Brasil vai disputar a Direção Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) sem apoio na América Latina e isolado até no Mercosul. Os governos do bloco, assim como os do México, do Equador e de outros latinoamericanos, já informaram que preferem o candidato uruguaio, o diplomata Carlos Pérez del Castillo. O nome do embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, representante do Brasil em Genebra, só foi apresentado quando já era conhecida a candidatura do uruguaio. A manobra tardia do Itamaraty apenas serviu, até agora, para evidenciar mais uma vez as fraturas do Mercosul e os equívocos diplomáticos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em Genebra, a embaixadora queniana Amina Mohamed, presidente do Conselho Geral da OMC, consultará as delegações dos 148 países membros sobre suas preferências, na primeira etapa do processo eleitoral. No final dessas consultas, pelo menos um dos quatro candidatos deverá ser excluído.

O francês Pascal Lamy, ex-comissário de Comércio da União Européia, deve ter o apoio dos 25 países do bloco. Os americanos ainda não declararam sua preferência. Pérez del Castillo terá a seu favor não só a maior parte dos latinoamericanos, mas também de países de outras regiões, como Austrália e Nova Zelândia, membros do Grupo de Cairns, uma das coalizões que defendem a reforma do comércio agrícola (a outra é o G-20). O candidato das Ilhas Maurício, Jaya Krishna Cuttaree, deve esperar principalmente o apoio de africanos.

O embaixador Seixas Corrêa conseguiu até agora declarações favoráveis dos governos da China e da Índia e será provavelmente apoiado pelos da Venezuela e de Cuba.

A esperança do governo brasileiro, até o fim da semana, era que os consultados pudessem apontar dois nomes e não apenas um, como havia sugerido a presidente do Conselho Geral. Se valer esse critério, pelo menos alguns latino-americanos poderão indicar Seixas Corrêa como segunda opção, descartando o nome de Pascal Lamy.

Mesmo nesse caso, será arriscado apostar no apoio de muitos países pobres. Os do Grupo ACP (África, Caribe e Pacífico) têm vínculos importantes com a União Européia. São relações quase coloniais, que proporcionam acesso preferencial a mercados europeus.

Vários desses países vendem aos europeus açúcar que é reexportado com subsídio. O Brasil se opôs a essa reexportação, ao atacar na OMC, num processo até agora bem-sucedido, a política européia de subvenções à exportação de açúcar.

Mas também o Brasil terá problemas, se prevalecer a indicação de dois nomes. O Itamaraty ficará em posição incômoda, se apontar como segunda opção o candidato europeu, mas também não poderá indicar, sem custo político, o nome de Pérez del Castillo.

O diplomata uruguaio, ex-presidente do Conselho Geral, redigiu em 2003, como texto-base para a conferência ministerial de Cancún, um rascunho no qual incorporava as principais propostas americanas e européias para o comércio agrícola. Esse texto foi repudiado pelos governos do Brasil e de outros países contrários à política de barreiras e de subsídios das grandes potências econômicas.

Nessa ocasião formou-se o G-20, a partir de uma iniciativa brasileira apoiada pela China e pela Índia. O Uruguai permaneceu vinculado ao Grupo de Cairns e só aderiu ao G-20 com a eleição do presidente Tabaré Vázquez.

A diplomacia brasileira foi incapaz, no entanto, de impedir o lançamento e a consolidação da candidatura de Pérez del Castillo ao posto de diretor-geral da OMC. Foi igualmente incapaz de mobilizar para o seu candidato o apoio da maioria dos latino-americanos e de outros países vinculados ao G-20 e ao Grupo de Cairns.

Esse é mais um tropeço que mostra quanto é irrealista a diplomacia comercial praticada pelo Itamaraty nos últimos dois anos. É evidente, mais uma vez, que as prioridades eleitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por seus estrategistas diplomáticos não têm correspondência nas políticas seguidas por outros governos do mundo em desenvolvimento. A América Latina pode ser uma prioridade para o Brasil de Lula, mas o Brasil de Lula certamente não é uma prioridade para os latino-americanos, nem mesmo para os do Mercosul.