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Sem trabalho durante a entressafra da cana, famílias não têm o que comer

A vida da alagoana Quitéria Maria da Silva, 56, resume os problemas do trabalhador rural da zona canavieira. Analfabeta, mãe de 16 filhos -dos quais apenas 7 escaparam da mortalidade infantil-, começou a trabalhar na adolescência, envelheceu cedo, ficou doente por carregar excesso de peso e acabou descartada como mão-de-obra, com o marido.

Com a demissão, a família, que sempre havia morado em terras de usinas, mudou-se para uma casa de taipa em São Luiz do Quitunde, a 50 km de Maceió. Dois dos filhos dela estão cortando cana em Mato Grosso, com contrato de trabalho temporário, enquanto não começa a safra em Alagoas.

Ela mora com o marido, dois filhos e quatro netos. No dia em que falou à Folha, tinha arroz e feijão para cozinhar, no fogão à lenha. “Às vezes não tem nada para comer, e minha filha casada divide uma fubinha (caldo com fubá) comigo. Tem dias que a gente passa fome.”

O prefeito de Quitunde, Cícero Cavalcante (PMDB), calcula que 40% dos trabalhadores de usinas tenham migrado para as cidades.

“O desemprego aqui é de 80% na entressafra, e a renda familiar cai para R$ 60 a R$ 80 por mês. Sem trabalho, eles não têm o que comer.” Quitunde tem 31 mil moradores e, em junho, a prefeitura doou 5.000 cestas básicas para atenuar a fome dos desempregados.

Sítios

Bruno Ribeiro, advogado da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco e da Comissão Pastoral da Terra, diz que 200 mil postos de trabalho foram extintos no Estado desde o início dos anos 90, principalmente em razão do fechamento de empresas. Cerca de 120 mil pessoas moravam em sítios nas terras de usinas e de fornecedores de cana, onde plantavam mandioca, milho e frutas para sobrevivência.

A convenção de trabalho dos trabalhadores na cana de Pernambuco prevê o direito de o morador plantar para consumo próprio, o que ficou conhecido como “lei do sítio”.

Há que registrar um avanço nas relações trabalhistas na zona canavieira do Nordeste: o desaparecimento do trabalho infantil é confirmado pelos sindicatos dos trabalhadores rurais e pelas entidades representantes do patronato. (EL)