venha para Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e para Minas. É interessante que esses estados se desenvolvam mais. Agora, para ser bem sincero, não conheço este zoneamento, é a primeira vez que estou ouvindo falar. Talvez porque tenha vindo aqui só agora.
Diário – Mas o senhor se coloca à disposição para discutir esse assunto?
Serra – Sem dúvida nenhuma!
Diário – A aprovação do Código Florestal é uma questão que se arrasta por mais de 12 anos. Como presidente, o senhor pode influenciar nessa questão?
Serra – Tem como influenciar, inclusive, na negociação. Porém, eu acho que você não pode discutir, nem votar um Código Ambiental em ano eleitoral. Todos estão de cabeça quente. Ninguém opera em condições normais de temperatura e pressão. Sempre está tudo um pouco elevado. Então, nós vamos retomar isso no ano que vem para aprovar as mudanças que eventualmente sejam necessárias. Promover também um entendimento. Eu acho que é possível, estou convencido de que podemos chegar a um entendimento se você levar em conta os interesses do país. Qual é? Preservar o seu patrimônio florestal que está sendo efetivamente encolhido e vale muito no mundo de hoje. Inclusive, no momento em que houver um fundo internacional de meio ambiente o Brasil vai ser o país que mais vai receber dinheiro como créditos de carbono. Por outro lado, temos que oferecer alternativa econômica para as pessoas. Isso eu tenho dito no Pará, no Amazonas. Você pode fazer a lei que você quiser, mas se não for capaz de desenvolver alternativas de emprego a devastação vem. Junto com boas leis, você precisa ter políticas de desenvolvimento. Por exemplo, Mato Grosso é um Estado que precisa se industrializar mais. Produz tanta matéria-prima… Vamos agora trazer mais indústrias para ter mais empregos. Enfim, você tem muitas possibilidades de industrialização nessas regiões e de atividades econômicas, inclusive baseadas na biodiversidade. Há uma estimativa de que as indústrias que produzem com matéria-prima da biodiversidade faturam por ano U$ 500 bilhões. O Brasil tem 10% dessa biodiversidade e não fatura nem R$ 500 milhões, nem 1% disso, nem 0,1% disso. Temos que desenvolver essa indústria, temos que ter centros de pesquisa da biodiversidade para promover a industrialização. A nova fase da pesquisa nos medicamentos está no estudo da natureza biológica. Os grandes investimentos estão por aí. Temos que pensar novas formas de produção e essa região tem ficado à margem. O Pará, que é um estado mais antigo e mais populoso que Mato Grosso, não tem um centro que se preze de pesquisa em biotecnologia. Em Manaus, tem um centro que eu criei quando era ministro do Planejamento, mas que hoje está meio desativado. Quer dizer, a gente não pode governar só com olho no presente. Você tem que ter na vida pública um certo estrabismo: um olho aqui e um olho adiante. É estrabismo, mas é um estrabismo dos bons.
Diário – Um dos grandes problemas de Mato Grosso tem sido o escoamento da produção…
Serra – É exatamente o ponto que estou enfatizando. É um Estado cujas artérias estão congestionadas no plano dos transportes. Por exemplo, eu acho um cúmulo não ter um bom sistema hidroviário aqui, como não tem no Pará e no Amazonas. A hidrovia pode ser bem-feita, respeitando meio ambiente, fauna, ela consome pouca energia. Enfim, a hidrovia deveria ser um grande assunto em toda região amazônica, para Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. No entanto, o assunto fica de lado.
Diário – Frequentemente, os municípios reclamam da falta de recursos. Os prefeitos alegam que as responsabilidades vão de encontro com o orçamento que executam. O governo federal pode aumentar os repasses?
Serra – O governo federal fez cortesia com chapéu alheio. Ele deu abatimento de impostos que formam o Fundo de Participação dos Municípios. É um fundo federal que vai para os municípios e quanto menos populoso, mais o município recebe. O governo ameaçou devolver. Em 2009, os municípios perderam R$ 3 bilhões, eles devolveram só R$ 2 bilhões, ficando R$ 1 bilhão de déficit. Este ano, já perderam um e o governo não deu nada. O que tem que se fazer é uma regulamentação do artigo 23 da Constituição que prevê uma repartição clara de funções entre estados, União e municípios. Isso nunca foi regulamentado e eu vou fazer isso. E aí, colocar mecanismos de proteção para os municípios. Quando o governo federal quiser dar incentivo, que dê com os tributos não-compartilhados ou que preveja devolução automática aos municípios. Outra coisa que está castigando bastante os municípios é o encolhimento federal na saúde. Depois que deixei o Ministério da Saúde, a participação do governo federal caiu 10% do total do repasse.
Diário – É por isso que fica esse jogo de empurra-empurra entre Estado e municípios?
Serra – Temos prefeito bom e prefeito ruim. Governador bom e governador ruim. E a saúde pode ser pior num Estado ou num município e melhor no outro, porque os gestores são diferentes. Mas, mesmo assim, no conjunto, foi tudo jogado nas costas deles.
Diário – Por que o senhor acha que é o melhor candidato à Presidência. E por que o mato-grossense deveria votar no senhor?
Serra – Quem vai julgar quem é o melhor é o povo, não sou eu. Pra mim é meio constrangedor dizer que sou melhor do que os outros. O que tenho é uma história para apresentar. Estou na vida pública oficial há 27 anos. Se contar desde o tempo em que fui presidente da Une, no golpe de 64. São décadas e décadas. Acabei estudando e me formando no exterior, só pude voltar já no final da década de 70. Reintegrei-me à luta pela democratização, fui secretário de Planejamento, deputado constituinte, fui o constituinte que mais aprovou emendas à Constituição, fui deputado de novo – o segundo mais bem votado do Brasil -, fui senador, ministro do Planejamento, ministro da Saúde, prefeito de São Paulo e governador de São Paulo. Eu tenho a minha vida como um livro aberto, não tem nada fechado em cofre. Podem abrir toda a minha vida, autorizo também quem queira ver no Chile, que fui preso na época de Pinochet, do golpe no Chile. O Estado nacional deve ter tido suas razões. Aqui no Brasil eu tive condenação, de antes de 64, não foi relacionada com a luta armada. Todo mundo pode olhar a minha vida, meu passado, cada coisa que eu fiz, cada setor da vida pública em que eu estive. E aí pode conferir para comparar com os outros.
Diário – Qual a expectativa do PSDB nacional em relação aos candidatos majoritários de Mato Grosso?
Serra – Pra mim, é muito boa. Temos o nosso professor de história, Wilson Santos. A minha expectativa é ter ele aqui como governador de Mato Grosso quando eu for presidente da República. Tem o senador Antero Paes de Barros, que foi meu colega no Senado. Digo a você: ele foi um dos senadores mais respeitados da minha legislatura. Tem também o Jorge Yanai, que é muito comprometido com as questões de Mato Grosso. Mato Grosso precisa muito ter bons senadores.
Diário – Existe um “plano B” para o PSDB caso o senhor seja derrotado nesta eleição? Informações de bastidores dão conta de que uma das principais metas seria reforçar a oposição no Senado.
Serra – Eu não estou e nem conheço ninguém raciocinando com a ideia da derrota. Nós só raciocinamos com a ideia da vitória. Eu fico pensando o que fazer no Brasil, quem é que eu vou levar junto para trabalhar comigo e quem é que eu vou ter junto nos estados, no Senado. Temos muita expectativa e confiança na eleição de Wilson, Antero e Yanai. São bons e grandes parceiros.