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Seca e inflação tiram força da economia do NE

A seca e a inflação, especialmente dos alimentos, tiraram ímpeto da economia do Nordeste. Os indicadores econômicos da região têm se comportado na contramão da retomada da atividade neste começo de ano. Houve aumento no desemprego e na inadimplência, queda na produção industrial e estagnação no varejo. A inflação, que atingiu 6,59% na média nacional em março, nas capitais nordestinas já ultrapassou o teto de 6,5% estipulado pelo governo e está acomodada acima dele com folga em Salvador (7,28%), no Recife (7,33%) e em Fortaleza (8,11%). A pior seca dos últimos 50 anos, que desde 2011 se arrasta pelo interior, é apontada como principal causa do “soluço” no crescimento da região, que há pelo menos cinco anos registra avanço no Produto Interno Bruto (PIB) maior do que a média nacional em grande parte de seus nove Estados.

Os analistas acreditam que os números mostram uma situação conjuntural, que deve começar a ser revertida quando a atividade agropecuária for normalizada, mas avaliam que os percalços podem diminuir a distância entre o PIB regional e o nacional neste ano. O Banco do Nordeste do Brasil (BNB) espera 3,7% de avanço no indicador para o Nordeste – e 3,4% para o Brasil. Em 2012, de acordo com os cálculos da Datamétrica, consultoria sediada no Recife e especializada em Nordeste, o PIB regional cresceu 2,09%, diante de 0,9% no restante do país.

A mudança de ritmo passa principalmente por uma desaceleração no consumo da região, causado em parte pela seca, em parte pela inflação alta e também pela inadimplência, que subiu como consequência da diminuição de renda com os dois primeiros fatores. Segundo a Boa Vista Serviços, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), o cadastro de inadimplentes no Nordeste cresceu 0,7% no primeiro trimestre, enquanto em todo o país caiu 3,4%.

“O Nordeste é a região que concentra o maior número de pobres do Brasil, em termos absolutos e percentuais. Ela também depende mais do salário mínimo e tem o maior número de beneficiários do Bolsa Família”, afirma Carlos Magno Lopes, economista da Datamétrica. “Com uma inflação alta e os preços dos alimentos subindo, o segmento mais afetado é a baixa renda. E isso atinge em cheio o consumidor nordestino.”

E se comer ficou caro no Brasil como um todo – a inflação dos alimentos chegou a 13,4% em março, o dobro do IPCA -, no Nordeste o quadro é piorado pela seca, que dizimou gado e plantações e reduziu a oferta de diversos produtos. “Só no Recife, a inflação dos alimentos chega a 16,61%, ou quase um quinto acima da média nacional”, afirma Jorge Jatobá, sócio-diretor da Ceplan, consultoria de planejamento econômico também especializada na região.

O quilo do queijo coalho, que costumava custar de R$ 12 a R$ 15, já chega a R$ 25 em algumas regiões, por causa da falta de leite. A farinha de mandioca, item básico na mesa do nordestino, acumula alta de 153% em 12 meses – mais até que os 120% do tomate. “O consumo ainda cresce no Nordeste, mas desde o ano passado vem perdendo fôlego. Há a incerteza econômica, há o aumento do endividamento das famílias e também o fato de o crédito consignado ter dado uma freada. Tudo isso deixa as pessoas mais cautelosas”, diz Jatobá.

O resultado não demora para bater nas vendas e a afetar a atividade. Embora venha de uma sucessão de meses positivos, o comércio varejista nos Estados nordestinos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentou redução média de 0,7% nas vendas em fevereiro, mais que o recuo de 0,3% do país, ambos comparadas a fevereiro do ano passado. “Os shoppings daqui [Recife] estão vazios”, diz Lopes, da Datamétrica. A redução chegou a 4,9% na Bahia, o pior resultado, e a 1,9% no Ceará, embora em alguns Estados, como Pernambuco, as vendas do comércio continuem subindo – 1,7%.

A produção industrial, que no país acumula alta de 1,1% no primeiro bimestre, cresceu apenas 0,2% no Nordeste, puxada para baixo por uma queda de 4,1% em fevereiro. No primeiro trimestre, apesar da criação de 308 mil vagas com carteira assinada no país, de acordo com dados do Cadastro de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, o Nordeste fechou 74,7 mil postos, 74% dos quais na indústria.

O período, influenciado pela entressafra do setor sucroalcooleiro, é tradicionalmente negativo para o Nordeste, mas está muito pior em 2013. As demissões no primeiro trimestre do ano passado atingiram 24 mil trabalhadores, três vezes menos que agora. Além disso, setores que geralmente recuperam as perdas nos meses seguintes e fecham o ano no positivo não têm mostrado reação: a indústria da transformação em Salvador, por exemplo, acumula perda líquida de 3,9 mil vagas nos 12 meses encerrados em fevereiro, e a agropecuária da capital demitiu outras 3,2 mil pessoas. No mesmo período do ano passado esses setores acumulavam a criação de 3 mil e de 810 vagas, respectivamente.

Em Pernambuco, a indústria já perdeu 6,1 mil postos nos 12 meses até março, ante criação de 7,4 mil um ano antes. Construção, serviços e comércio são setores que seguem contratando, mas todos eles em ritmo muito menor que no ano anterior.

Almir Bittencourt, professor do departamento de economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que o segundo setor no Nordeste é composto em grande parte pela indústria de transformação tradicional – com ênfase nos setores têxtil e de calçados e de alimentos e bebidas – e abastece principalmente o mercado local. A pressão de preços dos insumos, por causa de seca, e a demanda menos aquecida na região, portanto, afetam-no diretamente.

“A indústria sucroalcooleira representa 12% da indústria de Pernambuco, a cana ficou feia, seca, e a produção despencou”, afirma Julio Becher, economista da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Estado entre os nordestinos onde a queda da produção industrial foi mais intensa – no bimestre, está 2% menor que no ano passado. Por outro lado, a falta de demanda, que há tempos estava fora das preocupações do empresário pernambucano, voltou a aparecer nas sondagens feitas pela Fiepe e já é apontada entre as três principais ameaças aos negócios pelas empresas consultadas.

O professor do departamento de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Zionam Rolim lembra das grandes obras infraestruturais para explicar a queda do emprego na região. “A Transnordestina, as reformas para a Copa do Mundo e as refinarias que a Petrobras está erguendo por aqui terão de ficar prontas em algum momento e terão um impacto importante. O canteiro da refinaria Abreu e Lima, por exemplo, tem atualmente 40 mil trabalhadores. Quando ficar pronto, o complexo absorverá apenas mil funcionários”, diz.

O consenso, no entanto, é que, apesar de alguns números ruins, as oscilações deste começo de ano não significam uma reversão na trajetória de crescimento tanto econômico quanto social iniciada pelo Nordeste. “A região vai continuar crescendo acima da média”, disse Bezerra, superintendente do BNB. É o que aponta, por exemplo, o IBC-Br, índice de atividade econômica do Banco Central divulgado mensalmente como um termômetro para o desempenho do Produto Interno Bruto. Apesar da queda de 0,71% no indicador para o Nordeste em janeiro e fevereiro – diante de uma retração de 0,52% no restante do país, a região acumula alta de 4,15% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o Brasil cresceu 2,31%.

“Quando o Brasil não está bem, o Nordeste cresce mais, mas quando o país começa se recuperar a tendência é que esse diferencial se estreite. Isso significa que a indústria está se recuperando e ela é muito mais forte no Centro-Sul do que no Nordeste”, diz Lopes, da Datamétrica. “Isso não significa, no entanto, que o desempenho da região será medíocre. Estamos em um patamar interessante e cair um pouco não é um problema. O Nordeste não vai voltar para um nível mais baixo ou anterior ao que já atingiu.”