O Tesouro Nacional anunciou que a inadimplência dos empréstimos agrícolas atinge R$ 1,2 bilhão. Os técnicos afirmam que este valor será escrito na dívida ativa da União. Os pedidos de renegociação dessas dívidas foram apenas analisados pelo líder do PT no Senado, Delcídio Amaral, “desde que seja feita conforme a possibilidade de caixa do Estado”. Já o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, afirmou que essa demanda “não tem sentido”, porque as dívidas agrícolas já foram negociadas duas vezes na gestão passada, comparando a proposta à concessão de subsídio, que o Brasil contesta na Organização Mundial do Comércio (OMC).
As posições da liderança do governo compõem um resumo da pouca informação sobre o potencial do setor agrícola na economia brasileira. Primeiro, porque a última renegociação foi a principal responsável pelo salto na safra brasileira de 80 milhões de toneladas, em 2001, ano da renegociação, para 110 milhões em 2004, quando a balança do agronegócio registrou superávit de US$ 34 bilhões.
O fim dos problemas de abastecimento interno – com todo o peso que tinham na inflação – também se deve ao aumento de produção. Depois, pelas regras estabelecidas pela OMC, o Brasil poderia dar subsídio a sua produção agrícola até o teto de 10% da produção nacional. Seja qual for o produto, os recursos do governo destinados à agricultura estão bem longe desse teto.
Por exemplo, no caso da soja, conforme os dados que o governo brasileiro ofereceu à OMC, entre 1998 e 2003 os subsídios ao produto não atingiram 3,3% da produção nesse período. Proporcionalmente, quem recebeu o maior volume de recursos foi o algodão, beneficiado com subsídios da ordem de 7,91% do valor total da renda gerada pelo produto. Milho e açúcar alcançaram índices de subsídios inferiores ao da soja nesse período.
Por outro lado, a conjuntura externa (a safra agrícola no Hemisfério Norte foi a maior dos últimos 50 anos) derrubou os preços das commodities trigo, algodão, soja, arroz e milho.
Porque esta é a realidade do setor agrícola, pela primeira vez em 26 anos de história, um grupo brasileiro, o maior produtor de grãos do mundo, não irá expandir a área cultivada de soja na safra 2005/06, porque o quadro é “muito nebuloso”. E o motivo não é o preço da saca na Bolsa de Chicago (aceitável, mesmo na baixa), mas a taxa de câmbio e os custos fixos com mão-de-obra e logística. Só o preço do frete entre Rondonópolis e o Porto de Santos subiu 55% nos últimos dois anos. Resultado: a previsão de janeiro do IBGE de uma safra de 130 milhões de toneladas de grãos neste ano foi agora revisada para 116 milhões, 2,5% abaixo da safra 2003/04.
Nesse quadro, depois que tratores ocuparam avenidas em 14 estados, o governo aprovou linha de crédito de R$ 1 bilhão para agricultores saldarem dívidas com insumos, embora tal dívida seja de R$ 7 bilhões. Porém, o crédito só vale para agricultores de municípios em estado de emergência. Vale lembrar que esta safra teve R$ 23,6 bilhões de crédito oficial e R$ 40 bilhões de investimentos privados.
A melhor avaliação da eficiência da ajuda oficial ao setor agrícola foi a do IBGE. Enquanto no primeiro trimestre o PIB da indústria recuou 1% e o de serviços 0,6%, o do agronegócio avançou 2,6%, apesar de tudo. No PIB de 2004, de R$ 1,766 trilhão, o setor agrícola foi responsável por R$ 530 bilhões. É por essa razão que 32% da mão-de-obra ocupada no Brasil depende do agronegócio.
Na agenda de mudanças para recuperar a produção o setor agrícola reconhece a necessidade de maior profissionalização de gestão. Porém, mais do que renegociar dívidas (indispensável para o produtor, usado no mundo todo), é necessário ampliar formas de financiamento. Isso é o essencial a ser feito, e não culpar as alterações climáticas. Aliás, São Pedro não é “funcionário” do Ministério da Fazenda porque o santo detesta desperdiçar recurso público: com a extensão territorial do Brasil, não há registro de estiagem que atinja, no mesmo ano, todo o País. Como a continuidade de exportação de soja provou, apesar da quebra de 70% da safra do Sul e Sudeste.