Os desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ficaram em quase R$ 47 bilhões no ano passado, pouco mais de 20% abaixo do teto fixado no início do ano, de R$ 60 bilhões. O presidente do banco, Guido Mantega, contudo, não se deixa impressionar pela suposta retração. Primeiro porque as consultas, que resultam mais adiante em novos desembolsos, chegaram a R$ 90 bilhões. Depois, porque alguns dos fatores que inibiram a demanda, como a seca nas regiões agrícolas do Sul ou a parada para arrumação dos investimentos do setor elétrico, não se repetirão. O fator decisivo para a confiança manifestada por Mantega, porém, motivou divergências internas da equipe econômica, desde o tempo em que o economista genovês, brasileiro por opção, ocupava o Ministério do Planejamento: a taxa Selic, o custo básico do dinheiro na economia. Mantega acredita que a inflação em queda e o risco-país nos níveis mais baixos da história sancionarão a queda da Selic. E, com isso, diminuirá de quebra a pressão sobre o câmbio, uma das fontes de queixas dos industriais.
A decolagem de programas como o biodiesel e a exportação de álcool, somada a projetos de fôlego da Petrobras em exploração e refino, deverá fazer com que o volume de aprovações do banco cresça expressivamente este ano. Mantega só não arrisca um palpite do quanto o desembolso do ano passado será ultrapassado este ano por causa da diversificação de fontes de captação na economia. “Nunca houve nesse país um acesso tão grande do consumidor, do pequeno empresário, da agricultura familiar, ao crédito. O mercado de capitais chegou a R$ 70 bilhões. Estamos fazendo uma revolução no crédito”, afirma, em estilo que lembra o do presidente Lula, a quem acompanha desde antes da fundação do PT, nas aulas de noções de Economia para os diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
Sorridente, Mantega esbanja confiança na retomada do investimento e na força do banco que preside: “Se os empresários demandarem R$ 50 bilhões, teremos. Caso o pedido chegue a R$ 70 bilhões, não tem problema. Captamos o que falta rapidamente. O sucesso do PIBB, que atraiu 122 mil investidores para um título lastreado em ações de nossa carteira, indica isso”. E já admite que, mais uma vez, será difícil tirar férias: “Desde 2002, são cinco dias de pausa, pouco antes de assumir o Planejamento, e só. Esse ano vai ter trabalho de sobra.”
TJLP X SELIC
Em qualquer lugar do mundo, taxas de juros de longo e de curtíssimo prazo diferem. Mesmo quando refletem orientações oficiais, porque têm finalidades diferentes. No próprio setor privado, se você observar hoje os papéis para 360 dias, dois anos, três anos, eles por vezes rodam abaixo da Selic. A TJLP é a principal balizadora do investimento de mais fôlego do país, pois é a taxa de juros de longo prazo do maior agente de fomento, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Só não é a única porque existem as da construção civil, que as pessoas às vezes esquecem mas responde por até 60% da Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF). A TJLP baixar é uma conseqüência lógica da inflação menor e do risco-país sob controle.
DISCREPÂNCIA NORMAL
A diferença entre as duas taxas é maior do que ocorre em outras economias? Sim, mas isso é um fenômeno temporário por definição. O Banco Central recorreu a uma elevação momentânea da Selic para fazer a inflação ceder. Na época da posse, a inflação anualizada batia os 18%, houve uma combinação de instrumentos fiscais e monetários para combatê-la. Ela veio para 9,5%, depois para 7%, ano passado 5,7% e este ano deve convergir para a meta de 4,5%. Superado este desafio, a tendência é que as duas taxas voltem a aproximar-se. A TJLP em nível mais baixo, refletindo uma captação externa mais barata, até ajuda o BC. Porque estimula o aumento da oferta, e portanto indica uma condição futura melhor de atender a demanda.
OLHAR NO FUTURO
O interesse por investir, a percepção se o empréstimo compensa ou não, evolui conforme as expectativas. Há três, quatro meses, os empresários intuíam que a taxa cairia, o que contribuiu decisivamente para o aumento da procura. A operação de crédito é contratada hoje, mas é paga em outro momento. Daí que a trajetória, não só dos juros como da economia em variáveis como a inflação e o nível de atividade, é que norteia a decisão. E os agregados que formam a TJLP estavam em queda. Estavam e estão, aliás. Em 2006, deve se registrar nova queda, eis um prognóstico que se pode fazer com razoável segurança.
APETITE EM ALTA
As liberações e consultas podem não ter atingido o teto das projeções, mas indicam uma recuperação do investimento. Os desembolsos do ano passado cresceram 18% sobre 2004, um ano de expansão mais forte na economia. Os fatores que impediram um crescimento ainda maior da procura estão identificados, e provavelmente não se repetirão este ano, ao menos na mesma proporção. O setor agrícola registrou a maior queda, de 41%, por causa da seca no Sul e em regiões produtoras do Centro-Oeste. Mesmo assim, Material de Transporte conseguiu compensar a queda na demanda por tratores e colheitadeiras, por exemplo, e operou em alta. De todo modo, foi um impacto a menor de pelo menos R$ 2,5 bilhões.
SINAL TROCADO
As empresas de energia elétrica são um caso curioso. As empresas vinham recebendo um grande volume de recursos, mas por conta das dificuldades que enfrentavam, ainda como rescaldo do racionamento. O programa de capitalização, criado em 2001 pelo governo anterior, estabelecia uma série de contrapartidas. A hora em que o setor voltou para o azul, exigências do programa como a melhora nos mecanismos de governança corporativa, o reforço do poder de fiscalização dos acionistas, fizeram com que muitos grupos recuassem. A queda nos empréstimos chegou a 29%, mas porque o setor está melhor. O impacto, curiosamente, foi o mesmo da agricultura: R$ 2,5 bilhões a menor.
SOB MEDIDA
Só com a recuperação da demanda na agricultura e no setor elétrico, seriam mais R$ 5 bilhões sobre o orçamento do ano passado, que ficou em R$ 47 bilhões. O importante a destacar é que os setores que precisaram obtiveram os recursos. Na indústria de transformação, os desembolsos cresceram 49%. A demanda geral da indústria chegou a R$ 23,5 bilhões, metade do total do banco. Mecânica, o cerne dos bens de capital, recebeu163% a mais, Metalúrgica, 76%, Química e Petroquímica, 113%. E esse era um setor que vinha desacelerando em 2001 e 2002.
SINTONIA FINA
O aumento das aprovações, refletindo uma demanda maior, coincidiu com a reação do nível de atividade. A indústria, caso anualizemos a taxa de dezembro, voltou a crescer 6% a 7% ao ano. Ajustes localizados que fizemos na política operacional do banco também ajudaram. Os desembolsos para Material de Transporte bateram R$ 10,7 bilhões, um crescimento de 26% sobre 2004. Isso não seria possível sem a criação da linha de financiamento de automóveis, que puxou as exportações de veículos de passeio e compensou os efeitos diretos e indiretos dos problemas conjunturais da agricultura de exportação.
DECOLAGEM SEGURA
A reação da demanda deve espraiar-se por outros segmentos dinâmicos. No setor de energia, por exemplo, os leilões de linhas de transmissão, as pequenas centrais hidreolétricas (PCHs), a geração eólica, com base na força dos ventos, tudo começa a decolar. Em petróleo e gás, os investimentos em exploração, crescentes, resultarão em um volume crescente de pedidos para o banco. Duas refinarias, a de Pernambuco e a Unidade Petroquímica Básica (UPB), entrarão como projeto este ano. A Construção teve ano passado desembolsos 38% maiores que em 2004, e deverá registrar expansão ainda mais forte este ano.
ENERGIA RENOVÁVEL
Num ano difícil para a grande propriedade de viés exportador, a Agroindústria cresceu os desembolsos em 52% aqui no banco. Parte é pelas diferenças de dinâmica interna de cada segmento, mas parte significativa da diferença pode ser atribuída à demanda por álcool. O setor tem crescido muito e as perspectivas são excelentes, ainda mais agora que as regras de controle de emissão favorecem a adição do produto à gasolina em outros países, como o Japão. No biodiesel, antes mesmo das regras definitivas do programa virem a público, recebemos 20 projetos de investimento para analisar. A lei impõe um aumento progressivo na mistura do óleo de origem orgânica ao diesel, partindo de 2% para chegar a 5%. Serão milhões e milhões de litros de combustível, que exigem pesados investimentos prévios para serem processados.
DO TAMANHO CERTO
As médias, pequenas e microempresas (MPMEs) chegaram a 25% dos desembolsos, se somadas as operações para pessoas físicas. Isso é muito importante, e não apenas pelo estímulo a novos empreendedores. O dinamismo das MPMEs está na raiz de um fenômeno interessante, o crescimento recorde na criação de empregos, formais inclusive, num ano em que o crescimento do PIB rondou 2,5%.
É sinal que estamos mudando nosso padrão de desenvolvimento. A agricultura familiar teve um volume de financiamento inédito.
REVOLUÇÃO
Nunca houve crédito tão intenso e abrangente para o consumidor. Veja as carteiras da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, os empréstimos consignados, pagos com desconto na folha salarial. Estamos fazendo uma revolução do crédito no país. Deveremos chegar a 30% dos empréstimos para micros, pequenas e médias empresas. No ano 2000, essa fatia era a metade. Deu trabalho para dobrar essa participação. Criamos novas modalidades mais ágeis, como o cartão BNDES, que agiliza a compra de equipamentos por profissionais liberais e pelo pequeno comércio, de padarias a mercadinhos ou farmácias. As medidas do governo na área propiciaram uma “bancarização”, o acesso a contas e cartões de gente que jamais tinha entrado numa agência.
PRONTA PARA VOAR
Mesmo em 2003, um ano de baixo crescimento, de freio de arrumação para evitar uma inflação mais forte, o emprego cresceu, a estrutura produtiva brasileira vinha mudando. A força desse rearranjo pode ser medida pela nossa capacidade competitiva, pelo crescimento das exportações mesmo num contexto de valorização do real face ao dólar. Isso vale para as grandes, mas também para as pequenas. A Agência de Promoção do Comércio Exterior (Apex) montou uma estrutura de divulgação de produtos brasileiros capilarizada e ágil, com ramificações nos principais mercados e atenta a oportunidades.
TRANSFORMAÇãO
Houve uma mudança de mentalidade no empresário brasileiro, um desafio aceito inclusive pelas pequenas e médias de rever conceitos arraigados. O mercado externo era uma válvula de escape, um local para escoar excedentes. Agora tornou-se alvo de esforços permanentes, para gerar uma demanda constante e estar sempre no plano de negócios. As grandes fazem isso praticamente sozinhas. As pequenas têm de articular-se. E têm feito isso em proporção crescente. São 50 arranjos produtivos locais, em áreas tradicionais como a fabricação de calçados ou expansão recente como a lingerie e a moda praia. Casos em se vende pouco insumo, o mínimo de pano, para o máximo de design.
EMERGÊNCIAS
Não temos força nem atribuições para dar conta sozinhos, como banco, de todos os problemas emergenciais da economia. Estendemos o prazo de quitação dos créditos agrícolas por determinação direta do governo, isso foi possível fazer. O setor de calçados, fortemente afetado pelo quadro cambial, fez um conjunto de reivindicações. Devemos atender a três, das quais as principais são a redução da taxa nos empréstimos para o setor e a oferta de capital de giro. Temos linha para isso, vamos liberar os recursos. No caso da indústria automobilística, as montadoras argumentavam que montaram plataformas de exportação no país e esse esforço estava se perdendo por causa do câmbio desfaorável. Daí criarmos a linha para automóveis, em condições semelhantes às que oferecíamos para caminhões e veículos pesados em geral, de TJLP 4,5%.
GÊMEOS
A valorização crescente do real tem duas origens. Uma é o sucesso do Brasil no comércio internacional, fator positivo, sem restrições. A outra é a grande diferença entre a Selic e as aplicações em dólar, que estimula operações de arbitragem. Com um risco mínimo, o investidor aplica a taxas altas, pelos padrões internacionais de comparação, recursos captados bem mais barato. É uma fonte de forte pressão sobre o câmbio, que irá diminuir à medida em que a Selic for convergindo para patamares mais baixos. O pré-pagamento de dívida, como o Tesouro e o BC estão fazendo, reduz a necessidade de financiamento externo. O que limita os riscos de uma escassez abrupta de recursos, e dá a base mais sólida para o corte dos juros domésticos.
OFERTA E PROCURA
Concentração regional em nossas operações? O BNDES atende a demandas. São Paulo tem mais indústrias, agricultura forte, dominante até em algumas culturas como o álcool. O Sudeste é a região mais industrializada do país, daí encaminhar mais projetos, o que acaba resultando em mais aprovações e desembolsos. Reconhecer isso não implica desistir de reduzir as desigualdades, claro. Tanto que ampliamos os projetos para o Nordeste, mesmo com o governo contando com outros fundos regionais. Só o Ciro Gomes tem R$ 4 bilhões em fundos constitucionais para distribuir na pasta que ocupa. Nossa política operacional preve o estímulo às regiões menos desenvolvidas, tanto que as linhas de crédito para o Norte/Nordeste e o Centro-Oeste sempre custam no mínimo 1% abaixo do Sul-Sudeste.
NOVOS IMPULSOS
Ano passado o Nordeste pode ter crescido menos em nossa carteira do que o desejado, mas temos elementos que sugerem uma forte aceleração das aprovações e desembolsos este ano. A Transnordestina está a caminho, tem a refinaria de Pernambuco, uma série de projetos estruturantes. Tanto lá como no Centro-Oeste, em que trabalhamos para o reforço da infra-estrutura regional, para agiliar o escoamento da safra agrícola.
CAIXA DE SOBRA
Nós atendemos às necessidades da economia. Se os empresários demandarem R$ 50 bilhões, teremos. Se precisarem de R$ 60 bilhões idem. Caso os pedidos batam R$ 70 bilhões, tudo bem. Emitimos títulos, aqui ou no exterior, temos rating favorável. Fomos capazes de criar algo como o PIBB, maior colocação individual do país e com um número de aplicadores recorde, de 122 mil, indicando que chegamos a uma maioria de pequenos e médios investidores. Só não digo que certamente ultrapassaremoso patamar de desembolsos do ano passado porque o mercado de capitais está decolando, foram R$ 70 bilhões emitidos ano passado, as empresas estão com isso desenvolvendo alternativas para diminuir a dependência de nossos recursos. Mas insisto: recurso para investir não é problema. Se a demanda chegar a R$ 70 bilhões, temos como atender.